Uma vez mais, fui ver a exposição
de gado bovino de trabalho, na Feira do Mont’Alto, Arganil.
Lá estavam o Rui - como todos lhe
chamam - e outros expositores conhecidos. São pessoas que merecem o nosso
aplauso e agradecimento, por persistirem em manter viva uma tradição que agrada
a tanta gente. Provavelmente gastando com a manutenção dos animais, os salários
que, pelo menos alguns, auferem no exercício de atividades profissionais muito
distintas.
Tal como a feira em si
própria, a exposição/concurso de gado bovino continua a funcionar como polo de
atracção e de encontro anual, já que são muitos os que a frequentam para matar
saudades dos animais, e fazer um ou outro negócio. Sendo sempre mais homens do
que mulheres, ficam por ali a observar os bichos, e a conversar, enquanto
esperam pelo júri. Comentam-se o porte e a beleza dos animais, a meiguice do
olhar, o brilho do pelo mais ou menos luzidio, um ou outro defeito que só os
entendidos veem, o tratamento que o aspeto indicia ...
- Meu Deus!, que coisas mais
lindas e imponentes! - dizia a minha irmã de mão na cabeça a segurar o espanto.
– Até estou comovida!
Os mais velhos contam histórias do tempo em que usavam os animais para lavrar a terra ou transportar artigos, os mais novos recordam o fascínio e o respeito com que olhavam para aqueles monstros pachorrentos, que andavam sempre juntos. Encontravam-se com frequência, apesar de haver localidades onde não cabiam, devido à exiguidade do espaço e dos caminhos, mas também da terra que mal chegava para alimentar as pessoas. Noutras, porém, terão abundado, a avaliar pela largura dos portões dos pátios que têm resistido - por exemplo na Cabreira e na Sandinha -, à voracidade da substituição do património edificado antigo. De qualquer modo, testemunhando uma realidade bem distinta da que era habitual mais a norte do país, onde a junta de bois, a “toira” ou outro animal de tração integrava a maior parte das unidades familiares de produção.
- Êh, pá, grande aselha! Desse modo, não os tiras! Se fosse eu, já os tinha virado há muito. Um de cada vez, pá …- Costuma dizer-se que se entrou também sai, mas, no caso, o dono dos animais parecia não atinar com a forma de os fazer sair de dentro da carroçaria para onde os fizera entrar. A propósito, vi animais muito apertados dentro do transporte que os trouxe, tal como vi outros que estavam a ser descarregados através de uma rampa tão inclinada que o chão lhes faltava debaixo das patas, levando-os a precipitarem-se em voo pesado para o chão.
Aprecei uma junta de bezerros que custava 220 contos. “As pessoas falam em contos”, dizia-me o jovem vendedor, enquanto eu pensava que aquela era a forma de situarem os bichos e a sua funcionalidade num passado de há mais de meio século, que alguns dizem estar a tornar-se de novo presente. O jovem só vendia ambos os bezerros, para se habituarem a trabalhar em conjunto, coisa que nós humanos nem sempre sabemos fazer!
Esqueci-me foi de lhe perguntar se realmente ainda trabalham, pensando num amigo das Torrozelas (lembra-se?), que há uns anos me dizia que a sua vaca de estimação só trabalhava para fazer exercício físico. “É assim como quem leva uma pessoa doente a passear, para se mexer e apanhar ar!” Foi aí que eu, que sempre ouvira falar apenas de bois, disparei com o maior dos poucos à-vontades que me são conhecidos:
- Mas eu pensava que só havia
bois …! - E ele, sem demora:
- Então menina, tem de haver os
dois, o macho e a fêmea …!”
- Pois …!
Tal como em anos anteriores,
andava pelo recinto um cavalo que as crianças podiam montar e um pónei maluco
que a determinada altura se espojou no chão, a rebolar coçando o lombo, para
gáudio dos presentes. Terá sido vendido por 1 000 €.
A grande atração, porém, era um
burrinho bebé que todos cobiçavam e afagavam. Não podia ser mais amistoso e
ternurento, alternando entre a teta espremida da mãe e as festas que os visitantes
lhe faziam. Um encanto. Não tinha preço, literal e figuradamente falando. Foi assim
que ficou por lá!
Lisete de Matos
Açor, Colmeal, 10 de Setembro de
2012.
1 comentário:
Fico sempre deliciada com os textos, sempre belíssimos, da Drª Lizete Matos. Obrigada pela delicadeza e ternura com que nos enriquece regularmente, partilhando a memória das pessoas, dos gestos, dos ofícios, dos caminhos,... Faz-nos bem à alma! Bem-Haja!
Deonilde Almeida
Enviar um comentário