Domingo, 23 de dezembro de 2012. Quando
cheguei, a sala encontrava-se repleta. Tive de pedir ao senhor Manuel, de Ádela,
a quem agradeço, o favor de ceder o seu lugar sentado ao meu pai. Celebrava-se,
na sala do Centro Paroquial, o convívio de Natal, organizado pela União
Progressiva da Freguesia do Colmeal (UPFC), uma iniciativa que leva a cabo há
uns anos, como contexto para a distribuição dos brinquedos às crianças, que
data de haverá umas seis décadas.
Esperavam-se este ano menos participantes,
devido ao facto de o convívio ter tido lugar mais tarde, mas, a mim, pareceu-me
sensivelmente o mesmo número. É verdade que faltavam os residentes que já se
tinham juntado às suas famílias para o Natal, mas estavam outros, alguns
aparentemente pela primeira vez. Praticamente havia pessoas de todas as terras da freguesia, as quais também se
encontravam representadas através de dirigentes das suas coletividades, numa
manifestação inequívoca da coesão e da união dos colmealenses em torno dos
valores e dos atores que verdadeiramente os congregam e unem. Recordo aqui que
a UPFC foi criada em 1931, para promover a melhoria das condições de vida na
freguesia como um todo, só mais tarde se tendo verificado o surgimento de
coletividades por aldeia ou agrupamentos de aldeias. Sem prejuízo da natural
necessidade de afirmação individual a par com o esforço coletivo, todos não
eram demais para levar o progresso e o bem-estar às suas terras de origem e, ao tempo, ainda de destino final.
Muito surpreendente, foi a situação que se me
deparou ao fundo da sala, quando ali cheguei, depois de uns tantos “com
licenças” e encontrões delicados. Parecia a cena de um outro filme! As crianças
eram tantas, que o espanto se apoderou de mim, enquanto as observava bebés e
mais crescidas, morenas, louras e ruivas, lindas, representando vida e renovação
demográfica, presença intercultural e multilinguística.
Embora nem todas fossem visíveis, seriam dezasseis
no total, de proveniência, nomeadamente, portuguesa, alemã, italiana e inglesa.
Entre elas encontravam-se a Maria na
e o Vasco, do Sobral, que recordo de tenra idade e agora já são uns encantadores
jovens desabrochados. A UPFC já não precisa de uma carrinha para trazer os
brinquedos, como antigamente, mas a presença daquelas crianças e de os seus jovens
pais constitui uma promessa e, talvez, um sinal sobre os contornos do futuro da
freguesia.
Sem que a máscara seja necessária porque as
crianças são bem vindas, a Rose dedicava-se a pintá-las com obras de arte
efémeras. Não era a primeira vez que a via a divertir os miúdos daquele modo,
mas só desta senti necessidade de a felicitar pelo seu trabalho de criação e
animação. Tal como ela, também o Josh se apresentava vestido de palhaço. Ambos
vivem na Foz da Cova.
Quando todos já se tinham deliciado com as saborosas
iguarias da Anabela e outras senhoras, coube-me a honra de iniciar a
distribuição das prendas, com a entrega de um ursinho não a quem parece, mas ao
bebé ternurento que o António tem ao colo.
Sendo a infância e a longevidade os
protagonistas da festa, os mais idosos presentes - a D. Lucinda Almeida, do
Colmeal e o Jaime, do Açor, ela com 85 e o meu pai com 95 anos, também foram
chamados ao palco do reconhecimento e dos afetos, para serem brindados com as
lembranças que os adultos receberam.
Mais tarde, dei comigo a pensar em como aquela
sala se tinha transformado, por iniciativa da UPFC - a demonstrar a pertinência
e a atualidade do regionalismo -, em expressão
de continuidade e mudança, plataforma de encontro entre o presente, o passado e
o futuro. Reunidos sob o mesmo teto, estávamos gente que sempre esteve, gente
recém-chegada, gente que um dia partiu e regressou para ficar, gente que regressa,
mas não fica, porque as razões que a levaram a partir ou às suas famílias, persistem
adaptadas aos tempos de hoje … Gente que partiu e parte por necessidade económica,
à procura de melhores condições de vida, gente que vem por disponibilidade ou
desprendimento económico e gosto, também à procura das condições de vida que
não tinha. Globalidade e localidade, mobilidade e fixação, proximidade e
distância, isolamento e cosmopolitismo, singularidade e diversidade, velhos e
novos valores… Fantástico! Diria a minha mãe Brancaflor que é por isso que o
mundo não tomba!
Gosto muito deste convívio da UPFC. Porque é
uma festa intergeracional e intercultural, como disse lá, mas também porque é
familiar e íntima. E que este ano foi ainda uma manifestação de coesão, face ao
risco de diluição que pesa sobre a nossa identidade. Parabéns à União pela
organização do evento e por persistir nela, parabéns aos participantes pela sua
presença que justifica a festa. Bem hajam todos pela generosidade,
solidariedade e partilha.
Açor, Colmeal, 28 de Dezembro de 2012.
Lisete de Matos
Fotos de Catarina Domingos
1 comentário:
Parabéns para Lisete de Matos que aqui apresenta e nos brinda a todos com um excelente texto cheio de ternura e de carinho. Vê-se que escreve com o coração.
Parabéns também para a União que ao fim de tantos anos continua a juntar à sua volta mais novos e mais velhos num convívio cheio de amor para os que ainda vão resistindo ao isolamento. Uma ternurinha ver as criancinhas a receber os seus brinquedos (para quantas delas não terá sido o seu primeiro brinquedo?) e sem perceberem o que se estava a passar, porque a sua língua é outra. Amor e carinho não faltaram e isso foi e é importante.
Bem hajam todos os que ali estiveram e possibilitaram estes belos momentos.
Até para o ano.
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