“Os Objectos contam Histórias” era o título da exposição que acompanhava a “II Mini Feira do Livro”, na Escola Básica do 1º Ciclo e Jardim de Infância de Sarzedo [1]
Sobre a chita que enfeitava a mesa, os objectos trazidos pelas crianças eram muitos, muito bonitos e faladores. Eram objectos do tempo dos seus avós, alguns, do tempo dos bisavós e tetravós.
Comparativamente com outros acervos, como os que integram os museus etnográficos da região ou o que se encontra registado fotograficamente no livro “Dos Objectos para as Pessoas” (Lisete de Matos, 2007), a exposição sugeria, desde logo, um menor peso do sector produtivo e, nomeadamente do primário, que estava representado apenas por cinco objectos oriundos da agricultura e da pastorícia. Em contrapartida e sintonia com a idade das crianças, e consequentemente com a dos avós, predominavam os objectos relacionados com o quotidiano doméstico das famílias. Indiscretos, uns e outros falavam assim das características sociais da época em que foram usados, primeiro a economia de matriz essencialmente agrária que perdurou na zona até aos anos sessenta do século passado, depois, a actual de pendor secundário e terciário mais ou menos tecnologizados. Pesem embora as sobreposições observáveis.
[1] Fotografias gentilmente cedidas pela escola.
No âmbito da primeira forma económica, a esfera doméstica e a produtiva confundiam-se, e os que exploravam a terra também possuíam os meios de produção. Por isso abundavam nas casas as ferramentas e os utensílios de transformação e armazenagem, que uns guardaram e outros não. No âmbito da segunda, a esfera doméstica e a produtiva tendem para funcionar separadamente e em sítios distintos, o mesmo acontecendo com os meios de produção. Quando se trabalha por conta de outrem numa fábrica, loja ou outro serviço, só excepcionalmente é que se têm em casa máquinas ou outros apetrechos relacionados com a actividade profissional exercida. Mas o poder de compra entretanto alcançado tornou possível o acréscimo e a melhoria das utilidades caseiras.
Apostados em contar histórias, e sendo um excelente desafio e pretexto para a escrita, os objectos expostos falavam ainda de muitos outros assuntos, evocando, no silêncio eloquente dos contextos e memórias para que remetem, afectos e identidades; pessoas e classes sociais; processos migratórios e retorno; preocupações estéticas e decorativas que um certo desafogo económico tornou possíveis; tarefas que ainda hoje representam, para algumas mulheres, uma segunda ou terceira jornada de trabalho; profissões que já se transformaram ou desapareceram; aparelhos que a electrónica substituiu com admirável eficiência …
Entre os objectos sobressaia um livro trazido pela professora Anabela, a reflectir a sua paixão pelos livros e pela leitura, e a reenviar para a história do tempo em que algumas raparigas aprendiam artes enquanto outras trabalhavam arduamente, e poucas tinham os mesmos direitos e oportunidades que os rapazes. Tempos melhores os que vivemos, apesar das muitas dificuldades e desigualdades do presente!
Há muito afastada das lides educativas, gostei de estar na Escola Básica do 1º Ciclo e Jardim de Infância de Sarzedo. Apreciei, muito especialmente, o ambiente de aprendizagem acolhedor e disciplinado, o bom relacionamento que envolvia as crianças, os professores, as educadoras e as auxiliares de acção educativa, a participação, a atenção e o semblante prazenteiro e feliz das meninas e meninos, a preparação prévia da sessão em que participei, as estratégias com que até eu aprendi matemática, o raminho de chá de tília! … Sendo o primeiro o mais importante dos ciclos de aprendizagem (e ensino), por proporcionar as competências de base que vão permitir e enraizar as aprendizagens subsequentes, felizes as crianças que têm o privilégio de fazer parte de um ambiente tão estimulante e potencialmente formativo!
Como se vê, os objectos contam histórias. Histórias de vidas e pessoas que outras pessoas podem escrever! Segundo Paulo Ramalho, no livro “Dos Objectos para as Pessoas”, (…) tudo quanto tem história ocupa o seu lugar no presente e pode iluminar o futuro.
Lisete de Matos
Açor, Colmeal, Março de 2011.
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