30 agosto 2025

Aqui na Roça, o dia a dia. (IV)

 

"Mas porquê?"

 Episódio 4

 

Invisível e confortavelmente instalada, entre duas frondosas videiras a Ti Maria do Outeiro, seguia com emoção a cena que se desenrolava na outra margem do rio.   - Homens em ceroulas, gesticulando ordens e homens desnudados com a água pela cintura a puxarem cabos. Degustando um belo pêssego de roer, seguia com atenção o pessoal dentro de água, tanto mais que o seu companheiro era um deles e já havia meses e meses que não o via desnudado. Sem  dar conta, atirou um pêssego indo cair  no meio do poço. Sentindo-se observados e com o pontão no sítio, os homens abandonam de imediato a zona, indo ao encontro do Aveleira que os aguardava para lá da curva do rio, a jusante.

Mãos experientes e sintonizadas, retiram do saco de serapilheira duas redes impecavelmente ordenadas e limpas. -Vá Albertino, pega aí na ponta e vai prender além na parede do lodeiro e que fique bem preso, como tu sabes, - Certo Aveleira! -Eu acompanho e desenrolo até prender na outra margem.  Colocada a primeira, deram início a segunda a montante.

-Olha lá bem o pessoal, aponta o Albertino! -Só agora e nessa figura! -Tu e Tu em ceroulas, mas vocês vem cá fazer o quê? -Vá toca a despir e a pegar naqueles paus e esburacar as paredes para os peixes saírem. - Mas não se despiram e não foram para a àgua. Já com os lábios meio roxos e arrepiados do frio, os homens dos cabos do pontão lá entraram na água. Batendo e esburacando o leito do rio, encaminhando assim os peixes para a armadilha fatal.  - Aqui reside a questão. "Mas porque" ?  Se não entravam na água, porque se despiam, ficando em ceroulas. (1)

Ao cair da noite, uma suave brisa envolveu o centro da aldeia, acompanhada de  um forte cheiro a peixe frito em azeite. Nas cozinhas, à luz da candeia de petróleo se degustava peixe frito com broa de milho, tinto da adega e uma saborosa sopa de feijão com hortaliça, sempre presente na velha panela de ferro, à fogueira e ou no fogão a lenha.

Na manhã seguinte, os nossos homens voltaram às suas atividades, enquadradas no quotidiano da aldeia.

Dois foram ajudar a capar o "Rabietas", o porco do Zé Graveto. Outros dois foram desempegar (2) o moinho da quinta, o qual se encontrava  inoperacional derivado à cheia. outro foi à Martinha buscar um saco de sal para conservar as azeitonas e por fim o nosso amigo Albertino, foi aquecer o forno e cozer a broa.

E nós ficamos por aqui.

Um bom fim de semana para todos.

(1) Já em adulto questionei um interveniente, sobre a questão de não se despir e a resposta, " Alguém tinha de coordenar"

(2)  Desempegar era o termo usado para pôr o moinho a funcionar, depois de uma cheia.

Fotos:

Foto 10 - Vista parcial do Colmeal, abrangendo o centro da aldeia. Tirada do bairro da Eira.

Foto 11 - Por estas cascalheiras se desenrolaram os factos,

Foto 12 - Neste local, os intervenientes deram aval à sua arte de pesca.  Na data, a água neste local era muito profunda, chegando mesmo a não haver pé.

P.S. As fotos 1 a 9, fazem parte dos episódios anteriores.

Colmeal, 29 de Agosto de 2025

Domingos Nunes

 

23 agosto 2025

Aqui na Roça, o dia a dia. (III)

 

" Mas porquê?"

