31 dezembro 2008

Lendo aos poucos... (VII)

“memórias e esperanças” De autoria do Eng.º João Nogueira Ramos e publicado por ocasião do cinquentenário da Casa do Concelho de Góis, este livro, autêntica Bíblia do Regionalismo, tem sido um precioso auxiliar para todas as colectividades numa altura em que se comemoram os 80 anos de regionalismo no concelho. Tem sido uma fonte inesgotável onde todos temos ido beber. É um livro que devemos ter na nossa biblioteca e de leitura obrigatória para todos quantos andam envolvidos nas suas Comissões de Melhoramentos, Ligas, Uniões ou Grupos. Imperdível a sua leitura. Como diz Carlos Alberto Poiares na introdução “… é sabido que o associativismo tem nascido, em larga medida, de colónias de migrantes, deslocados das suas terras para a capital, em busca de melhores condições de vida, em particular ao longo da segunda metade do século XX. Dessas transferências de populações têm emergido dinâmicas relacionais coesas e cúmplices, ancoradas na partilha de ansiedades, angústias e expectativas. Mas estes percursos colectivos em prol da defesa e promoção dos povos do interior apresentam também, com frequência, intencionalidades de contestação, de irreverência e de inconformismo face aos poderes – central e, por vezes, local – que iam deixando abandonadas essas terras e as suas gentes. O regionalismo pode ter como elemento contribuinte do seu desenvolvimento – e também da sua longevidade – esse entrecruzamento de relações grupais, geradas como mecanismo de defesa, alicerçando-se em objectivos comuns e imperecíveis, repartindo-se pelas aldeias e vilas que coabitam na Grande Lisboa.” Como refere um pouco mais à frente “muito do que se pode – e deve – fazer na vida é apenas por paixão, desinteressadamente, quando convertemos ideias e princípios em objectos de investimento afectivo.” De acordo com João Nogueira Ramos “… De características serranas, com escassos recursos naturais, de vida assente primordialmente numa agricultura feita em terrenos poucos férteis, os autóctones partiam à procura de melhores condições de vida, muitas das vezes inseridos numa estratégia para a sua própria sobrevivência. … Outros procuravam a região de Lisboa, onde seria mais fácil encontrar emprego duradouro, para restabelecerem a sua vida, num movimento que se iria realizar em cadeia, muitos deles mandando vir os seus conterrâneos, familiares ou amigos, através de redes informais… … Como outros mais seriam estivadores, aguadeiros, limpa-chaminés, “almeidas” ou moços de esquina, aqueles que, com uma corda ao ombro, nos cruzamentos das artérias mais movimentadas da capital, estavam prontos para todo o trabalho pesado que lhes fosse solicitado. Ficam com uma ligação muito estreita aos seus locais de partida, onde normalmente deixaram casa e outros bens e, muitas vezes, parte do seu agregado familiar. Por isso, ali retornam com frequência, para conviver com a família e com os amigos, passar férias, ou participar em festas e acontecimentos locais, nomeadamente em fins-de-semana. A este movimento, vai estar ligado um associativismo, sui generis em relação a movimentos migratórios de outras zonas do país. Vindo de um interior rural, aparentemente rudes e com poucas preparações académicas, sujeitando-se aos serviços mais duros, não se apresentava fácil a sua inserção em meio urbano. Tendo deixado na terra natal a família, é no associativismo que encontram um meio de estabelecer contactos com os conterrâneos, não apenas para convivência e solidariedade, mas também para defesa dos seus bens locais. E a intenção do regresso, quando as condições o permitissem, estará sempre presente. Rapidamente se juntam em pequenas comunidades de sentimento, sonhando e projectando em conjunto. Cada associação diz respeito a uma aldeia, a partir de um sentimento de pertença à sua comunidade de origem, o que lhe transmite grande força para a sua actividade. Formaram-se no início, é certo, associações cobrindo o espaço da freguesia, em zonas onde, na época, a pertença a esse nível espacial era forte, mas vieram com o tempo a desactivar-se, quando esse sentimento foi preterido pelo da aldeia natal. O regionalismo é uma estrutura de sentimento, um estado de espírito, imbuído em práticas inter-culturais, num espaço de exteriorização colectiva das ligações dos emigrantes às suas origens, com as quais se identificam social e culturalmente. Para se ser regionalista não basta gostar da sua terra natal e colaborar, por solidariedade ou por prazer, no seu progresso. Ser-se regionalista é, para além disso, ser-se emigrante e, simultaneamente, fazer parte da sociedade de origem. É um “ausente-presente” no dizer de Rocha-Trindade, “com um pé cá e outro lá”. Neste movimento, sobressaiu, desde o início, a sua voz reivindicativa junto do poder público, para a concretização de obras, geralmente infra-estruturas e equipamentos de base mais prementes. Deixava, deste modo, transparecer uma das suas principais preocupações, a melhoria das condições de vida das gentes que lá ficaram e o engrandecimento da terra natal. Essa fase praticamente terminou, mas pelo facto de as autarquias hoje possuírem outros poderes e outros meios de as realizar. Agora parece prevalecer a opinião de que a sua acção deve ser orientada de preferência para as áreas da cultura, de guardião do património e do ambiente, de preservação da memória, das tradições e identidades locais, na base de uma inovação de atitudes e de valores, para além da promoção de solidariedade e convívio que, desde sempre, as caracterizaram. As Comissões de Melhoramentos constituem a guarda avançada de uma cultura popular que teima em não se perder, uma cultura rural com as suas formas próprias de interacção, e que pode constituir uma barreira à nova cultura igualadora trazida pela globalização. Cada uma das aldeias, as “micropátrias” de Rocha-Trindade, contém em si uma microcultura popular, cujo somatório constitui um valor inestimável para a identidade cultural do concelho. Para além do movimento servir de base para uma estratégia de revalorização do concelho e de elo de ligação ao global, do rural ao urbano, pressente-se um entusiasmo, nomeadamente dentro das novas gerações, de querer levar por diante novas realizações, ainda que numa vivência cultural diferente da de um passado não muito distante, agora na base de outros padrões de cultura.” A União Progressiva da Freguesia do Colmeal agradece ao Eng. João Nogueira Ramos o grande contributo que com esta obra veio dar para um melhor conhecimento e compreensão do regionalismo no concelho de Góis. E terminamos citando mais uma das suas frases “… as Comissões de Melhoramentos, tal como no passado, continuam a ser depositárias de grandes esperanças para o desenvolvimento do concelho.” A. Domingos Santos

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