10 junho 2013

ANTIGUIDADES E AFETOS



Fizeram-me chegar há uns tempos – lembrança que muito apreciei e agradeço –, “O Grande Livro das Antiguidades” (Rebo Productions, The Netherlands, 2000).

É um livro muito interessante, pelo assunto e pela extraordinária riqueza e diversidade da informação e das antiguidades que apresenta, organizadas por categorias que se regem, umas vezes pela funcionalidade dos objetos, outras pelo material de que são feitos, outras ainda, pelos estilos em que se inserem. Numa variedade absolutamente fantástica, as categorias desdobram-se em numerosas subcategorias!

No capítulo das cerâmicas, que me pareceu sem surpresa e por razões óbvias o mais extenso, consta, entre muitas outras, a porcelana de Meissen, cidade da então República Democrática Alemã, onde, pela primeira vez, tive oportunidade de acompanhar, numa fábrica transformada em museu vivo, o ciclo de produção da loiça, em visita guiada que recordo como exemplo de otimização de recursos e organização. A queda do muro de Berlim estava para breve. Também no que toca à loiça de Delft, recordo que a honrei, na ausência da informação que o livro me proporcionou, com a compra de uma série de tamanquinhas holandesas em miniatura!

Apesar de se tratar de um livro transversal e transnacional, que contempla produções provenientes dos mais diversos domínios e distantes partes do mundo, abrangendo do século XVIII à primeira metade do XX, não encontrei qualquer referência a marcas e produtos portugueses merecedores de menção. Entre outros, estou a pensar na loiça da Vista Alegre ou, no extremo oposto da posição social, nos pratos ratinhos, loiça de Coimbra que os beirões levavam para as ceifas, no Alentejo, e deixavam por lá, vendidos ou trocados pela prenda com que regressavam para a mulher amada, mãe, esposa ou namorada. É pena!

Por força do conceito de antiguidades que lhe subjaz – “objetos encantadores, desenhados por artistas e com um design bonito e funcional (p. 8) – a obra incide sobre a esfera doméstica e do consumo, deixando de parte a esfera do trabalho e da produção e os utensílios, digamos que menos diferenciados. Confirma-se, assim, como digo no livro “Dos Objectos para as Pessoas” (2007), que “nem sempre aos objetos mais humildes é dada a mesma visibilidade que às «jóias da coroa» ou às produções dos grandes autores” (p. 9).

No plano temporal, considera-se antiguidade um objeto com uns escassos cinquenta anos, conceção muito pouco atual, face à velocidade a que a mudança e o desuso se processam hoje em dia. De qualquer modo, vem dar razão à minha amiga que foi até ao eletrão com um ferro de passar e um computador, e depois voltou com eles para casa, precisamente por ter pensado que o novo de hoje será o antigo de amanhã!

De acordo com o livro, colecionar antiguidades é um investimento, e pode ser muito enriquecedor, permitindo o estudo da história, das técnicas, dos estilos e das artes (p. 9-10). Não menciona as dimensões do respeito pelo labor dos artífices e de símbolo e memória de afetos, que presidem às preocupações de preservação de muitos de nós, cidadãos, autarquias ou associações. Preocupações essas que se traduzem na reutilização dos objetos, com a mesma ou função distinta da que tinham originariamente, e na sua inclusão em museus e centros de interpretação.

Trata-se de realidades e abordagens distintas? Sem dúvida! Precisamente por isso é que são tão enriquecedoras, interessantes e complementares, justificando que continuemos a construir o nosso próprio espólio de memória e identidade, “a evocar histórias de vida, afetos, aromas e sabores, espaços e tempos sociais. E a sugerir o futuro, no devir ininterrupto do tempo e das gerações” (Dos Objectos para as Pessoas, p. 10). Também a contribuir para a sustentabilidade da economia local, como recurso ao serviço da investigação e do turismo cultural e de lazer.

