Introdução
"Mas porquê?" - Relata questões que vão surgindo durante as várias etapas da vida. Geralmente a etapa seguinte clarifica dúvidas da anterior, mas há outras não esclarecidas e nos acompanham ao longo da vida. É objectivo do autor revelar uma dúvida guardada na memória visual e ainda não esclarecida à data.
Mas porquê?
Capítulo 1
Naquela manhã de Outubro de 1966, no bairro da
Eira, a manhã era quente e triste. O ar carregado de energia,
atrai nuvens negras e ameaçadoras vindas do lado dos Cepos e para surpresa
geral, do lado do Carvalhal do Sapo, a situação se repete.
Vamos ter trovoada a sério! Exclama alguém na sua janela. -
É verdade Ti Costa, este mês vai muito quente, tem dado jeito para a
secagem do milho e do feijão, mas estou muito preocupada com a situação, porque
ainda me falta fazer o recolhimento dos meus lodeiros da Ribeira e ainda não me
esqueci do ano passado. A trovoada inundou todo o terreno, salvei o milho,
porque o mê Manel se meteu na água até às vergonhas, apanhando
as espigas de milho e mandando para a margem, onde eu as recolhia, para dentro
dos sacos todos encharcados. - Até logo! Vou até ao Coiço do Chão, não vá
o rio subir e por lá ficar todo o feijão a grelar. - Vá com Deus, Ti Maria!
A Eira caminhava para a hora de ponta. Os gritos da
pequenada local , ficam abafados em face da imensa algazarra que se
aproxima vinda pela estrada do Porto Azinheira. Lá vem os garotos do Soito para
a escola. - Só fazem asneiras! Anda lá um que se o apanho a jeito vai
levar um grande puxão de orelhas. -Sabe Ti Maria! Ontem, depois de sair da
escola, foi à minha capoeira e soltou as galinhas. A minha sorte foi
a raposa não ter dado com elas e não ter passado por aqui a Guarda. De uma
multa não me livrava, ainda na semana passada a Ti Deolinda, foi multada. -Teve
sorte Ti Leocádia! - Olhe lá vem a Sra. Professora! -Que acha dela? -Parece ser
muito boa pessoa, para a semana a ver se lá mando o mê Tonho com uns ovos.
- Coitada tão novinha e aqui tão isolada. -Um dia irá para uma grande
cidade, Ti Leocádia! - Sabe que a profissão de professora é muito importante e
reconhecida, assim como ser marido da Sra. professora. Há muitos que a única
profissão que tem é ser marido da Sra. Professora, de resto não fazem mais
nada. Não fale assim Ti Maria que é pecado.
Surge um relâmpago e de seguida um grande trovão, sinal de
que a trovoada estava perto. Começam a cair de imediato umas gotas
grossas e gélidas, dando por findas todas as questões e previsões
entabuladas na via pública.
Arrumo cuidadosamente as minhas velhas pilhas,
meus únicos brinquedos de eleição, na ausência de outros e regresso a casa
para pegar na minha ardósia e empreender o caminho para a escola. No caminho a
mente atormenta, interroga. -Mas porquê? - Quando for
grande quero ser marido da Sra. Professora.
Segue no próximo episódio.
Um bom fim de semana para todos.
Domingos Nunes
Colmeal, 08 de Agosto de 2025.
Fotos:
Foto n-º 1 - Via principal da Eira Foto n-º 2 - Via de acesso à Igreja matriz e cemitério, assim como ao Edifício da União das Freguesias de Cadafaz e Colmeal. Foto n-º 3 - Edifício da união de freguesias. Este edifício foi construído posteriormente, no local onde funcionava a antiga escola.
Sem comentários:
Enviar um comentário