09 maio 2010

Entrevista – À conversa com um antigo campeão nacional de boxe amador, por Jorge Fonte

“Só rendia a partir do segundo assalto. Para entrar no ritmo certo tinha de fazer um treino antes” Abandonou as luvas no mesmo ano em que foi campeão de boxe amador. Mário Martins é o homem que tentou voar como uma borboleta e picar como uma abelha nos ringues portugueses, sem nunca ambicionar o estatuto de profissional. Começaste a praticar boxe amador com 18 anos. Que tipo de condições tinhas para treinar? As condições eram muito precárias e tínhamos de improvisar para treinar, mas isso até era o mais giro. O ginásio onde treinávamos, o Lisboa Clube Rio de Janeiro, servia como salão de baile e às vezes, à segunda-feira éramos nós, os atletas, que limpávamos o chão se quiséssemos treinar. Como não havia ringue punhamos quatro cadeiras a formar um quadrado no meio da sala e para treinarmos pesos andávamos de cócoras a carregar os outros pugilistas. (risos) Nesse tempo moravas no Bairro Alto, onde se situava o ginásio. Essa proximidade influenciou a forma como entraste no mundo do boxe? Não foi esse o motivo. Eu vim do Colmeal (concelho de Góis) com 6 anos e fui morar para o Bairro Alto. Naquela altura havia um espírito bairrista que hoje já não se encontra e então andávamos sempre a lutar contra o pessoal dos outros bairros. Foi numa dessas lutas, onde levei uma tareia de uns gajos do Castelo, que decidi ir para o boxe amador. Depois disso, o meu impulso foi ter a necessidade de ser capaz de me defender. Vivias com o teu pai e com os teus irmãos. Como é que eles reagiram quando souberam que ias treinar boxe? Quando eu entrei houve uma vaga de miúdos do bairro, fomos cerca de 20, que também acharam piada e foram comigo. Acho que isso, para os meus irmãos, tornou aceitável o facto de eu também ter entrado. Gozavam e diziam que eu era maluco! (risos) Já o meu pai foi o oposto. Para ele, eu tinha era de trabalhar e o boxe não fazia sentido nenhum. Cerca de 4 meses depois de eu ter começado, ainda fazia “sparring”. O meu pai falou com um amigo, que era médico, e começou a discutir porque eu já não punha sal na comida nem comia gorduras. Aí o médico disse-lhe que eu estava no caminho certo, mas o meu pai nem assim mudou de opinião. “Os combates duravam entre dois a três assaltos” Lembras-te do teu primeiro combate? Foi no Atlético do Cacém. Lutei contra... (faz uma pausa) o Lúcio Costa, que para além de ser mais alto e musculado, era do Cacém, ou seja, estava a lutar em casa. E estavam cerca de mil pessoas a ver. O Lúcio começou logo ao ataque a atirar-me murros e eu a defender-me e a tentar responder. Entretanto, acertei-lhe no queixo, não me lembro se foi no primeiro ou segundo assalto, e logo a seguir ele está sentado no chão e o árbitro acabou a contagem de dez. Não sei como é que aquilo aconteceu mas tinha ganho! E tu naquele momento todo animado a pensar que eras o maior... (encolhe os ombros) Não... Fiquei atrapalhado. Foi uma sensação estranha porque não fazia ideia de como reagir. Eu até acho que tinha os olhos fechados quando lhe bati! Tiveste vários treinadores no teu canto. Quem foi aquele que tu consideras que tenha sido o mais importante, aquele que fez a diferença? Sem dúvida o Armando Costa Rodrigues. Era um indivíduo muito rude, não era o melhor na parte técnica, mas exercia uma pressão e pedia de mim uma atitude de tal forma que foi com ele que atingi o meu pico de treino. Era extremamente exigente e para tu teres uma ideia, durante os combates eu só rendia a partir do segundo assalto, porque o primeiro era como se fosse um treino. Demorava muito a entrar no ritmo certo e a aquecer porque durante o resto da semana, treinava intensamente. Assim, para estar no ritmo certo a partir do primeiro assalto tinha de fazer um treino antes do combate. E foi com o Armando Costa Rodrigues que te sagraste campeão na categoria de 63,5kg, apenas com 24 anos. Sim, foi graças a ele. Eu não era um lutador muito rápido e resistente. O meu estilo era mais forte e explosivo, por isso, os combates duravam entre dois a três assaltos. O meu grande problema era aqueles que se decidiam até ao último e aí o Costa Rodrigues a incentivar-me era fundamental. Eu queixava-me que já estava cansado, que as minhas pernas não queriam mexer. Aí, ele apontava para o meu adversário e dizia que ele estava muito pior, ele só queria sair dali e que eu só tinha de acabar com ele. No combate do título não foi preciso esse discruso porque no segundo assalto venci por KO. “Vivia do meu trabalho e não dos combates” Em 1983 vences o título de campeão nacional. Porque não deixaste de ser amador e tornares-te atleta profissional? Nunca ambicionei esse patamar. Desde os 18 anos, quando entrei no Clube