  Episódio  3


Velhos e cansados, visivelmente fora de prazo. Posicionam-se orgulhosamente alinhados, recuperando forças para o regresso aos carreiros da serra. -Mas que sapataria!  Hoje veio muita gente à missa? E lá estavam, mesmo junto à palha à espera do dono. Na altura era usual, os aldeões de Soito, Aldeia Velha e Carvalhal do Sapo, mudarem de sapatos no palheiro onde o autor tinha algumas ovelhas e um porco. À época a vida era difícil e não havia orçamento para a compra de sapatos todos os anos. Sendo a missa dominical, também um ponto de encontro, era em termos de auto estima pessoal o aldeão ter uns sapatos em condições. "Mas porque"? Mudarem de sapatos antes de irem para a igreja.

-Ó Jorge, enche o copo!  -Com calma Gaspar, já viste a figura que fizeste ontem! -Epá, dei sete voltas à Capela a ver se o apanhava. Foi ele de certeza que veio a atirar a galinha morta aqui para o barroco. -Olha vem além o Aveleira com um saco de serapilheira. - Boa, estávamos mesmo à espera dele! -Então, vão fazer o que? -Vamos colocar o pontão no sítio e de seguida vamos à baije. Em frente ao lodeiro que era do Manel da Candosa, andam lá uns grandes machos, (1) e como a água vai meia barrenta, vamos fazer uma boa pescaria. -E o guarda rios? -O Almeida foi para Coimbra pelo que é a nossa grande oportunidade.

20 para as 4, as portas da igreja se abriram  e os crentes no seu fato domingueiro se encaminham para as suas casas. Os nossos homens que não foram à missa, não... esses tinham duas missões a cumprir pelo que rumam ao ponto de encontro, o qual como é óbvio,  não podia deixar de ser a taberna do Ti Jorge. -Uma rodada para 6, paga aqui o Manel! Rodada, mais rodada e ouve-se uma voz de comando. O Aveleira pega no seu saco e exclama. -Vamos ao trabalho! Caminho da Cova abaixo e o grupo se divide . O Aveleira capitânia o grupo do saco e o Zé Mau,  o grupo do pontão. A passo de militar e com o saco na mão, o Aveleira empreende a estrada do Coiço do Rio, seguido de perto pelo seu ajudante. Os outros seguem em frente e só param no pontão. -Vamos a isto, tudo a despir! E se despiram, mostrando a sua lingerie da época. De cor branca original, moldada pelo uso, em tons de amarelo. Voam cordas e ganchos e o nosso pontão de mansinho se rende ao esforço dos homens e lá vai ordeiramente para o seu sítio.

Segue no próximo episódio.

(1) Machos era o nome dado aos barbos de grande porte. Um peixe muito presente no nosso rio à época, hoje existem em pouca quantidade.

Fotos:

Foto 7 - Vista parcial da Igreja do Colmeal.

Foto 8 - Antiga capela de S. Nicolau. Na atualidade funciona como Centro de Cultura e Convívio da UPFC - União progressiva da Freguesia do Colmeal. 

Foto 9 - Palheiro em ruínas. Testemunha silenciosa dos sapatos que por aqui se guardavam.

P.S. As fotos 1 a 6 fazem parte dos episódios anteriores.

Domingos Nunes

Colmeal, 22 de Agosto de 2025

16 agosto 2025

COMUNICADO

 


No contexto dos incêndios que lavram na nossa serra, em particular a frente de Arganil, próxima da União de Freguesias de Cadafaz e Colmeal, informamos a população e visitantes que o Centro de Convívio da aldeia do Colmeal será o ponto de encontro e de apoio, e o local mais seguro para todos, caso a situação se complique e os meios de prevenção e combate sejam activados.

A União Progressiva da Freguesia do Colmeal apela a todos que mantenham a calma e que sigam todas as instruções das autoridades competentes.

UPFC


Aqui na Roça, o dia a dia. (II)

 

Mas porquê?.

 

Episódio 2

 

No dia seguinte, a Eira amanhece clara e silenciosa. Trovoada nem sinais, mas ficou um frio de rachar, tendo mesmo o autor se negado a tirar as ovelhas antes de ir para a escola. Mas depois de um escaldão nas orelhas, lá veio a vontade de cumprir o dever.

