(Continuação)
2. UMA
ABORDAGEM MULTIDIMENSIONAL
Depois da supra e rápida incursão pelas
circunstâncias que contextualizam O
Colmeal, no mesmo sentido, importa voltar à ideia de carta que subjaz ao projeto. Ao tempo, na falta dos atuais meios
eletrónicos, as cartas eram o principal meio de comunicação interpessoal a
distância. Todos as conheciam, lidas e escritas pelos próprios ou por
“escribas”, familiares, amigos e vizinhos, muitas vezes crianças. Eram
esperadas com ansiedade e portadoras de boas e más notícias. Dependendo dos
emissores e recetores, podiam ser telegráficas ou autênticos tratados de afeto,
orientação espiritual e material, informação e reflexão. Exatamente como O Colmeal! Com a particularidade de, consistindo
num órgão da Igreja, ser expetável que a componente religiosa e paroquial fosse
dominante. Entende-se por religioso o relacionado com as crenças e as práticas
de culto, por paroquial, a atividade de índole cultural, social e assistencial.
2.1. REGULARIDADES
No entanto, salvo exceções, nos números de O Colmeal que relemos, o espaço
editorial tende para distribuir-se irmãmente entre a dimensão religiosa e a
temporal. Esta distribuição é visível logo na primeira página, cuja imagem,
quando incluída, pode ser religiosa, mas também de uma pessoa, povoação ou
infraestrutura. Dada a pequenez das páginas, frequentemente, os temas nela abordados
continuam para outras.
No plano religioso e paroquial, fazem
manchete: as celebrações litúrgicas e outros temas de apostolado, catequese, educação
e formação religiosa e moral; os anúncios e relatos das festas anuais e
excursões, visitas pastorais; a reflexão sobre temas da atualidade devota.
Igualmente de cariz religioso e/ou de formação moral e religiosa são as máximas
que preenchem a tarjeta horizontal de encerramento da mancha, ao fundo. O
número 67 (1966) já não traz esta tarjeta.
No campo secular, sobressaem, na primeira página, as notícias sobre: obras,
necessárias, em vias de lançamento ou em curso; inaugurações, homenagens e
visitas de figuras públicas; membros prestigiados da comunidade, sobretudo da
diáspora, os seus descendentes incluídos.
Excecionalmente, a primeira página pode versar
apenas uma das problemáticas. A título de exemplo, temos os números: 6 (Colmeal de ontem e de hoje); 31 (Concílios na História da Igreja); 65 (União e Progresso do Carvalhal e alusão
a um cidadão da Malhada); 74-75, cuja primeira página é totalmente dedicada a
Cepos.
Nas páginas seguintes, que não raro asseguram a conclusão dos artigos iniciados na primeira, encontra-se sensivelmente a mesma distribuição do espaço, provavelmente com maior peso da vertente secular. Isto porque as rubricas fixas devem ser vistas como paroquiais e laicas. Entende-se por rubricas fixas as que acompanham o boletim ao longo de vários anos. São as seguintes.
- Marco
do Correio. Notícias, em geral de natureza pessoal, organizadas pelas
diferentes povoações da freguesia/s: idas e vindas, festa anual, casamentos,
batizados, falecimentos, doenças, acidentes, melhoramentos … As informações de
Cepos aparecem ora inseridas nesta rúbrica, ora autonomizadas, ganhando
expressão, sobretudo a partir das colunas Notícias
de Cepos, Para Cepos ou De Cepos … Após um período de ausência,
o logotipo da rubrica Marco do Correio
regressa renovado com o número 55 (1965). A nova versão inclui um poste
telefónico, a mostrar a importância entretanto ganha por essa extraordinária ferramenta
de comunicação.
- A Vida
de O Colmeal. Essencialmente, uma
lista dos leitores que pagaram a sua assinatura, com indicação do valor. A
assinatura começou por importar em 5$00, mas o pagamento podia e era
generalizadamente superior. Em 1982, quando o boletim terminou, a assinatura
era de 200$ em Portugal e 300$ no estrangeiro, custando o exemplar avulso
17$50. Mais tarde, a rubrica passou a chamar-se A vida do nosso Jornal, A
vida do jornal… Indicando a localidade de residência, estas listas fornecem
pistas, por um lado sobre a mobilidade geográfica das pessoas, por outro sobre
a distribuição do jornal.
- Sempre
Alegres. Uma coluna de entretenimento, constituído por anedotas e
adivinhas. O respetivo logotipo, que começou por ser um rosto masculino
risonho, foi substituído, no número 67 (1966), por um bobo a fazer o pino, o
que sugere referências mais eruditas. No número 92 (1968), a rubrica, que perde
espaço, dá pelo nome Tristeza não faz bem
e, logo a partir do número seguinte, por Canto
para sorrir. O número 117 (1973) repõe a genuinidade inicial, ao fazer
regressar os primeiros título e grafismo.
