16 janeiro 2021

O COLMEAL E A HISTÓRIA DO COLMEAL (2º)

(Continuação)

 

2. UMA ABORDAGEM MULTIDIMENSIONAL

Depois da supra e rápida incursão pelas circunstâncias que contextualizam O Colmeal, no mesmo sentido, importa voltar à ideia de carta que subjaz ao projeto. Ao tempo, na falta dos atuais meios eletrónicos, as cartas eram o principal meio de comunicação interpessoal a distância. Todos as conheciam, lidas e escritas pelos próprios ou por “escribas”, familiares, amigos e vizinhos, muitas vezes crianças. Eram esperadas com ansiedade e portadoras de boas e más notícias. Dependendo dos emissores e recetores, podiam ser telegráficas ou autênticos tratados de afeto, orientação espiritual e material, informação e reflexão. Exatamente como O Colmeal! Com a particularidade de, consistindo num órgão da Igreja, ser expetável que a componente religiosa e paroquial fosse dominante. Entende-se por religioso o relacionado com as crenças e as práticas de culto, por paroquial, a atividade de índole cultural, social e assistencial.

 

2.1. REGULARIDADES

No entanto, salvo exceções, nos números de O Colmeal que relemos, o espaço editorial tende para distribuir-se irmãmente entre a dimensão religiosa e a temporal. Esta distribuição é visível logo na primeira página, cuja imagem, quando incluída, pode ser religiosa, mas também de uma pessoa, povoação ou infraestrutura. Dada a pequenez das páginas, frequentemente, os temas nela abordados continuam para outras.

No plano religioso e paroquial, fazem manchete: as celebrações litúrgicas e outros temas de apostolado, catequese, educação e formação religiosa e moral; os anúncios e relatos das festas anuais e excursões, visitas pastorais; a reflexão sobre temas da atualidade devota. Igualmente de cariz religioso e/ou de formação moral e religiosa são as máximas que preenchem a tarjeta horizontal de encerramento da mancha, ao fundo. O número 67 (1966) já não traz esta tarjeta.

No campo secular, sobressaem, na primeira página, as notícias sobre: obras, necessárias, em vias de lançamento ou em curso; inaugurações, homenagens e visitas de figuras públicas; membros prestigiados da comunidade, sobretudo da diáspora, os seus descendentes incluídos.

Excecionalmente, a primeira página pode versar apenas uma das problemáticas. A título de exemplo, temos os números: 6 (Colmeal de ontem e de hoje); 31 (Concílios na História da Igreja); 65 (União e Progresso do Carvalhal e alusão a um cidadão da Malhada); 74-75, cuja primeira página é totalmente dedicada a Cepos.



Nas páginas seguintes, que não raro asseguram a conclusão dos artigos iniciados na primeira, encontra-se sensivelmente a mesma distribuição do espaço, provavelmente com maior peso da vertente secular. Isto porque as rubricas fixas devem ser vistas como paroquiais e laicas. Entende-se por rubricas fixas as que acompanham o boletim ao longo de vários anos. São as seguintes.

- Marco do Correio. Notícias, em geral de natureza pessoal, organizadas pelas diferentes povoações da freguesia/s: idas e vindas, festa anual, casamentos, batizados, falecimentos, doenças, acidentes, melhoramentos … As informações de Cepos aparecem ora inseridas nesta rúbrica, ora autonomizadas, ganhando expressão, sobretudo a partir das colunas Notícias de Cepos, Para Cepos ou De Cepos … Após um período de ausência, o logotipo da rubrica Marco do Correio regressa renovado com o número 55 (1965). A nova versão inclui um poste telefónico, a mostrar a importância entretanto ganha por essa extraordinária ferramenta de comunicação.

- A Vida de O Colmeal. Essencialmente, uma lista dos leitores que pagaram a sua assinatura, com indicação do valor. A assinatura começou por importar em 5$00, mas o pagamento podia e era generalizadamente superior. Em 1982, quando o boletim terminou, a assinatura era de 200$ em Portugal e 300$ no estrangeiro, custando o exemplar avulso 17$50. Mais tarde, a rubrica passou a chamar-se A vida do nosso Jornal, A vida do jornal… Indicando a localidade de residência, estas listas fornecem pistas, por um lado sobre a mobilidade geográfica das pessoas, por outro sobre a distribuição do jornal.

- Sempre Alegres. Uma coluna de entretenimento, constituído por anedotas e adivinhas. O respetivo logotipo, que começou por ser um rosto masculino risonho, foi substituído, no número 67 (1966), por um bobo a fazer o pino, o que sugere referências mais eruditas. No número 92 (1968), a rubrica, que perde espaço, dá pelo nome Tristeza não faz bem e, logo a partir do número seguinte, por Canto para sorrir. O número 117 (1973) repõe a genuinidade inicial, ao fazer regressar os primeiros título e grafismo.