Que eu saiba, temos os museus ou núcleos museológicos de Fajão e do Piódão, do Colmeal (Miniaturas do Artur) e da Cabreira, do Açor e do Cortarredor, do Soito, da Aigra Nova e da Pena, mas outros poderão surgir, no pressuposto de que os objetos devem permanecer no espaço físico e simbólico a que pertencem e de que os museus devem funcionar em rede.

O livro pertence à biblioteca da União Progressiva da Freguesia do Colmeal. Consulte-o e não se arrependerá.

Lisete de Matos


Açor, Colmeal, 5 de Maio de 2013

Comandos voltaram à Serra do Açor e ao Colmeal

A União Progressiva da Freguesia do Colmeal preparou e realizou um fim-de-semana diferente em que nos embrenhámos por aquele país totalmente desconhecido para a maioria dos que nos acompanharam e em que procurámos descobrir os hábitos e as tradições das nossas gentes, e apreciar os lugares escondidos pelos recantos das encostas, com a sua personalidade própria, a sua história e o seu património.

A primeira paragem foi na linda vila da Lousã. Datam do período da dominação romana os mais antigos vestígios que testemunham a presença do homem na região da Lousã. Monumentos funerários e diversos objectos ali encontrados atestam essa presença. Consolidando-se na Idade Média, a Lousã viria a prosperar no século XVIII e seguintes, graças à industrialização. Hoje, a par de um cunho actual, a vila mantém o seu casco antigo preservado e está rodeada de uma serra onde se encontram diversas aldeias encravadas nas encostas da serra com o mesmo nome.




Uma visita guiada ao Museu Etnográfico Dr. Louzã Henriques, que está a funcionar num edifício municipal recuperado e adaptado onde se encontram mais de trezentas peças da sua colecção particular, um espólio etnográfico riquíssimo, fascinou todos os participantes. No piso intermédio onde se encontram os serviços educativos e existe um auditório para conferências foi também possível apreciar a interessante Exposição de Escultura de Ana Marta Pereira.



O castelo da Lousã, também chamado de Arunce ou de Arouce, já fica fora dos limites da vila, a cerca de três km e encontra-se no alto de uma espécie de promontório, rodeado de um vale profundo onde corre a ribeira de S. João.

Como se lhe refere Paulo Rios Peralta (2009) “Lendas e História de um povo tendem a cruzar-se e por vezes a confundir-se... Também a mítica que envolve a fundação da Lousã está envolta em mistérios de alguma forma bucólicos, o que a torna mais apetecível.
É neste contexto que surge o Castelo de Arunce com todo o seu mistério, capaz de nos transportar para tempos avoengos de batalhas e amores quiçá proibidos…
O cenário em que se integra o castelo da Lousã, a península onde se insere e todo o espaço envolvente transporta-nos assim para além da realidade e é envolto neste quadro que a lenda se torna realidade. Conta a história ter sido este castelo mandado construir pelo Rei de Conímbriga chamado Arunce. Este castelo constituiria assim um local de refúgio que, embrenhado na floresta, confundia os ataques inimigos.
É perante uma invasão a Conímbriga, então porto de mar, perpetrado pelo Príncipe Lausus, que o Rei Arunce se vê obrigado a fugir para a atalaia da Lousã, levando consigo a sua filha Peralta e todas as suas riquezas. Contudo, no momento da fuga, a Princesa Peralta e o Príncipe Lausus terão trocado olhares que os deixou enamorados.
O ímpeto de Lausus leva-o a ir em busca da sua amada, percorrendo as serranias da região.
O velho monarca, sabendo das intenções do seu inimigo, resolve ir ao encontro de Lausus, deixando Peralta e as riquezas fechadas no Castelo da Lousã.
Este encontro militar acaba contudo por se tornar fatídico para Arunce e Lausus…
Não havendo ninguém conhecedor do refúgio da Princesa, conta a lenda que ainda hoje, de vez em quando, se ouve o soluçar apaixonado da jovem Peralta, aguardando pelo seu Príncipe. …


  