2.2. VARIEDADES
No plano das secções variáveis, a diversidade
temática é grande e fazer sínteses pode ser redutor. Ainda assim, arrisca-se a
menção: às vidas de santos, assunto que começa a rarear com o número 41 (1962)
e praticamente desaparece, em 1965, com o número 50; ao lançamento de campanhas
de angariação de fundos e, nos números seguintes, à indicação dos contributos
recebidos (ex: Vamos comprar um sino,
cuja sequência dá pelo título Badaladas);
ao apoio aos pobres; às atividades de culto e paroquiais, especialmente as
festas anuais; às contas da igreja; aos mordomos e mordomas; aos conterrâneos
ilustres que se distinguiram por alguma razão; aos exames e formaturas; a
militares que foram promovidos; a casamentos (novo/s lar/es), batizados (novo/s
cristão/s) e falecimentos …
Igualmente continuadas ou não da primeira
página, as notícias sobre infraestruturas e serviços básicos essenciais são
numerosas, por se referirem a toda a freguesia/s e, não raro, repetirem, em
virtude das demoras na execução. Destacam-se: as acessibilidades, como as
estradas Rolão-Colmeal, Vale do Ceira, Cepos-Colmeal, mais tarde,
Colmeal-localidades; o fornecimento de água, luz e telefone; os serviços
médicos, depois, a Casa do Povo; o transporte público … Este é o domínio
privilegiado da ação do regionalismo,
envolvendo a União Progressiva da Freguesia do Colmeal e as comissões de
melhoramentos das diferentes aldeias. Lembra, no presente e para o futuro, que
ao regionalismo se ficaram a dever,
por ação direta e pressão institucional, a melhoria das condições de vida nas
terras e o progresso alcançado.
No campo das infraestruturas
paroquiais e civis, há projetos que se prolongam ao longo de anos, demonstrando
o abandono a que a região estava votada por parte dos poderes instalados, a
persistência dos promotores – a paróquia ou as comissões de melhoramentos - e a
generosidade de muitos. Uma generosidade tanto maior, quanto as recolhas de
donativos eram várias ao mesmo tempo. Constitui exemplo a residência paroquial,
que levou nove anos a ser ofertada e cinco a ser construída, sendo mencionada
em cinquenta números do boletim [i]. É neste
contexto que encontramos formas de financiamento como a oferta de um ovo por
semana (1$00), dias e semanas de trabalho ou dos pregos necessários.
De referir, ainda, as simples frases e
pequenas rubricas, de natureza formativa e cultural, que contribuem para tornar
o jornal mais diverso e atraente, exercendo, por vezes e do ponto de vista
gráfico, a função de fechamento de colunas. Estamos a falar de citações,
pensamentos e quadras, e da rubrica Sabia
isto? (curiosidades/cultura geral), que mais tarde dará pelos títulos Fique sabendo que, Já sabe que … Pingos de
saber, Bagatelas …
A Biblioteca
[ii]
lê-se praticamente em todos os números dos primeiros anos, para agradecer a
oferta de livros. Sobre a leitura em si mesma, diz-se, em fevereiro de 1960 (nº
1), que os leitores têm sido em grande número, mas, em junho de 1962 (nº 28),
que continuam a faltar, possivelmente a refletir as consequências do despovoamento
paulatino.
Em conformidade com o gosto ancestral pelas
rimas, versos e romances da literatura popular, registe-se o facto assinalável
de O Colmeal incluir poesia
regularmente até ao nº 55 (fevº 1965), quando começa a rarear. Pode entrar
espontaneamente ou a propósito de um tema, por exemplo, “Sinos da minha aldeia”
na rubrica Badaladas (nº 12, janº
1961) ou umas quadras sobre alminhas num artigo sobre as mesmas (nº 10, novº
1960). Em geral, trata-se de poesia religiosa. Alguns números, porém, trazem os
dois géneros, caso dos que inserem trovas sobre as aldeias, assunto a que voltaremos
em próxima oportunidade.
2.3. ENTRELINHAS
O Colmeal é muito eloquente no que diz, e com base no
que não diz e deixa dito nas entrelinhas do seu tecido formativo e noticioso.
As observações que se seguem - outras ficando por fazer -, resultam do
cruzamento desses três espaços de leitura.
A antecipar um futuro que veio a agravar-se,
com reflexos na disparidade dos níveis educativas, O Colmeal fala várias vezes da falta de professores. As
dificuldades de colocação eram tão constantes que, em estudo realizado em 1997/98,
a mobilidade é apontada tanto por atores que tinham mais de setenta anos, como
pelo mais novo, de trinta e oito. Se ainda hoje os professores temem o
isolamento do interior, imagine-se, então! Entre outras situações:
Por
motivo de falta de professora, encontra-se fechada a escola do Colmeal (…) As
crianças terão de ir ao Carvalhal à escola ficando sujeitas aos vários perigos
do caminho (…) [iii].
O
Carvalhal vê ainda fechadas as portas da sua escola. São 34 crianças e nem o
fator quantidade parece ter influência
[iv].
