31 janeiro 2021

Jaime Fernandes

 


O meu pai saiu do Colmeal em 1954, com a idade de 16 anos, para regressar definitivamente em 2000, após 46 anos de ausência. Durante este tempo a vida levou-o de Lisboa a Paris, via Luanda. Mas, sempre teve a esperança de voltar um dia para o Colmeal com a minha mãe.

Em nome de meu pai, gostaria de agradecer a todos os habitantes do Colmeal que, durante os últimos vinte anos, partilharam a sua vida, ajudando-o no Parque do Senhor da Amargura, jogando com ele a Sueca, nas Caminhadas e também nas Viagens da UPFC. Todos vós participastes com ele os anos mais felizes da sua vida, como ele muitas vezes dizia. Esta felicidade da sua vida só foi perturbada com a chegada da doença que o veio a destruir, pouco a pouco, ao longo dos últimos dez anos. 

Obrigado a todos vós. 

Rui Fernandes

23 janeiro 2021

O COLMEAL E A HISTÓRIA DO COLMEAL (3º)

(Continuação) 

3. DA EVOLUÇÃO

3.1. O RELIGIOSO E O SECULAR

Com o passar do tempo, a estrutura organizativa de O Colmeal vai sofrendo alterações, mantendo durante anos as áreas temáticas, e mantendo-se jornal paroquial e da freguesia. As alterações começam por traduzir a prioridade atribuída a um determinado assunto, para mais tarde se processarem em sintonia com as mudanças sociais e politicas que foram tendo lugar no país e nas freguesias. O religioso-paroquial e o secular continuam a sobrepor-se, indiciando uma visão abrangente da vida, na multiplicidade das suas valências.

Progressivamente, porém, vão surgindo artigos e rubricas que reforçam a dimensão histórica e social do jornal, logo, a vertente secular. Constituem exemplo: Centenário da Fundação da Freguesia (nº 11, 1960); Colmeal e os seus Problemas (nº 24, 1962); Figuras e Factos (nº 51, 1964, mantendo seguidamente uma certa regularidade); Cepos e a sua História (nº 63, 1965); Postal de Cepos (nº 74-75, outº-novº 1966); Freguesia do Colmeal. História (nº 101, dezº 1969). Contemplando, embora, artigos sobre a atividade religiosa e paroquial, encontram-se números marcadamente seculares. É o caso dos 92 e 93 (1968) alusivos à nomeação de Marcelo Caetano como Presidente do Conselho.

Similarmente, a tendência para a secularização pode ver-se na rubrica Das Coisas E… das Pessoas [i], que emerge em 1966, para reportar encontros e situações do quotidiano. Em estilo de crónica, poderia ter representado uma valorização do local, não fora a sua efemeridade, pois só integra os números 68, 69, 72. Na sua primeira aparição, teve-se a grata surpresa de encontrar mencionada a conhecida hospitalidade dos nossos avós paternos, Leopoldina e José Martins. Mas, num outro exemplar, a triste notícia da morte do último, na sequência da queda de uma oliveira.



 

Em interação com aquelas, acrescem as mudanças que vão ocorrendo no próprio plano religioso-paroquial. Avultam: o desaparecimento já mencionado das vidas de santos e das tarjetas formativas da primeira página; o maior relevo dado à ação da União Progressiva da Freguesia do Colmeal e das comissões de melhoramentos das diversas povoações; a divulgação dos aniversários. Uns tantos números antes e depois do centésimo, verifica-se, mesmo, o desaparecimento dos textos de apostolado e catequese, persistindo os relativos à atividade paroquial sob os títulos Vida paroquial e Notícias paroquiais. Estando em questão um período muito concreto (1968-1972), é difícil não relacionar este desenvolvimento com um provável perfil específico da equipa responsável pelo jornal.

A sugerir o respetivo percurso, muito mais tarde, em 1981, falando do boletim sob a sua orientação, o então diretor afirmava:

(…) Foi denunciada muita situação injusta, fraudes, foram apresentadas carências do povo, etc., etc.. Como fruto deste trabalho várias situações foram corrigidas e as entidades viraram-se mais realisticamente para os interesses coletivos. (… ) [ii].

E, quando da sua despedida, no ano seguinte:

(…) O jornal O Colmeal, com uma nova dinâmica, ajudou a aclarar ideias e alertou para os reais interesses do povo, ao mesmo tempo que servia de elo de ligação da freguesia com os emigrantes (…) [iii] .

A propósito, recorde-se o apelo da Terra Natal, quando em carta aberta aos filhos que a visitaram no verão de 1968 [iv], lamenta o afastamento das verdades da fé nela aprendidas, pedindo-lhes que se interessem pela vida espiritual do mesmo modo que se interessam pelo bem-estar próprio e da família.

No que toca à população residente, na sequência de um inquérito nacional, diz-se, em meados de 1978: A freguesia do Colmeal tinha na altura do inquérito 535 pessoas e assistiram à Missa no domingo do inquérito 263 pessoas, sendo 72 homens 191 mulheres [v]. Comparando com os participantes de hoje, uma multidão, em que as mulheres representavam 72,6%! De acordo com dados resultantes do mesmo inquérito, 75 a 85% dos portugueses autoidentificava-se como católica, mas a maioria considerava-se não praticante.