2.2. VARIEDADES

No plano das secções variáveis, a diversidade temática é grande e fazer sínteses pode ser redutor. Ainda assim, arrisca-se a menção: às vidas de santos, assunto que começa a rarear com o número 41 (1962) e praticamente desaparece, em 1965, com o número 50; ao lançamento de campanhas de angariação de fundos e, nos números seguintes, à indicação dos contributos recebidos (ex: Vamos comprar um sino, cuja sequência dá pelo título Badaladas); ao apoio aos pobres; às atividades de culto e paroquiais, especialmente as festas anuais; às contas da igreja; aos mordomos e mordomas; aos conterrâneos ilustres que se distinguiram por alguma razão; aos exames e formaturas; a militares que foram promovidos; a casamentos (novo/s lar/es), batizados (novo/s cristão/s) e falecimentos …

Igualmente continuadas ou não da primeira página, as notícias sobre infraestruturas e serviços básicos essenciais são numerosas, por se referirem a toda a freguesia/s e, não raro, repetirem, em virtude das demoras na execução. Destacam-se: as acessibilidades, como as estradas Rolão-Colmeal, Vale do Ceira, Cepos-Colmeal, mais tarde, Colmeal-localidades; o fornecimento de água, luz e telefone; os serviços médicos, depois, a Casa do Povo; o transporte público … Este é o domínio privilegiado da ação do regionalismo, envolvendo a União Progressiva da Freguesia do Colmeal e as comissões de melhoramentos das diferentes aldeias. Lembra, no presente e para o futuro, que ao regionalismo se ficaram a dever, por ação direta e pressão institucional, a melhoria das condições de vida nas terras e o progresso alcançado.

No campo das infraestruturas paroquiais e civis, há projetos que se prolongam ao longo de anos, demonstrando o abandono a que a região estava votada por parte dos poderes instalados, a persistência dos promotores – a paróquia ou as comissões de melhoramentos - e a generosidade de muitos. Uma generosidade tanto maior, quanto as recolhas de donativos eram várias ao mesmo tempo. Constitui exemplo a residência paroquial, que levou nove anos a ser ofertada e cinco a ser construída, sendo mencionada em cinquenta números do boletim [i]. É neste contexto que encontramos formas de financiamento como a oferta de um ovo por semana (1$00), dias e semanas de trabalho ou dos pregos necessários.

De referir, ainda, as simples frases e pequenas rubricas, de natureza formativa e cultural, que contribuem para tornar o jornal mais diverso e atraente, exercendo, por vezes e do ponto de vista gráfico, a função de fechamento de colunas. Estamos a falar de citações, pensamentos e quadras, e da rubrica Sabia isto? (curiosidades/cultura geral), que mais tarde dará pelos títulos Fique sabendo que, Já sabe que … Pingos de saber, Bagatelas …

A Biblioteca [ii] lê-se praticamente em todos os números dos primeiros anos, para agradecer a oferta de livros. Sobre a leitura em si mesma, diz-se, em fevereiro de 1960 (nº 1), que os leitores têm sido em grande número, mas, em junho de 1962 (nº 28), que continuam a faltar, possivelmente a refletir as consequências do despovoamento paulatino.

Em conformidade com o gosto ancestral pelas rimas, versos e romances da literatura popular, registe-se o facto assinalável de O Colmeal incluir poesia regularmente até ao nº 55 (fevº 1965), quando começa a rarear. Pode entrar espontaneamente ou a propósito de um tema, por exemplo, “Sinos da minha aldeia” na rubrica Badaladas (nº 12, janº 1961) ou umas quadras sobre alminhas num artigo sobre as mesmas (nº 10, novº 1960). Em geral, trata-se de poesia religiosa. Alguns números, porém, trazem os dois géneros, caso dos que inserem trovas sobre as aldeias, assunto a que voltaremos em próxima oportunidade.


 

2.3. ENTRELINHAS

O Colmeal é muito eloquente no que diz, e com base no que não diz e deixa dito nas entrelinhas do seu tecido formativo e noticioso. As observações que se seguem - outras ficando por fazer -, resultam do cruzamento desses três espaços de leitura.

A antecipar um futuro que veio a agravar-se, com reflexos na disparidade dos níveis educativas, O Colmeal fala várias vezes da falta de professores. As dificuldades de colocação eram tão constantes que, em estudo realizado em 1997/98, a mobilidade é apontada tanto por atores que tinham mais de setenta anos, como pelo mais novo, de trinta e oito. Se ainda hoje os professores temem o isolamento do interior, imagine-se, então! Entre outras situações:

Por motivo de falta de professora, encontra-se fechada a escola do Colmeal (…) As crianças terão de ir ao Carvalhal à escola ficando sujeitas aos vários perigos do caminho (…) [iii].

O Carvalhal vê ainda fechadas as portas da sua escola. São 34 crianças e nem o fator quantidade parece ter influência [iv].