Com a recessão demográfica, o problema deixou
de colocar-se. As raras crianças resistentes vão à escola na sede do concelho,
sendo transportadas diariamente ou ficando nas residências para estudantes, que
contribuem para a socialização e o sucesso escolar, mas afastam definitivamente
as crianças das aldeias.
Simultânea e implicitamente, o boletim define
a docência no ensino básico como atividade essencialmente feminina, nos meios
mais isolados e numa época em que as mulheres mal tinham conquistado o direito
à profissão. Professores do sexo masculino, somente é homenageado António José
Teixeira, que lecionou no Colmeal de 1934 a 1938 [v].
A carência de sacerdotes e a respetiva
mobilidade, por sua vez, depreendem-se do facto de, ao longo dos dez anos relidos,
terem paroquiado a freguesia, já em regime de acumulação, seis párocos. Presentemente,
a paróquia está inserida na Unidade Pastoral de Góis, que abrange o concelho,
com exceção para a freguesia de Alvares. O pároco, Pe. Orlando Fernandes, é
ainda responsável por quatro paróquias do concelho de Vila Nova de Poiares [vi].
No plano do investimento, apenas se deu conta
de uma curta alusão aos trabalhos de terraplanagem para a instalação da Quinta
das Águias (nº 5, junho 1960). Aliás, de modo geral, a dimensão profissional e
económica está ausente, a não ser estando permanentemente implícita, através da
diáspora. Isto, apesar de artigos como Método
de Trabalho (nº 32, novº. 1962) e O
Trabalho dignifica (nº 48, julho 1964), e da publicitação do Guia do Marceneiro (nº 14 e seguintes, 1961).
Ou de frases simples, como: As sementeiras
processam-se a bom ritmo; As vindimas ficaram muito aquém do desejado [vii].
Dá que pensar, conhecendo a micro propriedade em presença e a escassa
fertilidade do solo!
Diretamente, também as crianças estão
ausentes, com exceção para o número 37 (1963), que inclui O Sol, um conto (de cariz
moral) para os mais novitos.
Indiretamente estão-no nas menções à catequese, à primeira comunhão, à escola
ou em textos como A Educação Religiosa
das Crianças ou A Família e a
Educação dos Filhos [viii]. Passando
os olhos por exemplares dos anos setenta, pareceu-nos que virão a ter uma maior
e devida visibilidade.
Nos referidos cem números, o boletim mantém-se
em linha com as posições oficiais da Igreja católica, permanecendo afastado dos
movimentos progressistas que precederam e deram continuidade ao Concílio
Vaticano II. Por exemplo, que tenhamos percebido, não se encontra qualquer
referência ao contrassenso da guerra colonial, não obstante os colmealenses e
cepenses que para ela se viram recrutados, conforme informação do próprio. A
seu tempo, este alinhamento evoluirá para uma postura mais crítica e
interventiva.
Embora as imagens não sejam as mais legíveis,
n’O Colmeal encontra-se notícia de património
construído e infraestruturas que já não existem. É o caso da antiga ponte sobre
o rio Ceira (nº 60 e 63, 1965), de tetos em colmo em Aldeia Velha (nº 101,
1969) ou das alminhas situadas junto da
igreja e construídas há pouco no local onde antigamente se erguiam outras [ix]. De
modo muito atual, já no número 10 (1960) se perguntava: Porque não se restauram todas as Alminhas, “esses padrões de Portugal
cristão“?
A terminar esta apresentação sucinta de O Colmeal, diríamos que o mesmo consubstancia uma abordagem multidimensional, a saber: formativo-cultural, informativa e gradualmente interventiva. Formativo-cultural, materializada nos conteúdos de apostolado e formação integral (religiosa, pessoal, moral, cultural, recreativa e, crescentemente, cívica); informativa, sobre as pessoas, a atividade paroquial e as dinâmicas especialmente do regionalismo; gradualmente interventiva, porque se vai tornando mais ativo na identificação das necessidades e respostas viáveis. Com as limitações inerentes ao tempo e à dupla dualidade do espaço em que atua e de que dispõe.
Lisete de Matos
Açor, Colmeal, novembro de 2020
[i] O projeto foi lançado em 1960 (nº 17),
a construção iniciada em 1964, dizendo-se, em novembro de 1969 (nº 100), que
está em fase de acabamentos.
[ii] Inaugurada em 16 de novembro
de 1959, com o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento moral, espiritual
ou intelectual dos leitores.
[iii] “Escola”, O
Colmeal, nº 63, novembro de 1965.
[iv] “Pela nossa Terra”, O Colmeal, nº 100, novembro de
1969.
[v] “Figuras que o Colmeal conheceu. Prof. António José
Teixeira”, O colmeal nº 98, julho de
1969.
[vi] “Unidade Pastoral de Góis já tem novo Pároco”, O Varzeense, nº 773, setembro de 2020.
[vii] “Pela nossa Terra”, O Colmeal, nº 97, maio de 1969 e nº 100,
novembro de 1969.
[viii] O Colmeal,
nº 40, outubro de 1963 e nº 83, julho de 1967.
[ix] “Alminhas”, O Colmeal, nº 20, setembro de 1961.
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