 

A tendência para a secularização do jornal, que se enquadra na secularização social geral, é legitimada no Estatuto editorial do número 131 (julho-setº 1975), onde se retoma a ideia de carta e salienta as dimensões informativa e interventiva, concluindo: (…) Periódico confessional, sua missão é estar ao serviço da fé cristã e de toda a vida dos homens, de que a mesma fé é força dinamizadora.

 

3.2. COM UM PÉ CÁ E OUTRO LÁ

Conforme exposto e decorre dos objetivos definidos pelo seu fundador, O Colmeal sempre existiu e funcionou com um pé cá e outro lá, nas aldeias e na cidade. Ou seja, no vai e vem das próprias pessoas que, nessa altura, e por pouco tempo mais, ainda partiam para regressar. Era o tempo da dupla inserção das famílias, que se distribuíam entre as duas localizações, nas terras ficando as mulheres, as raparigas e os filhos pequenos, para Lisboa partindo os homens e os rapazes depois de feita a escola. Uns vão outros vêm. É sempre assim. O mal (ou o bem!) é que vão mais do que vêm [vi]. Daí que o boletim aluda a terras que entretanto ficaram vazias, já nem se sabendo onde eram: Coiços, Marmoiral, Porto-chão e Safredo.

Nesta ambivalência e com a partida de cada vez mais população para a cidade, o jornal acaba por acompanhá-la e refletir a progressiva ascendência da inserção e da identidade urbanas. Enquanto no número 4 (1960) se diz que as visitas a Lisboa são necessárias para maior e mais estreita união das famílias (…) [vii] e se vê, nas fotografias da excursão, que a maioria são mulheres, em números ulteriores, fala-se de senhoras, com ou sem filhos, que partem para juntarem-se à família [viii].

Entre outras, permitem aquela leitura as seguintes ocorrências.

Os batizados e casamentos noticiados, que passam a ter lugar sobretudo na Grande Lisboa, embora, nas aldeias continuem a realizar-se alguns de residentes e/ou já nascidos na cidade. A opção pela terra revela a profundidade dos laços que a ela prendem, associada à permanência de familiares na mesma. Os padrinhos e convidados vão e vêm.

Os exames, mais tarde, Exames e passagens, que começam por ser de crianças residentes nas freguesias, e relativos à 4ª classe, para passarem a ser de ausentes, e respeitantes a níveis de ensino mais elevados. Embora surja antes, esta evolução é visível nos números 50 (agosto-setº 1964) e 62 (outº 1965). Aliás, o facto de a notícia passar a ter o título de Os nossos estudantes é em si próprio elucidativo da mudança. O estudante era o que frequentava estudos superiores à escolaridade obrigatória [ix] que só existiam nas capitais de distrito. Na época, como me diziam conterrâneos num outro contexto, o costume era os rapazes fazerem a 4ª classe e irem para Lisboa trabalhar, às raparigas, que se destinavam ao trabalho no campo, bastava saber ler e escrever ou fazer a 3ª classe.




A centralidade da população em mobilidade depreende-se, igualmente, da emergência de títulos que vêm substituir ou acumular com os existentes. Chegam as Cartas de longe… [x], visando responder à correspondência recebida de fora do continente. São cartas de emigrantes e militares em serviço nas ex-colónias, cujo número aumenta à medida que a década avança. Somam-se as Carta de Timor, Angola, Guiné, Moçambique, etc. e, no que concerne aos soldados, várias pequenas rubricas (Saudações, Os nossos Soldados, Vida militar) e escritos por eles enviados [xi]. Contam-se a Alemanha, Brasil, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Venezuela e todos os países de língua oficial portuguesa.

 

A rubrica Marco do Correio passa a acumular com Notícias da Capital, que aparece com o número 53 (dezº 1964), para ficar até ao 67 (março 1966), a noticiar eventos pessoais e das coletividades, na cidade. No número 87, o Marco do Correio foi substituído por Pela nossa Terra e Por quem os sinos tocam. Com a primeira, o local ganha autonomia, mas perde espaço. O Marco do Correio dará mais tarde pelos títulos Notícias das nossas terras, Terras da nossa terra, Por Terras da Freguesia do Colmeal, Correio do leitor … Não se encontrando outra explicação, por vezes, tem-se a perceção de alguma volatilidade dos títulos (e secções) em função de gostos e opções momentâneas. Uns chegam para logo partirem, outros partem, mas regressam!

As secções Pelo Mundo (curiosidades, informação geral) e Notícias do Mundo, de finais dos anos sessenta, apontam no sentido de uma perspetiva mais universal e a própria publicidade, que é significativa, nomeadamente em boletins de 1966, espelha o peso da diáspora, no jornal.



 

Por fim, a orientação para a comunidade ausente transparece do facto de o boletim não incluir uma secção agrícola, ao contrário de outros jornais paroquiais rurais contemporâneos, que focavam esse setor de atividade. Involuntariamente ou não, neste aspeto, O Colmeal evita a valorização da ruralidade pobre que caraterizava o regime em vigor.

