16 agosto 2025

Aqui na Roça, o dia a dia. (II)

 

Mas porquê?.

 

Episódio 2

 

No dia seguinte, a Eira amanhece clara e silenciosa. Trovoada nem sinais, mas ficou um frio de rachar, tendo mesmo o autor se negado a tirar as ovelhas antes de ir para a escola. Mas depois de um escaldão nas orelhas, lá veio a vontade de cumprir o dever.

Estrada do Porto azinheira abaixo, encontro o Melro (1), a vender sardinhas à Ti Emília. Vá Ti Emília! Compre uma dúzia e eu dou-lhe uma para o gato. - Vou ali apanhar umas folhas de couve para as levar. -Venho já!. -Abra bem a folha! 1,2,13 uma dúzia de 13. -Estão tão amarelas! -Mas são as melhores que  já vendi. Frite envoltas em farinha. -Olhe, como é que está o tempo lá  na Serra? Muito frio Ti Emília! De manhã quando me levantei tive de vestir umas ceroulas, estamos a caminho do inverno. -Então ó seu coscuvilheiro, sempre a espiar! -Era para ver o peixe! Não há muito para ver.  Nesta canastra tenho sardinhas e na outra, tenho carapaus. -E também dá um para o Gato? -Sim!  Para o Gato, "mas porquê?". Na minha ideia o gato só comia ratos e tinha de os apanhar se queria.

Para contentamento dos aldeões a trovoada passou e felizmente não se verificaram danos de monta. O rio apanhou uma pequena cheia e a água cristalina, passou a barrenta. O nosso velho pontão de madeira lá baloiçava na crista da corrente e nos privou dos acessos ao Coiço do Chão, Cubeta, Fogesta. Atravessar o rio a pé era  perigoso, derivado à força da corrente e havia sempre o perigo de um grande banho forçado e a perda dos sacos de feijão, que na altura era o forte do Coiço do Chão.

-Ó Ti Maria dos Anjos! -Temos de falar com os homens a ver se no domingo depois da missa lá vão colocar o pontão no sítio. Estou muito preocupada. -Porquê Ti Leocádia? -Então não sabe o burburinho que ontem houve na taberna do Ti Jorge? (2) -Segundo o mê Tonho,  as coisas estavam feias. O Gaspar e o Manel , (da Cruz da Rua), desentenderam-se e nem sabemos bem porquê. O Gaspar correu atrás do Manel para o apanhar e lhe dar um corretivo, mas parece que não o apanhou. Andaram a correr um atrás do outro à volta da capela de S. Nicolau. A sorte do Manel, foi que a mulher abriu a porta  de casa no momento certo e ele nem olhou para trás. Más notícias, Ti Leocádia!. -Se os homens estão zangados, vai ser difícil levantar o pontão no domingo. 

"Mas porquê"? A correr um atrás do outro à volta da capela.

Continua no próximo episódio.

Um bom fim de semana para todos.

Domingos Nunes

Colmeal, 15 de Agosto de 2025.

 

 (1) O Melro. -O nosso sardinheiro de  seu nome Manuel Francisco, residia na Aldeia Velha e na altura percorria os  carreiros da serra com a sua mula a  vender sardinhas salgadas, nas aldeias da freguesia e limítrofes. Recordo com saudade, era um bom homem.

(2) O Ti Jorge. -Residia no lugar do Rossaio e tinha uma superfície  comercial no Colmeal, onde vendia de tudo. Um génio de comerciante e relações públicas. Aprendi muito com ele e senti muito a sua falta.  

Fotos:

Foto 4 - O pontão na atualidade.

Foto 5 - A argola onde se prendia a corrente que segurava o pontão, em caso de cheia.

Foto 6 - A porta da superfície comercial do Ti Jorge. Antigamente o edifício era todo de xisto, sem qualquer vestígio de cimento.  Havia ainda dois bancos de madeira, um de cada lado da porta, onde se saboreava os tintos.

P.S. As fotos 1 a 3, estão inseridas no primeiro episódio.


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