" Mas porquê?"
Velhos e cansados, visivelmente fora de prazo. Posicionam-se orgulhosamente alinhados, recuperando forças para o regresso aos carreiros da serra. -Mas que sapataria! Hoje veio muita gente à missa? E lá estavam, mesmo junto à palha à espera do dono. Na altura era usual, os aldeões de Soito, Aldeia Velha e Carvalhal do Sapo, mudarem de sapatos no palheiro onde o autor tinha algumas ovelhas e um porco. À época a vida era difícil e não havia orçamento para a compra de sapatos todos os anos. Sendo a missa dominical, também um ponto de encontro, era em termos de auto estima pessoal o aldeão ter uns sapatos em condições. "Mas porque"? Mudarem de sapatos antes de irem para a igreja.
-Ó Jorge, enche o copo! -Com calma Gaspar, já viste a
figura que fizeste ontem! -Epá, dei sete voltas à Capela a ver se o apanhava.
Foi ele de certeza que veio a atirar a galinha morta aqui para o barroco. -Olha
vem além o Aveleira com um saco de serapilheira. - Boa, estávamos mesmo à
espera dele! -Então, vão fazer o que? -Vamos colocar o pontão no sítio e de
seguida vamos à baije. Em frente ao lodeiro que era do Manel da Candosa,
andam lá uns grandes machos, (1) e como a água vai meia barrenta, vamos fazer
uma boa pescaria. -E o guarda rios? -O Almeida foi para Coimbra pelo que é a
nossa grande oportunidade.
20 para as 4, as portas da igreja se abriram e os
crentes no seu fato domingueiro se encaminham para as suas casas. Os nossos
homens que não foram à missa, não... esses tinham duas missões a
cumprir pelo que rumam ao ponto de encontro, o qual como é óbvio,
não podia deixar de ser a taberna do Ti Jorge. -Uma rodada para 6, paga aqui o
Manel! Rodada, mais rodada e ouve-se uma voz de comando. O Aveleira pega no seu
saco e exclama. -Vamos ao trabalho! Caminho da Cova abaixo e o grupo se divide
. O Aveleira capitânia o grupo do saco e o Zé Mau, o grupo do pontão. A
passo de militar e com o saco na mão, o Aveleira empreende a estrada do Coiço
do Rio, seguido de perto pelo seu ajudante. Os outros seguem em frente e só
param no pontão. -Vamos a isto, tudo a despir! E se despiram, mostrando a sua
lingerie da época. De cor branca original, moldada pelo uso, em tons de
amarelo. Voam cordas e ganchos e o nosso pontão de mansinho se rende ao esforço
dos homens e lá vai ordeiramente para o seu sítio.
Segue no próximo episódio.
(1) Machos era o nome dado aos barbos de grande porte. Um peixe muito presente no nosso rio à época, hoje existem em pouca quantidade.
Fotos:
Foto 7 - Vista parcial da Igreja do Colmeal. Foto 8 - Antiga capela de S. Nicolau. Na atualidade funciona como Centro de Cultura e Convívio da UPFC - União progressiva da Freguesia do Colmeal.
Foto 9 - Palheiro em ruínas. Testemunha silenciosa dos sapatos que por aqui se guardavam. |
P.S. As fotos 1 a 6 fazem parte dos episódios anteriores.
Domingos Nunes
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