 

4. ESPAÇO DE VISIBILIDADE E PROTAGONISMO, FERRAMENTA CULTURAL, FATOR DE IDENTIDADE E COESÃO SOCIAL

Em vários momentos, O Colmeal evoca o agrado com que era lido. Na certeza do seu interesse enquanto órgão de comunicação social, resta sublinhar a sua importância enquanto espaço de visibilidade e protagonismo, ferramenta cultural, fator de identidade e coesão social.

Espaço de visibilidade e protagonismo, porque a elaboração do boletim exigia colaborações e uma vasta rede de contatos, que assim se envolviam, direta e indiretamente, beneficiando das mais-valias dessa participação. Acresciam as iniciativas individuais, traduzidas em cartas e outras comunicações que tornavam os leitores simultaneamente consumidores e produtores do jornal.

Espaço de visibilidade e protagonismo, ainda, porque nele os paroquianos e leitores podiam ver o seu nome inscrito, desse modo o registando para memória futura. Num mesmo boletim, as possibilidades eram várias: notícia específica; inclusão em Marco do Correio, na Vida de O Colmeal ou nos Aniversários; presença nas listas de donativos ou nos Mordomos e mordomas. Nesta matéria, talvez mesmo existisse alguma emulação, como nos leilões. Para além dos nomes habituais, nos números 98 e 100 (1969), os donativos para a residência paroquial apresentam-se listados por terras [xii].

Naquelas listas, com exceção para as mordomas, os nomes são maioritariamente masculinos, o que evidencia a pouca visibilidade e a subalternidade das mulheres. Apesar de o protagonismo da dupla ou tripla jornada de trabalho que normalmente faziam, vivendo na aldeia ou na cidade!

Por fim, espaço de protagonismo para instituições, em que avultam as coletividades e o regionalismo, em geral. Só mais tarde as autarquias.

Ferramenta educativa e cultural, pela informação que veiculava e pelo estímulo à leitura e à escrita que constituía. Estimulo à leitura por inerência e uma leitura que não seria fácil, tendo em conta os baixos níveis de escolaridade e a pequenez do corpo da letra, que apenas o entrelinhamento compensava. Estímulo à escrita, porque exigia a iniciativa de escrever para prestar uma informação ou sugerir uma notícia. Recentemente, alguém lembrava o fantástico exercício de criatividade que foi, para ela e uma amiga, munidas de um dicionário, fazer uns versos sobre a sua terra. O desafio fora lançado pelo Pe. António Diniz, e ao mesmo responderam paroquianas e paroquianos praticamente de todas as terras servidas pelo jornal. Esta participação é muito enriquecedora e o fomento da mesma deve ser enaltecido.

Ferramenta educativa e cultural, ainda, porque ao divulgar as formaturas e o sucesso escolar de uns, estava a encorajar os de outros, conhecida que é a importância que as populações em causa atribuíam à educação e aos estudos.

Fator de identidade e coesão social, na medida em que contribuiu para manter viva a ligação entre as aldeias, aproximando Cepos e Colmeal e alimentando uma visão de conjunto. Em articulação com a família, o regionalismo e o vai e vem recorrente, o boletim reforçou seguramente a pertença à terra, às freguesias e à região, ao mesmo tempo que a urbana se ia impondo por força das circunstâncias.

A este propósito, diz-se sobre o boletim, no número 44 (Fev. 1964):

Mais do que porta-voz da terra mãe, ele tem sido o elo de união entre todos os filhos da mesma terra, entre os presentes e os ausentes. A cada um tem levado a palavra carinhosa e amiga, o conselho benfazejo, as notícias, aguardadas com ansiedade [xiii].

Um elo de união! Que assim persista O Colmeal, no exercício do seu atual papel de narrador e fonte inesgotável de memória, informação e reflexão.

 

Lisete de Matos

Açor, Colmeal, novembro de 2020.

 



[i] O Colmeal nº 68, abril de 1966.

[ii] “Padre Manuel Pinto Caetano”, O Colmeal, nº 175, julho-agosto de 1981. Este número especial, em formato diferente, comemora os 50 anos da União Progressiva da Freguesia do Colmeal.

[iii] Pe. Pinto, “Na hora do adeus”, O Colmeal, nº 187, agosto de 1982.

[iv] “Carta aberta”, nº 41, novembro de 1968.

[v] “Quem vai à Missa?”, O Colmeal, nº 144, abril-maio-junho, de 1978.

[vi] “Marco do Correio”, O Colmeal, nº 66, fevereiro de 1966.

[vii] “A nossa excursão”, O Colmeal, nº 4, 15 de maio de 1960.

[viii] “Marco do Correio”, O Colmeal, nº 13, 1961; nº 52, 1964; nº 54, 57, 59 e 64, 1965; nº 67, 1966.

[ix] Depois de avanços e recuos anteriores, a escolaridade obrigatória passou a ser de quatro anos para os rapazes em 1956 (Decreto nº 40 964, de 31/12) e, para ambos os sexos, em 1960. Passou a seis anos em 1964 (Decreto-Lei nº 45 810, de 9/7), assim se mantendo até 1986.

[x] “Cartas de Longe”, O Colmeal, nº 14, março de 1961.

[xi] Exemplos: “Uma Lágrima do Soldado”, O Colmeal, nº 23, janeiro 1962; “Carta de soldado para a mãe”, O Colmeal, nº 69, maio de 1966; “Espera-me”, O Colmeal, nº 102, fevereiro de 1970.