Rio de Janeiro e comecei a ver o mundo do boxe, apercebi-me de algumas coisas. A malta do boxe profissional estava envolvida num ambiente muito esquisito, ligado à noite e às apostas. E depois era o nível de trabalho e dedicação que é exigido a um profissional. Para além de não quereres tornar-te profissional, nesse mesmo ano terminas a tua carreira como pugilista. O que aconteceu? Foram vários factores a começar pela exigência que o pugilismo pedia. Mesmo amador, como eu era campeão nacional era chamado para representar a selecção. Em termos pessoais, tinha casado há pouco tempo, conjugar a selecção com viagens de 4 dias a Espanha, 6 a França e depois 9 ou 10 ao Brasil, não era aquilo que eu queria. Tive de rejeitar esses convites. Depois, o boxe amador também é mal pago e eu continuava a trabalhar de dia e a treinar à noite. E eu vivia do meu trabalho e não dos combates. No entanto não abandonaste definitivamente o boxe. Foste treinador, dirigente e hoje és árbitro. Isso foi logo após teres acabado a carreira ou precisaste de um tempo afastado desse universo? Foi cerca de três, quatro anos depois. Não fui eu que escolhi não estar ligado ao boxe. Com o tempo fui-me afastando, mas entretanto surgiu a oportunidade de abrir um ginásio com o meu sócio Carlos, que foi quem teve a ideia. Fui treinador nesse espaço durante dez anos, depois aquilo fechou e estive na Federação onde havia muita inveja e mal-dizer. É que as pessoas não têm consciência do trabalho que está por trás da organização de um torneio, seja montar o material ou fazer publicidade, que é uma coisa que nunca se pensa nisso. Depois quando saí, fiz de speaker e hoje sou árbitro. E sou demasiadas vezes para o meu gosto, porque há uma falta enorme de árbitros para o boxe. E não é para me gabar, mas consideram-me o melhor árbitro em Portugal. (risos) “Os que lutam por títulos procuram o boxe” Há cada vez mais o reconhecimento de novas artes marciais como o jiu-jitsu, muay-thai ou o kickboxing. Achas que isto é importante ou dispersa a atenção dos praticantes? Foi muito mau para o boxe. Mesmo que não houvesse muita adesão ao desporto, havia uma cultura em Portugal dos praticantes de boxe que hoje já não há. O que acontece é que os jovens começam por procurar esses desportos pela espectacularidade. No entanto, se te aperceberes, os melhores, aqueles que lutam por títulos nessas novas modalidades, ou trazem formação já do boxe ou procuram treinar boxe, porque é aí que se treina a técnica de braços. (simula um murro com a mão direita) É assim que explicas a pouca visibilidade do boxe no nosso país? Foi importante mas não foi só por causa disso. A falta de publicidade é o pior. Há uns anos atrás havia um jornalista, o Patrício Alvarez. Ele tinha sido pugilista e escrevia para o Record e, salvo erro, para o Diário Popular. Como tinha esse passado no boxe, fazia passar nos jornais os eventos relacionados com o boxe, numa cultura que só interessava o futebol, a Volta a Portugal em bicicleta e mais tarde o hoquei. Actualmente ficou pior, agora é só o futebol. Evander Holyfield, George Foreman, Muhammad Ali, Sugar Ray Robinson são alguns dos maiores nomes do boxe mundial. Consegues indicar o melhor pugilista de todos os tempos? Para mim foi sem dúvida o Muhammad Ali. Aquela história do “Fly like a butterfly, sting like a bee” descrevia a luta daquele homem na perfeição, porque ele era peso pesado e mexia-se no ringue de uma forma completamente anormal para um peso pesado. Era rápido de pés e lutava com as mãos em baixo, como se convidasse os adversários a atacarem com directos e baixarem a guarda. Quando isso acontecia, o Ali atirava tudo o que tinha. E graças a isso foi campeão três vezes numa época de grandes nomes. .
Jorge Fonte - 19/03/2010
Os termos do boxe Sparring – tipo de treino em que é pedido um lutador com determinadas características consoante o próximo adversário, onde se treinam murros, movimentos ou defesas específicas. Guarda – A defesa do pugilista. Por norma os dextros usam o pé e a mão esquerda à frente e os canhotos o pé e a mão direita à frente. Jab – Golpe frontal com o punho que está à frente. Directo – É um golpe violento, frontal e aplicado com o punho que está atrás na guarda. Cross/ Cruzado – Tal como o directo, mas o movimento é cruzado. O alvo é a parte lateral da cabeça do adversário. Uppercut – Movimento feito de baixo para cima que procura o queixo do adversário. Hook/ Gancho – Movimento parecido com o cruzado. Difere por ser a uma distância mais curta e normalmente na parte lateral do corpo do adversário. KO (Knock Out) – Quando um lutador está incapaz de lutar, gravemente ferido, desmaiado ou inconsciente o árbitro interrompe o combate, declarando o adversário o vencedor por KO.