Com a recessão demográfica, o problema deixou de colocar-se. As raras crianças resistentes vão à escola na sede do concelho, sendo transportadas diariamente ou ficando nas residências para estudantes, que contribuem para a socialização e o sucesso escolar, mas afastam definitivamente as crianças das aldeias.

Simultânea e implicitamente, o boletim define a docência no ensino básico como atividade essencialmente feminina, nos meios mais isolados e numa época em que as mulheres mal tinham conquistado o direito à profissão. Professores do sexo masculino, somente é homenageado António José Teixeira, que lecionou no Colmeal de 1934 a 1938 [v].

A carência de sacerdotes e a respetiva mobilidade, por sua vez, depreendem-se do facto de, ao longo dos dez anos relidos, terem paroquiado a freguesia, já em regime de acumulação, seis párocos. Presentemente, a paróquia está inserida na Unidade Pastoral de Góis, que abrange o concelho, com exceção para a freguesia de Alvares. O pároco, Pe. Orlando Fernandes, é ainda responsável por quatro paróquias do concelho de Vila Nova de Poiares [vi].

No plano do investimento, apenas se deu conta de uma curta alusão aos trabalhos de terraplanagem para a instalação da Quinta das Águias (nº 5, junho 1960). Aliás, de modo geral, a dimensão profissional e económica está ausente, a não ser estando permanentemente implícita, através da diáspora. Isto, apesar de artigos como Método de Trabalho (nº 32, novº. 1962) e O Trabalho dignifica (nº 48, julho 1964), e da publicitação do Guia do Marceneiro (nº 14 e seguintes, 1961). Ou de frases simples, como: As sementeiras processam-se a bom ritmo; As vindimas ficaram muito aquém do desejado [vii]. Dá que pensar, conhecendo a micro propriedade em presença e a escassa fertilidade do solo!

Diretamente, também as crianças estão ausentes, com exceção para o número 37 (1963), que inclui O Sol, um conto (de cariz moral) para os mais novitos. Indiretamente estão-no nas menções à catequese, à primeira comunhão, à escola ou em textos como A Educação Religiosa das Crianças ou A Família e a Educação dos Filhos [viii]. Passando os olhos por exemplares dos anos setenta, pareceu-nos que virão a ter uma maior e devida visibilidade.

Nos referidos cem números, o boletim mantém-se em linha com as posições oficiais da Igreja católica, permanecendo afastado dos movimentos progressistas que precederam e deram continuidade ao Concílio Vaticano II. Por exemplo, que tenhamos percebido, não se encontra qualquer referência ao contrassenso da guerra colonial, não obstante os colmealenses e cepenses que para ela se viram recrutados, conforme informação do próprio. A seu tempo, este alinhamento evoluirá para uma postura mais crítica e interventiva.

Embora as imagens não sejam as mais legíveis, n’O Colmeal encontra-se notícia de património construído e infraestruturas que já não existem. É o caso da antiga ponte sobre o rio Ceira (nº 60 e 63, 1965), de tetos em colmo em Aldeia Velha (nº 101, 1969) ou das alminhas situadas junto da igreja e construídas há pouco no local onde antigamente se erguiam outras [ix]. De modo muito atual, já no número 10 (1960) se perguntava: Porque não se restauram todas as Alminhas, “esses padrões de Portugal cristão“?

 


A terminar esta apresentação sucinta de O Colmeal, diríamos que o mesmo consubstancia uma abordagem multidimensional, a saber: formativo-cultural, informativa e gradualmente interventiva. Formativo-cultural, materializada nos conteúdos de apostolado e formação integral (religiosa, pessoal, moral, cultural, recreativa e, crescentemente, cívica); informativa, sobre as pessoas, a atividade paroquial e as dinâmicas especialmente do regionalismo; gradualmente interventiva, porque se vai tornando mais ativo na identificação das necessidades e respostas viáveis. Com as limitações inerentes ao tempo e à dupla dualidade do espaço em que atua e de que dispõe.

 

Lisete de Matos

Açor, Colmeal, novembro de 2020

(Continua)


[i] O projeto foi lançado em 1960 (nº 17), a construção iniciada em 1964, dizendo-se, em novembro de 1969 (nº 100), que está em fase de acabamentos.

[ii] Inaugurada em 16 de novembro de 1959, com o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento moral, espiritual ou intelectual dos leitores.

[iii] “Escola”, O Colmeal, nº 63, novembro de 1965.

[iv] “Pela nossa Terra”, O Colmeal, nº 100, novembro de 1969.

[v] “Figuras que o Colmeal conheceu. Prof. António José Teixeira”, O colmeal nº 98, julho de 1969.

[vi] “Unidade Pastoral de Góis já tem novo Pároco”, O Varzeense, nº 773, setembro de 2020.

[vii]Pela nossa Terra”, O Colmeal, nº 97, maio de 1969 e nº 100, novembro de 1969.

[viii] O Colmeal, nº 40, outubro de 1963 e nº 83, julho de 1967.

[ix] “Alminhas”, O Colmeal, nº 20, setembro de 1961. 


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