[xii] “Residência Paroquial”, O Colmeal, nº 98 e 100, julho e novembro de 1969.

[xiii] “No limiar do quinto ano”, O Colmeal, fevereiro de 1964.

19 janeiro 2021

Cancelamento da cerimónia de distribuição do Bodo no Colmeal em 2021

 



"Entendeu a Mordomia do Bodo de 2021 em sintonia com o Sr. Padre Orlando e demais apoiantes por unanimidade cancelar a celebração da distribuição do Bodo prevista para o próximo sábado dia 23, sendo adiada para data a anunciar logo que haja condições sanitárias que permitam a celebração e habitual convívio com toda a segurança. 

A Mordomia."


 Armando Mendes,

Presidente da Direção

Liga dos Amigos de Aldeia Velha e Casais

       Associação Regionalista fundada em 15 de Novembro de 1964

                 Aldeia Velha, 3330-072 Colmeal Gois

16 janeiro 2021

O COLMEAL E A HISTÓRIA DO COLMEAL (2º)

(Continuação)

 

2. UMA ABORDAGEM MULTIDIMENSIONAL

Depois da supra e rápida incursão pelas circunstâncias que contextualizam O Colmeal, no mesmo sentido, importa voltar à ideia de carta que subjaz ao projeto. Ao tempo, na falta dos atuais meios eletrónicos, as cartas eram o principal meio de comunicação interpessoal a distância. Todos as conheciam, lidas e escritas pelos próprios ou por “escribas”, familiares, amigos e vizinhos, muitas vezes crianças. Eram esperadas com ansiedade e portadoras de boas e más notícias. Dependendo dos emissores e recetores, podiam ser telegráficas ou autênticos tratados de afeto, orientação espiritual e material, informação e reflexão. Exatamente como O Colmeal! Com a particularidade de, consistindo num órgão da Igreja, ser expetável que a componente religiosa e paroquial fosse dominante. Entende-se por religioso o relacionado com as crenças e as práticas de culto, por paroquial, a atividade de índole cultural, social e assistencial.

 

2.1. REGULARIDADES

No entanto, salvo exceções, nos números de O Colmeal que relemos, o espaço editorial tende para distribuir-se irmãmente entre a dimensão religiosa e a temporal. Esta distribuição é visível logo na primeira página, cuja imagem, quando incluída, pode ser religiosa, mas também de uma pessoa, povoação ou infraestrutura. Dada a pequenez das páginas, frequentemente, os temas nela abordados continuam para outras.

No plano religioso e paroquial, fazem manchete: as celebrações litúrgicas e outros temas de apostolado, catequese, educação e formação religiosa e moral; os anúncios e relatos das festas anuais e excursões, visitas pastorais; a reflexão sobre temas da atualidade devota. Igualmente de cariz religioso e/ou de formação moral e religiosa são as máximas que preenchem a tarjeta horizontal de encerramento da mancha, ao fundo. O número 67 (1966) já não traz esta tarjeta.

No campo secular, sobressaem, na primeira página, as notícias sobre: obras, necessárias, em vias de lançamento ou em curso; inaugurações, homenagens e visitas de figuras públicas; membros prestigiados da comunidade, sobretudo da diáspora, os seus descendentes incluídos.

Excecionalmente, a primeira página pode versar apenas uma das problemáticas. A título de exemplo, temos os números: 6 (Colmeal de ontem e de hoje); 31 (Concílios na História da Igreja); 65 (União e Progresso do Carvalhal e alusão a um cidadão da Malhada); 74-75, cuja primeira página é totalmente dedicada a Cepos.



Nas páginas seguintes, que não raro asseguram a conclusão dos artigos iniciados na primeira, encontra-se sensivelmente a mesma distribuição do espaço, provavelmente com maior peso da vertente secular. Isto porque as rubricas fixas devem ser vistas como paroquiais e laicas. Entende-se por rubricas fixas as que acompanham o boletim ao longo de vários anos. São as seguintes.

- Marco do Correio. Notícias, em geral de natureza pessoal, organizadas pelas diferentes povoações da freguesia/s: idas e vindas, festa anual, casamentos, batizados, falecimentos, doenças, acidentes, melhoramentos … As informações de Cepos aparecem ora inseridas nesta rúbrica, ora autonomizadas, ganhando expressão, sobretudo a partir das colunas Notícias de Cepos, Para Cepos ou De Cepos … Após um período de ausência, o logotipo da rubrica Marco do Correio regressa renovado com o número 55 (1965). A nova versão inclui um poste telefónico, a mostrar a importância entretanto ganha por essa extraordinária ferramenta de comunicação.

- A Vida de O Colmeal. Essencialmente, uma lista dos leitores que pagaram a sua assinatura, com indicação do valor. A assinatura começou por importar em 5$00, mas o pagamento podia e era generalizadamente superior. Em 1982, quando o boletim terminou, a assinatura era de 200$ em Portugal e 300$ no estrangeiro, custando o exemplar avulso 17$50. Mais tarde, a rubrica passou a chamar-se A vida do nosso Jornal, A vida do jornal… Indicando a localidade de residência, estas listas fornecem pistas, por um lado sobre a mobilidade geográfica das pessoas, por outro sobre a distribuição do jornal.

