A
vida tradicional do beirão é menos isolada do que geralmente se pensa. Os
caminhos são maus e eram muito piores nos séculos passados, o acesso às aldeias
era difícil, mas os lugares habitados não se fechavam sobre si mesmos. A
própria dureza de vida no Inverno obrigava a gente a frequentar as planícies
periféricas à procura de empregos temporários, a vender aí os seus produtos
agrícolas ou artesanais, a levar o gado a pastar nas «invernias». Foi este
hábito de contactos e viagens que convidou os beirões a emigrar facilmente:
estabeleciam, então, ligações com as cidades e com o estrangeiro, como faziam
desde a primeira metade do século XX os que prosperavam ou conseguiam subsistir
no Brasil, Suíça ou Alemanha. Já antes disso os Beirões se fixavam nas cidades,
sobretudo em Lisboa, onde liam fielmente A
Comarca de Arganil e onde fundavam delegações das agremiações locais, que a
Casa das Beiras sempre acolheu generosamente. No Verão e no Natal voltavam, e
ainda voltam, fielmente à terra, e quando podem organizam concorridas merendas
ao ar livre. Sustentam assim uma solidariedade tradicional que desconhece
distâncias, cimentada na antiga necessidade de se defenderem de uma natureza
agreste e de terem de emigrar para terra alheia.
in PORTUGAL O Sabor da Terra, de José Mattoso, Suzanne Daveau e Duarte
Belo, págs. 350-351, Março de 2011, Temas e Debates, Círculo de Leitores
1 comentário:
As relações que as pessoas teciam com terras distantes e vizinhas ainda hoje são percetíveis, através das referências que os mais idosos lhes fazem e dos laços familiares que persistem, embora diluídos, possivelmente mais pela perda do peso social da família alargada, do que propriamente pelo tempo. São muito frequentes as referências a idas ao bruxo/a ou endireita, ao médico, a romarias, à procura de pastor/a, a caminho de Lisboa ….
Não é por acaso que uma outra investigadora – Maria Beatriz Roha-Trindade (“As Micropátrias do Interior Português”, Análise Social, nº 98, ICS, Lisboa, 1978) - falando de migrantes da primeira geração, em Lisboa, diz: “Sempre que as relações do passado afloram, sobretudo quando convivem novas e velhas gerações dos habitantes da zona, o leitmotiv inevitável é o andar a pé” .Segundo a autora, “este espectro permanente do isolamento e do andar a pé” justifica a importância atribuída, no quadro do regionalismo, à abertura de estradas.
Todavia, a existência de relações sociais mais ou menos fortes e frequentes não impediu, na perspetiva da mesma autora, que “cada terra se torne, aos olhos de residentes e emigrados, na sua pequena, mas inconfundível, pátria”.
Lisete de Matos
Açor, Colmeal
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