Querem
ausentá-los mas eles não se ausentam. A sociedade coloca-os nos jardins, por
inúteis, mas não o são; e recordam-se e fazem correr os rosários das memórias,
e martirizam-se com as dores no corpo e as dores na alma, estas as piores de
todas elas; são deixados, mesmo que, aparentemente, os não deixem; por vezes
desorientam-se e perdem-se nas ruas. Os nossos velhos foram tipógrafos,
estradeiros, carpinteiros, construíram prédios e barragens, navios e pontes; as
suas mãos tornearam a madeira e furaram as montanhas e montaram os carris e
fizeram as vindimas e afagaram-nos e tiveram-nos ao colo, protegem-nos,
vigiam-nos, nossos pais, nossos avós. Os nossos velhos.
O
polimento secular da bestialidade fizera das relações humanas um traço de civilização.
Os celtas atiravam os velhos dos penhascos, porque incómodos, e já não eram
precisos. Os laços sociais que se foram estabelecendo não impediram as guerras
e as atrocidades inomináveis. A educação e a harmonia de costumes não são dados
adquiridos, e o poder de uns sobre outros é um elemento da luta de classes. Os
homens são bons, quando novos, apenas porque produzem. Velhos, deitam-nos para
o lixo.
A
regressão dos sentimentos e das atitudes, impulsionada pelos novos modelos
sociais que nos impõem, desemboca em múltiplas incertezas. O desprezo pelos
velhos é uma das variantes dessa regressão, que não nos propõe outros valores.
E indica que temos de enfrentar um desafio moral delicado, com que seremos,
inevitavelmente, confrontados. O conceito de família, tal como o conhecemos,
tem sido aniquilado pelas novas leis de valor. Mas estas leis não significam
que sejam as melhores. Pelo contrário.
As
doutrinas do "mercado" estão a pulverizar o modelo europeu de
sociedade, até agora o mais harmonioso porque o mais humanizado. Será preciso
redefinir as bases do contrato social?
Deitar
os velhos fora, abandoná-los em caricaturas de "lares" ou nos gelados
corredores dos hospitais parece característica do tipo de sociedade em
formação. Aprender a conhecer é aprender a fazer e a viver em conjunto. Remover
os velhos do nosso carinho e dos nossos afectos, é removermo-nos a nós próprios
da condição humana. Querem ausentá-los, mas eles não se ausentam. Estão ali,
muito mais atentos do que se possa presumir. Eles são a memória de todos, a
nossa pessoal memória, e a nossa certeza do que fomos para entendermos o que
seremos.
Extorquem
tudo aos velhos, agora, até, por aumento das tarifas nos transportes, a
possibilidade de viajar em Lisboa. Não se queixam, mas não afrouxam. Ei-los.
Estão aqui e ali. Vou a O'Neill e reproduzo-o: "Velhos, ó meus queridos
velhos, / saltem-me para os joelhos: / vamos brincar?"
por BAPTISTA-BASTOS, Diário de Notícias, 22 de Agosto de
2012
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