- Sempre Alegres. Uma coluna de entretenimento, constituído por anedotas e adivinhas. O respetivo logotipo, que começou por ser um rosto masculino risonho, foi substituído, no número 67 (1966), por um bobo a fazer o pino, o que sugere referências mais eruditas. No número 92 (1968), a rubrica, que perde espaço, dá pelo nome Tristeza não faz bem e, logo a partir do número seguinte, por Canto para sorrir. O número 117 (1973) repõe a genuinidade inicial, ao fazer regressar os primeiros título e grafismo.




2.2. VARIEDADES

No plano das secções variáveis, a diversidade temática é grande e fazer sínteses pode ser redutor. Ainda assim, arrisca-se a menção: às vidas de santos, assunto que começa a rarear com o número 41 (1962) e praticamente desaparece, em 1965, com o número 50; ao lançamento de campanhas de angariação de fundos e, nos números seguintes, à indicação dos contributos recebidos (ex: Vamos comprar um sino, cuja sequência dá pelo título Badaladas); ao apoio aos pobres; às atividades de culto e paroquiais, especialmente as festas anuais; às contas da igreja; aos mordomos e mordomas; aos conterrâneos ilustres que se distinguiram por alguma razão; aos exames e formaturas; a militares que foram promovidos; a casamentos (novo/s lar/es), batizados (novo/s cristão/s) e falecimentos …

Igualmente continuadas ou não da primeira página, as notícias sobre infraestruturas e serviços básicos essenciais são numerosas, por se referirem a toda a freguesia/s e, não raro, repetirem, em virtude das demoras na execução. Destacam-se: as acessibilidades, como as estradas Rolão-Colmeal, Vale do Ceira, Cepos-Colmeal, mais tarde, Colmeal-localidades; o fornecimento de água, luz e telefone; os serviços médicos, depois, a Casa do Povo; o transporte público … Este é o domínio privilegiado da ação do regionalismo, envolvendo a União Progressiva da Freguesia do Colmeal e as comissões de melhoramentos das diferentes aldeias. Lembra, no presente e para o futuro, que ao regionalismo se ficaram a dever, por ação direta e pressão institucional, a melhoria das condições de vida nas terras e o progresso alcançado.

No campo das infraestruturas paroquiais e civis, há projetos que se prolongam ao longo de anos, demonstrando o abandono a que a região estava votada por parte dos poderes instalados, a persistência dos promotores – a paróquia ou as comissões de melhoramentos - e a generosidade de muitos. Uma generosidade tanto maior, quanto as recolhas de donativos eram várias ao mesmo tempo. Constitui exemplo a residência paroquial, que levou nove anos a ser ofertada e cinco a ser construída, sendo mencionada em cinquenta números do boletim [i]. É neste contexto que encontramos formas de financiamento como a oferta de um ovo por semana (1$00), dias e semanas de trabalho ou dos pregos necessários.

De referir, ainda, as simples frases e pequenas rubricas, de natureza formativa e cultural, que contribuem para tornar o jornal mais diverso e atraente, exercendo, por vezes e do ponto de vista gráfico, a função de fechamento de colunas. Estamos a falar de citações, pensamentos e quadras, e da rubrica Sabia isto? (curiosidades/cultura geral), que mais tarde dará pelos títulos Fique sabendo que, Já sabe que … Pingos de saber, Bagatelas …

A Biblioteca [ii] lê-se praticamente em todos os números dos primeiros anos, para agradecer a oferta de livros. Sobre a leitura em si mesma, diz-se, em fevereiro de 1960 (nº 1), que os leitores têm sido em grande número, mas, em junho de 1962 (nº 28), que continuam a faltar, possivelmente a refletir as consequências do despovoamento paulatino.

Em conformidade com o gosto ancestral pelas rimas, versos e romances da literatura popular, registe-se o facto assinalável de O Colmeal incluir poesia regularmente até ao nº 55 (fevº 1965), quando começa a rarear. Pode entrar espontaneamente ou a propósito de um tema, por exemplo, “Sinos da minha aldeia” na rubrica Badaladas (nº 12, janº 1961) ou umas quadras sobre alminhas num artigo sobre as mesmas (nº 10, novº 1960). Em geral, trata-se de poesia religiosa. Alguns números, porém, trazem os dois géneros, caso dos que inserem trovas sobre as aldeias, assunto a que voltaremos em próxima oportunidade.


 

2.3. ENTRELINHAS

O Colmeal é muito eloquente no que diz, e com base no que não diz e deixa dito nas entrelinhas do seu tecido formativo e noticioso. As observações que se seguem - outras ficando por fazer -, resultam do cruzamento desses três espaços de leitura.

A antecipar um futuro que veio a agravar-se, com reflexos na disparidade dos níveis educativas, O Colmeal fala várias vezes da falta de professores. As dificuldades de colocação eram tão constantes que, em estudo realizado em 1997/98, a mobilidade é apontada tanto por atores que tinham mais de setenta anos, como pelo mais novo, de trinta e oito. Se ainda hoje os professores temem o isolamento do interior, imagine-se, então! Entre outras situações:

Por motivo de falta de professora, encontra-se fechada a escola do Colmeal (…) As crianças terão de ir ao Carvalhal à escola ficando sujeitas aos vários perigos do caminho (…) [iii].