4 comentários:

Anónimo disse...

Embora não seja a primeira vez que isso acontece no blogue, aproveito a oportunidade para manifestar o meu agrado pela iniciativa de divulgar facetas menos conhecidas de conterrâneos e associados da União. Sendo um bom contributo para o (re)conhecimento do nosso património de competência, só pode ser importante. No caso, parabéns ao entrevistado e ao entrevistador.

Açor, 12 de Abril de 2010

Lisete de Matos

Unknown disse...

Grande entrevista com o pequeno grande Mário Martins. Tive um enorme prazer de conhecer este homem e um prazer enorme, também, de ler esta entrevista.
Conheci o Mário como pessoa e como atleta. Com uma só palavra define-se este amigo: nobreza. O nosso Mário Martins é uma pessoa de grande nobreza nunca deixou para trás um amigo, sempre solidário e de uma amizade extremamente honesta.

Um abraço para ti Mário
do Zé, do Laranjeiro

Anónimo disse...

Mario Martins
Preciso de te contatar.Luis Andrade.Praticamos boxe juntos.Passamos ferias na tua casa no Colmeal nos anos 80.Tinha um ford capri e habitaba na Madalena.Alguem ou tu podem_me contatar:email andrade.luis@neuf.fr.Obrigado Luis

Anónimo disse...

jose do Larangeiro
Luis Andrade.Corri algumas vezes contigo no alto do Larangeiro e luvas nos anos 80.Sai de Portugal a 34 anos para.Precisava de renoar os contatos,podes_me diser aonde posso,ou podem-me dizer aonde posso encontrar Mario Martins.No mes de Agosto 2016 estou em Setubal.Rua jose Luciano Carvalho rc/b.Passem ou contatem-me émail andrade.luis@neuf.fr.Obigado