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«Honrando-se a memória»
Não se trata de uma biografia porque, temos de o reconhecer, não nos sentimos à altura de a elaborar e, automaticamente, com competência para a subscrever. O que se segue é, pelas circunstâncias, um resumo e não só – diga-se – do que a imprensa regionalista publicou, aquando da homenagem póstuma a essa figura de pároco e homem público que foi André de Almeida Freire, em 1 de Dezembro de 1963.
O «padre André», como carinhosa e respeitosamente o tratavam todos aqueles que tiveram o grato prazer de o conhecer e com ele conviver, «não chefiou grupos, nem se endeusou perante fiéis devotos. À maneira do Mestre, também ele passou fazendo o bem. Sem mendigar um elogio, estranhando que lhe atribuíssem uma virtude. Dando como quem restitui, sem gemer pelas distâncias vencidas, nem pelas madrugadas e nevões suportados. Foi o homem-chão, com a claridade das fontes para todos os conhecidos, com a abertura dos vales para quem dele precisasse».
Nascido em 10 de Outubro de 1901, o padre André de Almeida Freire foi «rico em virtudes, tendo como poucos condições privilegiadas, que tornassem mais leve a sua cruz, renunciou a tudo, preferiu viver pobre e humildemente», paroquiando durante mais de 30 anos as freguesias de Cadafaz (sua primeira paróquia), Colmeal e Cepos.
A homenagem póstuma, efectuada no primeiro aniversário do seu falecimento, a que se associaram a autarquia local, cadafazense e concelhia; União Progressiva; Comissão de Melhoramentos de Ádela; agremiações regionalistas do Cadafaz, Celavisa, etc. e povos «que muito o estimavam e admiravam» aos quais «ele deu o melhor da sua vida», resumiu-se a celebração de missa por sufrágio, sessão presidida pelo presidente da Câmara de Góis, colocação de uma campa no cemitério, descerramento de várias placas toponímicas e discursos, exaltando os oradores aquele que foi «um perfeito símbolo da Serra, no que ela tem de melhor».
Numa dessas placas, descerrada nesse dia chuvoso e já distante de 1 de Dezembro de 1963, colocada na frontaria de habitação do Bairro da Eira, próxima do marco fontanário, lia-se: «Rua Padre André de Almeida Freire».
Esta iniciativa, «dando o seu nome a uma das ruas da povoação, que foi terra do seu nascimento», coube à Junta de Freguesia.
Nesse acto, segundo a imprensa da época, o então presidente da autarquia afirmou: «A lápide descerrada ficará pelos tempos fora a perpetuar a memória do bom pastor que se gastou em nosso proveito, mas também para nos estimular a imitar as suas qualidades e o seu nobre exemplo».
É evidente, ao entrar-se no campo da futurologia, nem sempre as previsões se cumprem, por mais lógicas e racionais que se apresentem. A placa toponímica não se manteve no edifício, construído em xisto e ainda hoje em pedra nua, «pelos tempos fora», antes foi curta a sua permanência. Porquê?
Não é nossa competência averiguar as origens, próximas ou remotas, de tal abuso. É nossa obrigação, isso sim, denunciar o facto, exigir que se honre a memória do padre André, daquele que «em todos os caminhos e veredas da Serra deixou gravados os seus passos».
Honrando-se a memória de quem nunca se deixou «vencer pelo luxo e grandezas do mundo» é sinal de que os colmealenses «amam a sua terra». Mais: «a saudade do bondoso extinto mantém-se ainda viva nos corações» dos naturais da freguesia que sempre respeitaram a «justiça desse acto», dessa homenagem promovida há 22 anos.
Como tal, pelo que fica dito e deixou de se dizer, essa placa e a que concedia o nome de «António de Almeida Freire», progenitor do padre André, ao arruamento que se inicia no Largo e termina ao Longo das Vinhas, devem com a brevidade que se impõe ser recolocadas onde, em caso algum, não havia o direito de as retirar.
Evidentemente, casos desta natureza, cometidos injustificadamente e por mau gosto no final dos anos sessenta, só ainda não foram reparados porque, nas nossas aldeias, predomina a «maioria silenciosa», embora revoltada, e os autarcas e regionalistas, naturalmente, desconhecem pormenores do passado da freguesia.
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FERNANDO COSTA
in “A Comarca de Arganil”, de 21 de Março de 1985
Do espólio de Fernando Costa
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