O Carvalhal vê ainda fechadas as portas da sua escola. São 34 crianças e nem o fator quantidade parece ter influência [iv].

Com a recessão demográfica, o problema deixou de colocar-se. As raras crianças resistentes vão à escola na sede do concelho, sendo transportadas diariamente ou ficando nas residências para estudantes, que contribuem para a socialização e o sucesso escolar, mas afastam definitivamente as crianças das aldeias.

Simultânea e implicitamente, o boletim define a docência no ensino básico como atividade essencialmente feminina, nos meios mais isolados e numa época em que as mulheres mal tinham conquistado o direito à profissão. Professores do sexo masculino, somente é homenageado António José Teixeira, que lecionou no Colmeal de 1934 a 1938 [v].

A carência de sacerdotes e a respetiva mobilidade, por sua vez, depreendem-se do facto de, ao longo dos dez anos relidos, terem paroquiado a freguesia, já em regime de acumulação, seis párocos. Presentemente, a paróquia está inserida na Unidade Pastoral de Góis, que abrange o concelho, com exceção para a freguesia de Alvares. O pároco, Pe. Orlando Fernandes, é ainda responsável por quatro paróquias do concelho de Vila Nova de Poiares [vi].

No plano do investimento, apenas se deu conta de uma curta alusão aos trabalhos de terraplanagem para a instalação da Quinta das Águias (nº 5, junho 1960). Aliás, de modo geral, a dimensão profissional e económica está ausente, a não ser estando permanentemente implícita, através da diáspora. Isto, apesar de artigos como Método de Trabalho (nº 32, novº. 1962) e O Trabalho dignifica (nº 48, julho 1964), e da publicitação do Guia do Marceneiro (nº 14 e seguintes, 1961). Ou de frases simples, como: As sementeiras processam-se a bom ritmo; As vindimas ficaram muito aquém do desejado [vii]. Dá que pensar, conhecendo a micro propriedade em presença e a escassa fertilidade do solo!

Diretamente, também as crianças estão ausentes, com exceção para o número 37 (1963), que inclui O Sol, um conto (de cariz moral) para os mais novitos. Indiretamente estão-no nas menções à catequese, à primeira comunhão, à escola ou em textos como A Educação Religiosa das Crianças ou A Família e a Educação dos Filhos [viii]. Passando os olhos por exemplares dos anos setenta, pareceu-nos que virão a ter uma maior e devida visibilidade.

Nos referidos cem números, o boletim mantém-se em linha com as posições oficiais da Igreja católica, permanecendo afastado dos movimentos progressistas que precederam e deram continuidade ao Concílio Vaticano II. Por exemplo, que tenhamos percebido, não se encontra qualquer referência ao contrassenso da guerra colonial, não obstante os colmealenses e cepenses que para ela se viram recrutados, conforme informação do próprio. A seu tempo, este alinhamento evoluirá para uma postura mais crítica e interventiva.

Embora as imagens não sejam as mais legíveis, n’O Colmeal encontra-se notícia de património construído e infraestruturas que já não existem. É o caso da antiga ponte sobre o rio Ceira (nº 60 e 63, 1965), de tetos em colmo em Aldeia Velha (nº 101, 1969) ou das alminhas situadas junto da igreja e construídas há pouco no local onde antigamente se erguiam outras [ix]. De modo muito atual, já no número 10 (1960) se perguntava: Porque não se restauram todas as Alminhas, “esses padrões de Portugal cristão“?

 


A terminar esta apresentação sucinta de O Colmeal, diríamos que o mesmo consubstancia uma abordagem multidimensional, a saber: formativo-cultural, informativa e gradualmente interventiva. Formativo-cultural, materializada nos conteúdos de apostolado e formação integral (religiosa, pessoal, moral, cultural, recreativa e, crescentemente, cívica); informativa, sobre as pessoas, a atividade paroquial e as dinâmicas especialmente do regionalismo; gradualmente interventiva, porque se vai tornando mais ativo na identificação das necessidades e respostas viáveis. Com as limitações inerentes ao tempo e à dupla dualidade do espaço em que atua e de que dispõe.

 

Lisete de Matos

Açor, Colmeal, novembro de 2020

(Continua)


[i] O projeto foi lançado em 1960 (nº 17), a construção iniciada em 1964, dizendo-se, em novembro de 1969 (nº 100), que está em fase de acabamentos.

[ii] Inaugurada em 16 de novembro de 1959, com o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento moral, espiritual ou intelectual dos leitores.

[iii] “Escola”, O Colmeal, nº 63, novembro de 1965.

[iv] “Pela nossa Terra”, O Colmeal, nº 100, novembro de 1969.

[v] “Figuras que o Colmeal conheceu. Prof. António José Teixeira”, O colmeal nº 98, julho de 1969.

[vi] “Unidade Pastoral de Góis já tem novo Pároco”, O Varzeense, nº 773, setembro de 2020.

[vii]Pela nossa Terra”, O Colmeal, nº 97, maio de 1969 e nº 100, novembro de 1969.

