Quando um amigo me entregou uma caixa com dezenas de livros para a Biblioteca da União, houve um que particularmente me chamou a atenção.
Tinha-o lido já há alguns anos, quando a nossa idade e também o entusiasmo nos levava a ler um livro de “rajada”, isto é, sem descanso, enquanto não chegávamos à última página.
Os “rapazes da minha idade” leram-no com toda a certeza e recordam-no.
Éramos uns privilegiados porque vivíamos na cidade e tínhamos acesso a livros que não chegavam às nossas aldeias.
Umas vezes comprados ou oferecidos quando do aniversário ou pelo Pai Natal, outras vezes emprestados ou ainda alugados, “devorávamos” todos os livros que nos pareciam ter interesse e nos ajudavam a ocupar os momentos de ócio.
E «A Cabana do Pai Tomás» foi um deles. Como diz Gentil Marques no preâmbulo “Há romances escritos com o coração. Este é, sem quaisquer sombras de dúvidas, um deles. Talvez por isso, o seu interesse tem atravessado todos os tempos e todas as épocas, ainda mesmo as mais agitadas e nebulosas. E a sua emoção tem apaixonado leitores de todas as idades e de todas as gerações.”
Este livro faz-nos recuar duzentos anos no tempo, quando por volta de 1808 foi interdita na América do Norte a importação de negros de África. Aconteceu que precisamente, nesse tempo, a Europa começou a pedir algodão em abundância. E nas colónias sulistas da América houve repentinamente uma subida excitante do negócio. Subida que necessitou de mais braços. Subida que necessitou de mais escravos… E de facto, enquanto os estados do Norte se mostravam, sem discussão, contra o serviço humilhante e desumano da escravatura – os sulistas americanos passaram a criar autênticos viveiros de escravos.
“Um dia, uma pobre mulher negra, exausta e medrosa, trazendo pela mão dois filhos chorosos – passou de um caminho ao outro. Era uma escrava. Fugia ao cativeiro. No seu pensamento, rude mas sincero, tinha uma grande ambição: conseguir a liberdade para os seus dois filhos.
Para isso não renunciara nem a perigos nem a sacrifícios. Abalara pela calada da noite, correndo com os filhos. Atravessara pântanos, escondera-se de todos, passara fome, roubara para alimentar as crianças, cansara-se – mas pudera, enfim, alcançar o outro lado da vida.
Em território nortista, ela suspirou fundo. Julgou-se salva…”
«A Cabana do Pai Tomás» resiste aos tempos e às épocas políticas e às transformações sociais – como verdadeiro símbolo que é. A sua autora, Harriet Beecher Stowe, escreveu muito mais, depois dele. Mas a sua fama ficou com «A Cabana do Pai Tomás» – obra-prima, não só de uma vida, mas de toda uma geração. Tolstoi, o grande, não hesitou em apontar este livro como um dos únicos que ele conhecia dignos de serem considerados «livros de arte verdadeiros».
Desta colecção pode também encontrar na Biblioteca da União, entre outros, o “Monte dos Vendavais” de Emily Brontë ou “David Copperfield” de Charles Dickens.
Ler faz bem. Vai ver que vale a pena. A Biblioteca da União espera por si.
A. Domingos Santos
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