Se nos fosse permitido comparar a situação geográfica das aldeias da Serra de hoje com esses pontos minúsculos e negros como castanhas defumadas, que foram os povos de há dois ou três séculos, certamente que nos perguntaríamos como era possível a esses povos realizar a sua vida e suportar a sua existência numa zona alcantilada, inóspita e deserta como a nossa.
Porque, enquanto no litoral ou na planície o homem se cruzava atraído pela pesca ou pelo comércio, na montanha ele só podia manter-se aliciado por três factores: exploração do minério, a guerra e a caça.
Sabe-se, porém, que a fauna da velha província lusitana não era rica em produtos. Em regra, o habitante das montanhas não lhe aproveitava mais do que a carne para se alimentar e a pele para se cobrir. Nada mais tinha a pedir ao veado, ao porco-bravo, à cabra selvagem ou ao coelho do mato.
Se o montanhês caçava, não o podia fazer em nome de uma profissão, mas pela necessidade de amparar a sua pequena economia, servida por outros produtos de fraca escala.
Mas, também não se pode considerar a guerra como causa da fixação das populações serranas.
As montanhas eram de acesso difícil, sem várzeas férteis de agricultura rentável. Por isso, nem castelos, nem fortalezas, nem redutos. As vertentes da Beira-Serra nunca foram mais do que um labirinto aberto, recortado por veredas íngremes, escondidas nos matos por onde o caminhante mal se lobrigava. Não há vestígios duma estrada romana ou duma povoação mourisca. O seu dorso, eriçado de tojo, estevas e urze, assemelhava-se ao lombo dum rebanho de porcos selvagens adormecidos num redil de muitas léguas. Nunca ali houve um torrão que chegasse para premiar algum nobre que se tivesse notabilizado nas campanhas do reino. Os seus retalhos de campo arável não chegavam para neles assentar um brasão e uma legenda.
Por isso, nem duques, nem marqueses, nem barões.
Donde se conclui logicamente que só o minério poderia ser a causa única e capaz de se deslocarem para aqui os obreiros que tiveram a dita de desbravar os primeiros palmos de terra.
A confirmá-lo vem o facto de as nossas montanhas estarem perfuradas de lés a lés, sem contudo se conseguir hoje determinar a maior parte das entradas e saídas das suas minas, o seu rumo e profundidade.
O Colmeal está numa das zonas mais exploradas.
Quer a margem direita quer a margem esquerda do Ceira foram cantos que o romano explorou com arte e sabedoria. Há mesmo povoados escondidos na Serra de hoje que não podiam ter outra génese senão um arroio de água e uma boca de mina ou então um ponto estratégico para viver uma vida rudimentar sem andar exposto às feras.
Veio depois a idade da agricultura, da plantação da oliveira, do sobreiro, do castanheiro, da vinha e cereais.
Muitos locais antigos foram aproveitados e alguns aterros utilizados para as primeiras hortas. É então que as povoações nascem verdadeiramente e se começa a conhecer o seu nome.
É então que nascem os Soutos, os Colmeais, os Sobrais, Carvalhos, Cabreiras, Malhadas, Matas, Azinhais, Vales Verdes, Várzeas, Castanheiras, Salgueirais e tantas outras terras pelas quais hoje damos tudo a fim de que, embora nascendo em regiões sáfaras, subam ao nível de tantas bafejadas pela sorte.
É o caso do Colmeal.
Embora seja ainda hoje uma povoação modesta, não podemos dizer que seja recente. Na Serra, são poucos os casos de povoações que se fizeram em cem anos. A falta de comunicações e o separatismo que até há pouco vigorou entre ricos e pobres não davam margem a casamentos precoces e fáceis. Por isso, embora o casal dispusesse de dois ou três elementos capazes de se multiplicarem, nem sempre isso era fácil ou a tempo de serem tronco de famílias numerosas. O que nos leva a concluir que o desenvolvimento humano das nossas aldeias levou algumas centenas de anos a realizar-se e, desse movimento a passo curto, redundaram atrasos que ainda hoje sentimos. Não nos admiremos, pois, se ainda nos falta muita coisa. Mesmo assim poderemos considerar-nos felizes, pois que, precisamente esta estagnação de pessoal e coisas, levou os filhos da Serra a entrar num clima de aventura, clima onde depois, mais tarde, haveria de nascer o regionalismo, o grande movimento que levou uma profunda transformação a todos os cantos da Beira-Serra.
É esta uma das facetas mais importantes da gente do nosso tempo, que se nota em linha apreciável, no Colmeal e sua freguesia.
O que o progresso aí conseguiu realizar bem se pode classificar de prodigiosa renovação, devida, em grande cota, ao bairrismo dos seus filhos, perfeitamente sintetizado no labor dos militantes da sua Comissão regionalista e no desejo dos seus primeiros homens em verem o Colmeal actualizado e bem servido.
É o que nos parece revelar a sua estrada da Serra, os seus calcetamentos, a sua casa Paroquial, o Centro e as diligências feitas para a construção duma nova Igreja.
Por tudo isto, merece o Colmeal e a sua gente os nossos parabéns e o jornal que divulga as suas necessidades e as suas belezas uma palavra de alento.
Trabalhar para viver e viver para trabalhar.
C. BORGES DAS NEVES
in Boletim Paroquial “O Colmeal”, número comemorativo do 40º aniversário da U.P.F.C., Julho de 1971
A pouco mais de um mês da realização em Lisboa, na Casa do Concelho de Góis, do nosso Dia da Freguesia do Colmeal, no âmbito das comemorações dos 80 Anos de Regionalismo no Concelho de Góis, nunca será demais recordar o que ao longo dos anos se foi escrevendo na imprensa regional e neste caso particular, no extinto Boletim Paroquial “O Colmeal”, sobre as nossas colectividades e o regionalismo.
A. Domingos Santos
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