[viii] O Colmeal, nº 40, outubro de 1963 e nº 83, julho de 1967.

[ix] “Alminhas”, O Colmeal, nº 20, setembro de 1961. 


09 janeiro 2021

O COLMEAL E A HISTÓRIA DO COLMEAL (1º)

 

Nota prévia

São dias inusitados e tristes os que vivemos. Pelo sofrimento e a tragédia das vidas perdidas, pela dependência e fragilidade em que estamos, numa afronta impensável à arrogância convencida em que vivíamos. Dias, igualmente, de generosidade e entrega, de solidariedade e altruísmo, que agradecemos a todos os que prestam auxílio às vítimas de doença e da crise generalizada em que mergulhámos. Para tanta dádiva de uns e gratidão de outros, não há palavras.

Nesta situação de tempo que conta tanto mais quanto começa a (des)contar, por razões que os especialistas saberão explicar, dei comigo a rever leituras antigas, entre elas a dos primeiros cem números de O Colmeal. Embora por alguns, nomeadamente seguintes, apenas tenha passado os olhos, foi uma leitura muito interessante, simultaneamente aprazível, penosa e pensativa, por estar em questão a narrativa essencial da freguesia, cruzada com as da região, do país e do mundo.

Funda esta convicção o facto de a história antiga constar de artigos e de a moderna transparecer, explícita e implicitamente, das problemáticas e temas que são (ou não) abordados. Embora as caraterísticas geográficas e as dinâmicas sociais sejam anteriores, os longínquos anos sessenta e setenta do século passado, a que o boletim se reporta, foram decisivos para a atualidade do território, em termos infraestruturais, demográficos, sociais, económicos e, mesmo, religiosos. Um desfecho recente foi a fusão com a limítrofe freguesia do Cadafaz, dando lugar à União de Freguesias de Cadafaz e Colmeal. De um outro ponto de vista ou na outra face da moeda, os mesmos anos que foram determinantes para o sucesso e a mobilidade social ascendente dos muitos conterrâneos e seus descendentes que, por toda a parte, ajudaram e ajudam a construir o desenvolvimento e as condições de vida a que os seus ascendentes ou eles próprios aspiravam.

Estes apontamentos são o produto da reflexão que a dita leitura me suscitou. Publico-os com o objetivo de contribuir para a valorização e a divulgação de um projeto e acervo documental que plasma a história da freguesia do Colmeal, em parte, também da de Cepos.

São apontamentos sobre O Colmeal enquanto testemunho e referem-se aos primeiros cem números e ao período 1960-1969. O recurso a números e conteúdos posteriores visa somente antecipar possíveis contornos do boletim, a caminho e na senda das mudanças socioculturais e políticas, entretanto ocorridas. Neles, depois de contextualizar o jornal e de o apresentar na dualidade religioso-secular que o informa, apontam-se tendências de evolução no campo da população-alvo e das matérias que contempla. Termina-se sustentando o seu papel como espaço de visibilidade e protagonismo, ferramenta cultural e fator de identidade e coesão social. Nem o próprio jornal sendo exaustivo, muito fica por dizer, a configurar desafio para outras leituras.

Preservar a memória individual e coletiva nunca será de mais, para que a palavra e a ação dos homens e mulheres tenha futuro. Repetindo-me, recordo uma vez mais o ensaísta Jorge de Sena, quando assinalava o risco de alguns permanecerem os insignificantes da história, enquanto outros se guindam ao estatuto de insignes ficantes [i].

 

1. CONTEXTO

  


 O boletim paroquial O Colmeal nasceu em 15 de fevereiro de 1960, por iniciativa do Pe. Fernando Rodrigues Ribeiro. Sempre que o pároco era o mesmo, o boletim englobava a freguesia de Cepos, hoje União de Freguesias de Cepos e Teixeira.

No que respeita à forma, que oportunamente foi objeto de tratamento minucioso [ii], O Colmeal é um caderno de 27X19 cm, com quatro páginas que, esporadicamente, passam a seis, oito, doze … A periodicidade começou por ser mensal, variando mais tarde em função de dificuldades ocasionais ou por decisão fundamentada. Deixou de publicar-se em agosto de 1982, depois de a despedida do então diretor fazer manchete no número 187, e de se informar que O Colmeal ia ter férias [iii].

Segundo o fundador, lembrando a existência de colmealenses, especialmente nesse grande mundo que é a cidade de Lisboa:

A finalidade é levar a todos, aos de longe e aos de perto um pouco de auxílio moral e espiritual, embora possamos dizer que foi o pensamento na colónia do Colmeal em Lisboa que nos levou mais facilmente a esta estranha aventura” (…). Com esta folha que acaba de nascer queremos nós pôr-nos mais em contacto com todos. Ela será afinal uma carta escrita para toda a família colmealense”.

  


O Arcebispo-Bispo de Coimbra, D. Ernesto Sena de Oliveira, autorizou e abençoou o jornal, pedindo que fosse em tudo eco da Voz do Evangelho [iv].

