3. Moinhos e moagem de cereais
No perímetro do Soito havia vários moinhos para moer os cereais de várias aldeias, sendo 2 no Rio Ceira (moinho do Cabeceiro, exclusivo do Soito e do Boiço, que também era utilizado por pessoas de Carrimá, Malhada, Loural e Aldeia velha), 3 na Ribeira do Soito (Ribeiro, Pedrancha e Foz do Corgo) e ainda um dentro da aldeia que moía quando se abria o poço da rega (moinho do Curtinhal, que actualmente integra o património museológico da aldeia).
Estes moinhos, todos movidos a água, implicavam a manutenção de açudes e levadas para que a água chegasse em quantidade suficiente. Chegada junto ao moinho, a água era projectada a uma altitude adequada, através de uma caleira em madeira (feita por escavação com uma enchó num tronco de pinheiro), em plano bastante inclinado, a fim de que o rodízio, situado na parte inferior do moinho, se movesse, fazendo assim girar a mó.
O moinho é composto por duas mós, uma móvel acoplada ao rodízio e uma fixa sobre a qual a primeira se move a fim de fazer a farinha, quanto maior for a distância entre as mós, mais grossa será a farinha e vice-versa. Esta distância ajusta-se através de dispositivo próprio (cujo nome não me recorda), conforme o tipo de cereal a moer e a espessura que se pretenda.
Para além das mós e do rodízio, o moinho tem ainda o reservatório onde se coloca o cereal, em forma de funil rectangular (moega), uma espécie de caleira por onde o cereal se dirige para o buraco central da mó móvel em direcção ao espaço entre as duas mós (a quelha), mediante a turbulência provocada por uma pequena roda de cortiça que vai saltitando sobre aquela mó.
A generalidade destes moinhos eram colectivos, com maior expressão dos que se situavam no rio que eram praticamente de todos os habitantes da aldeia (s), que conforme as posses e as necessidades, tinham direito a moer por um determinado número de horas por semana.
Sobretudo no Verão e nos anos de maior seca, apenas os moinhos do rio tinham água suficiente para moer, o que originava que estes não tivessem mãos a medir, trabalhando de forma contínua, pelo que todas as famílias tinham de aproveitar as horas a que tinham direito, mesmo que o seu período de utilização se iniciasse durante a noite, o que acontecia com frequência.
Assim, eram frequentes as deslocações ao moinho em noites escuras e por vezes frias, carregando, às costas, pesados sacos de cereal ou farinha, com uma lanterna de azeite na mão, a fim de alumiar os tortuosos e inclinados caminho. Era frequente a lanterna apagar-se devido ao vento, deixando as pessoas completamente às escuras e com dificuldade em a reacender de novo. Eram tempos difíceis, que apesar de tudo sabe bem recordar.
Por vezes acontecia que o moinho de “alodava”, eventualmente devido aos cereais não estarem suficientemente secos ou pelo inadequado ajustamento das mós, o que atrofiava a moagem e originava do desperdício dos respectivos cereais. Esta era uma situação que gerava o desespero das pessoas afectadas, quer pelos estragos causados, quer pelo facto de não terem obtido a farinha que necessitavam.
Era habitual as crianças a partir dos 6 anos acompanharem o pai ou a mãe, a fim de lhe fazer companhia nestas viagens nocturnas, segurando a lanterna e ajudando a dissipar os medos do desconhecido (lobisomens, bruxas e almas penadas que pairavam sobre aqueles caminhos escuros e íngremes).
Também aqui se verificava o espírito de entre ajuda das pessoas na aldeia, uma vez que era frequente as pessoas que iam buscar a farinha, findo o seu tempo de moagem, levarem o grão dos vizinhos que iriam utilizar as horas seguintes e vice-versa. Era também uma forma de minimizar o esforço de que todos beneficiavam.
Para além da farinha para a broa, de milho (em maior quantidade) e de centeio (em menor quantidade), fazia-se uma moagem específica a fim de obter os “carolos”, uma farinha de milho mais grossa, típica da zona, que eram cozida em água, a fim de fazer acompanhamento (de carne, sardinhas, etc) e da qual também se faziam uma espécie de papas doces.
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António Duarte – Comissão de Melhoramentos do Soito
3 comentários:
O sistema que faz descer ou subir a pedra do moinho para fazer a farinha mais fina ou mais grossa chama-se o PAU DA CRUZ.
É isso mesmo. É bom saber que há leitores deste BLOG que conhecem algumas das tradições da zona.
Muito obrigado
António Duarte
Cruz de Pau é outra coisa.
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