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Para sobreviverem na serra agreste e xistosa, as gentes reinventaram-na, dominando as fragas, o mato, a floresta e os animais bravios. Abriram algares e minas, à procura de ouro e outros minérios. Disputaram a terra e a água, e partilharam-nas mais ou menos amigavelmente. Construíram “combaros” nas encostas escarpadas e lameiros junto às ribeiras fundas, trazendo a terra de longe, e amparando-a com paredes ou paredões grandiosos e pacientes. Encaminharam cursos de água, construíram poços, levadas e barrocos, atravessaram-nos com pontões. Recorrendo ao xisto miudinho ou à pedra ferrenha que existia nos sítios, construíram casas, currais, moinhos e lagares. Abriram estradas de bois e caminhos estreitos e pedregosos, trilharam veredas íngremes, longas e sinuosas. Mais tarde, cavaram a serra, plantaram árvores que os incêndios já dizimaram, rasgaram as estradas serpenteantes por onde circulamos ou apenas a água chovida corre, arrastando consigo o suor e as lágrimas das pessoas e do património perdido.
Incansáveis, fizeram tudo à mão, usando a força física e ferramentas muito pesadas, abusando do esforço e do espírito de sacrifício, trabalhando de sol a sol, calcorreando léguas pela serra, com os pés descalços ou mal calçados, quantas vezes com fome. Devido à estreiteza dos caminhos e à insuficiência da terra para os sustentar, os animais de grande porte eram raros, pelo que tudo era transportado, através dos tais caminhos que mal o eram, à cabeça pelas mulheres, maioritariamente às costas pelos homens.
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Do livro “Dos Objectos para as Pessoas”
de Lisete de Matos
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