Embora o auxílio moral e espiritual possa assumir múltiplas formas, sendo sempre um eco do evangelho, aqueles dois enunciados remetem para preocupações algo distintas. Enquanto o fundador do boletim enfatiza a população-alvo e a vertente secular inerente ao conceito de carta, o Arcebispo-Bispo realça a mensagem e, nessa medida, a vertente religiosa e apostólica. A dualidade religioso-secular acompanhará a formulação dos objetivos do jornal ao longo do tempo [v], influenciando o peso dos diferentes conteúdos.

De qualquer modo, atendendo à época, diríamos que tanto o pároco como o prelado inscrevem o boletim num registo migratório e numa estratégia de recurso à imprensa como reforço e meio de evangelização privilegiado, para fazer face às mudanças sociais e aos processos de intensa secularização em curso. A medida remonta a Leão XIII [vi] e deu origem a uma panóplia de publicações, nacionais, regionais e locais [vii]. Apenas o Pe. Fernando - um jovem sacerdote -, o faz antecipando orientações que viriam a sair do Concílio Vaticano II, correspondendo a preocupações pré-existentes no seio da Igreja católica. O concílio teve lugar em inícios de 1962 e o decreto [viii] sobre as comunicações, em 1966. O próprio boletim menciona vários órgãos de comunicação congéneres, entre eles O Varzeense, ainda ativo, que o Pe. Fernando fundou, em Vila Nova do Ceira, depois de sair do Colmeal. A semelhança temática entre alguns leva-nos a pensar que existiria um guião para a elaboração destes jornais.

O acréscimo das migrações, por sua vez, vem potenciar o papel evangelizador da imprensa, para contrabalançar as consequências da mobilidade geográfica e social, no plano dos valores, crenças e práticas, designadamente religiosas. Nas palavras de D. José Policarpo:

(…) a curto e médio prazo, a mudança significa uma nova maneira de viver, de trabalhar, de pensar, de sentir, de entender o passado e o futuro, de ordenar os valores e as prioridades, de dar sentido à vida e à morte, ao casamento e à família, ao tempo e à natureza, a Deus e à religião. (…) [ix]

Nos anos de sessenta a oitenta, o fluxo (e)migratório foi muito elevado, devido a terem-se agravado as condições de pobreza, falta de trabalho e autoritarismo que explicam e continuam a alimentar o êxodo de populações. Perante o mesmo, a Igreja só podia reforçar a sua ação. A título informativo, refira-se a celebração do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado desde 1914 e, entre nós, a criação da Obra Católica Portuguesa de Migrações precisamente em 1962.

Fazendo uma rápida retrospetiva da evolução demográfica na freguesia do Colmeal, verifica-se que perdeu, na década de trinta, 7,8% da sua população, na de quarenta, 16,6%, na de cinquenta, 15,1% e, na de sessenta, 62,2% (quinhentos e noventa e três indivíduos). Confirma-se que a (e)migração se acentuou a partir da década de quarenta, estabilizando na de cinquenta, para atingir o seu auge na de sessenta, a acompanhar as tendências nacionais. Porém, contrariamente à relativa estabilidade que teve lugar no país, na década de oitenta, a freguesia continuou a perder população (-34,3%) [x], tal como o concelho e toda a zona do Pinhal Interior Norte. Contribuíram para o agravamento da desertificação humana a paragem do retorno, o envelhecimento da população, a quebra na taxa de natalidade, a estagnação económica e, sempre, as dificuldades de acesso [xi].



Lisete de Matos

Açor, Colmeal, novembro de 2020



[i] Jorge Sena, “Diário Popular”, 1 de junho de 1978.

[ii] Henrique Miguel Mendes, “Recordar O Colmeal”, http//upfc-colmeal-gois.blogspot.pt, 8 de março de 2008. Sequência: 11 e 29 de março de 2008; 6 e 16 de maio de 2008; 4 de junho de 2008; 16 de julho de 2008; 22 de agosto de 2008. A existirem outros artigos, não os localizámos.

[iii] “Na hora do adeus”, O Colmeal, nº 187, agosto de 1982.

[iv] “Porquê, para quê e quando?”, O Colmeal, nº 1, fevereiro de 1960.

[v] A formulação de objetivos mais global que encontrámos é a da manchete “Mais um Ano”, O Colmeal, nº 24, de 1962. Sob o lema servir, referem-se a pátria e a freguesia, os paroquianos ausentes e os presentes e, quanto ao conteúdo, as notícias, o apoio anímico e o caminho do céu, levando a todos a mensagem salvífica de Deus.

[vi] Carta, 25 de janeiro de 1882. Mas o L’Osservatore Romano, um dos mais antigos jornais do mundo, é de 1861 e, já agora, a Rádio Vaticano, de 1929.

[vii] Entre elas, o Novidades, fundado em 1885.

[viii] Inter-Mirífica, 4 de dezembro de 1966, na sequência do qual a Igreja instituirá o Dia Mundial das Comunicações Sociais (domingo antes do Pentecostes).

[ix] D. José Policarpo, “A religião”, Portugal Hoje, INA, Lisboa, 1995, p.81.

[x] Na década de setenta, deu-se um crescimento de 38,5%, mercê do regresso às aldeias de migrantes internos e de alguns emigrantes.

[xi] Lisete Paula de Almeida de Matos, Gente da Serra: Modos de Vida entre a Cidade e a Aldeia. Lisboa, FCSH/Universidade Nova, 2000.