09 maio 2010

COMO O PISCO

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Até há pouco, tinha o pisco por um passarito muito amistoso e sociável. Formulei esta ideia na infância, vendo-o a fazer companhia às pessoas que amanhavam a terra, na esperança de as ver desencantar algum bichito que lhe servisse de lauta refeição. Agora já não sei. Fiquei com dúvidas desde que o observo a debicar, parecendo fazer vénias e comendo como um pisco, nas extremidades do manjar que os pardais atacam sofregamente, e a fugir saltitando pelo chão, ao primeiro movimento ou ameaça de bicada por parte dos pardais.

Mas pode muito bem ser que o pisco tenha percebido que os movimentos humanos já não produzem bichitos, mas sim fotografias ou, então, que seja apenas um tímido e, como todos os tímidos, pareça antipático e pouco sociável!

Seja como for, o facto é que abala, asadinho como se nada fosse, com o ar altivo e emproado que lhe advém do porte vertical, das pernas altas e do peito ruivo esticado para fora. São oito ou dez centímetros de graça ao mesmo tempo petulante e frágil, a afastarem-se com desdém, e a justificarem a história que a minha mãe contava.
- Pois, está(s) como o pisco! - Como o pisco?
- Sim, o pisco que engoliu uma minhoca. Com o papo cheio, ficou tão satisfeito e afoito que se deitou no chão, de pernas para o ar, a dizer: “Se o céu agora caísse, segurava-o!”. Naquilo, ouve-se um grande trovão. Aflito e a tremer de medo, corrige apressado:
“Ó Senhor, tende lá mão! Não se atenha ao pisco. Atenha-se antes ao tentilhão, Que tem pernas de ladrão!”
A minha mãe lembrava-se desta história a propósito de temeridades, arrogâncias e gabarolices. Ao tempo, preconizava-se a humildade como valor. Agora que o segredo está na autoconfiança, esquecendo o dito dado por não dito, moderno que era pisco!
Lisete de Matos Açor, Colmeal 25 de Março de 2010

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