As Ermidas da Nossa Senhora da Piedade, cuja construção remonta ao século XV, são um importante Santuário Mariano e ficam situadas mesmo em frente ao castelo de Arouce. São três as capelas, sendo a mais antiga e de maior dimensão a Capela de S. João, construída entre os séculos XIII e XIV. Possui um conjunto de esculturas do séc. XV e XVI talhadas em pedra de Ançã: S. João Baptista, S. João Evangelista e S. Paio, e ainda um frontal de altar em azulejos seiscentistas. A completar o conjunto, a Capela da Agonia, edificada no séc. XVIII e a Capela de Nossa Senhora da Piedade, que só descia à vila em ocasião de calamidade pública e aquando da criação da Irmandade de Nossa Senhora. A imagem passou a permanecer durante cerca de um mês na Igreja Matriz, regressando em grandiosa procissão ao seu Santuário. Em 1912 foi construída a quarta Capela: a do Senhor dos Aflitos, situada no morro em frente ao Castelo. Esta pequena capela, em estilo neo-românico, com cantarias, tem um altar revivalista executado pelo escultor conimbricense João Machado.






Num agradável ambiente e com uma extraordinária envolvente todo o grupo se rendeu à gastronomia local que nos privilegiou com produtos regionais e onde a confecção e a apresentação extremamente cuidada mereceram o nosso aplauso. Talvez por isso o almoço parecia não ter fim.




Na Fraga da Pena foi a paragem seguinte. As águas da Barroca das Degraínhas ao encontrarem-se com as da Ribeira da Mata formam uma cascata com algumas dezenas de metros em vários desníveis e com uma vegetação abundante e verdejante que se desenvolveu ao seu redor. A parede rochosa por onde se despenha a água está coberta de musgo, tal como ao longo dos acessos que nos levam até à pequena lagoa onde as pessoas se podem banhar. É um cenário idílico, um autêntico e verdadeiro recanto do paraíso que muitos desconhecem, onde impera uma impressionante serenidade e frescura e que nós fomos encontrar em plena Área Protegida da Serra do Açor.

A Mata da Margaraça ocupa uma parte da vertente norte da serra da Picota. É um espaço privilegiado de encontro com a Natureza. Constitui um raro testemunho da vegetação espontânea da paisagem serrana, considerado como o último reduto da vegetação original do centro do país. Pertença do Instituto da Conservação da Natureza é hoje apenas uma pequena amostra do que em tempos foi, um dos mais opulentos maciços florestais do território. Está classificada como Reserva Natural da Rede Nacional de Áreas Protegidas e Reserva Biogenética do Conselho da Europa.










Piódão é, sob o ponto de vista turístico, um dos principais pontos de referência de todo o concelho de Arganil. Esta típica aldeia em forma de presépio, com casario em xisto e telhados de loisa é propícia a um regresso ao passado bem presente no dia-a-dia dos seus habitantes, poucos, que se espalham pelos socalcos, onde praticam uma agricultura de subsistência. Considerada de interesse nacional, a aldeia do Piódão, localizada em plena serra do Açor, é hoje um local privilegiado para quem procura um turismo rural. Foi possível visitar o Museu situado mesmo ali perto da Igreja Matriz e depois percorrer algumas das ruas estreitas, interessantes não só pela particularidade da sua construção como dos pormenores que encerram e se encontram na passada.




Com o dia a chegar ao fim era imperioso rumarmos ao Sarzedo para mais um jantar gastronómico. Esperava-nos uma divinal chanfana, um prato típico preparado à base de carne de cabra velha a que se junta vinho tinto, aguardente, alecrim, alho, azeite, cebola, sal e salsa, e que pode ainda levar colorau, cravinho, louro, malagueta, pimenta, toucinho de porco, conforme os “saberes antigos” que se vão transmitindo de geração em geração para os “sabores actuais” de cada um de nós.



À noite ainda houve tempo para um passeio pelas ruas quase desertas de Arganil e para um digestivo e dois dedos de conversa na esplanada. Na manhã seguinte o clarim ia fazer-se ouvir cedo para o “toque de alvorada”.


Fotos de A. Domingos Santos