Estrada do Porto azinheira abaixo, encontro o Melro (1), a vender sardinhas à Ti Emília. Vá Ti Emília! Compre uma dúzia e eu dou-lhe uma para o gato. - Vou ali apanhar umas folhas de couve para as levar. -Venho já!. -Abra bem a folha! 1,2,13 uma dúzia de 13. -Estão tão amarelas! -Mas são as melhores que  já vendi. Frite envoltas em farinha. -Olhe, como é que está o tempo lá  na Serra? Muito frio Ti Emília! De manhã quando me levantei tive de vestir umas ceroulas, estamos a caminho do inverno. -Então ó seu coscuvilheiro, sempre a espiar! -Era para ver o peixe! Não há muito para ver.  Nesta canastra tenho sardinhas e na outra, tenho carapaus. -E também dá um para o Gato? -Sim!  Para o Gato, "mas porquê?". Na minha ideia o gato só comia ratos e tinha de os apanhar se queria.

Para contentamento dos aldeões a trovoada passou e felizmente não se verificaram danos de monta. O rio apanhou uma pequena cheia e a água cristalina, passou a barrenta. O nosso velho pontão de madeira lá baloiçava na crista da corrente e nos privou dos acessos ao Coiço do Chão, Cubeta, Fogesta. Atravessar o rio a pé era  perigoso, derivado à força da corrente e havia sempre o perigo de um grande banho forçado e a perda dos sacos de feijão, que na altura era o forte do Coiço do Chão.

-Ó Ti Maria dos Anjos! -Temos de falar com os homens a ver se no domingo depois da missa lá vão colocar o pontão no sítio. Estou muito preocupada. -Porquê Ti Leocádia? -Então não sabe o burburinho que ontem houve na taberna do Ti Jorge? (2) -Segundo o mê Tonho,  as coisas estavam feias. O Gaspar e o Manel , (da Cruz da Rua), desentenderam-se e nem sabemos bem porquê. O Gaspar correu atrás do Manel para o apanhar e lhe dar um corretivo, mas parece que não o apanhou. Andaram a correr um atrás do outro à volta da capela de S. Nicolau. A sorte do Manel, foi que a mulher abriu a porta  de casa no momento certo e ele nem olhou para trás. Más notícias, Ti Leocádia!. -Se os homens estão zangados, vai ser difícil levantar o pontão no domingo. 

"Mas porquê"? A correr um atrás do outro à volta da capela.

Continua no próximo episódio.

Um bom fim de semana para todos.

Domingos Nunes

Colmeal, 15 de Agosto de 2025.

 

 (1) O Melro. -O nosso sardinheiro de  seu nome Manuel Francisco, residia na Aldeia Velha e na altura percorria os  carreiros da serra com a sua mula a  vender sardinhas salgadas, nas aldeias da freguesia e limítrofes. Recordo com saudade, era um bom homem.

(2) O Ti Jorge. -Residia no lugar do Rossaio e tinha uma superfície  comercial no Colmeal, onde vendia de tudo. Um génio de comerciante e relações públicas. Aprendi muito com ele e senti muito a sua falta.  

Fotos:

Foto 4 - O pontão na atualidade.

Foto 5 - A argola onde se prendia a corrente que segurava o pontão, em caso de cheia.

Foto 6 - A porta da superfície comercial do Ti Jorge. Antigamente o edifício era todo de xisto, sem qualquer vestígio de cimento.  Havia ainda dois bancos de madeira, um de cada lado da porta, onde se saboreava os tintos.

P.S. As fotos 1 a 3, estão inseridas no primeiro episódio.


13 agosto 2025

94.º Aniversário da U.P.F.C. – Almoço Comemorativo

 


É com enorme alegria que a União Progressiva da Freguesia do Colmeal convida todos os sócios, familiares e amigos a juntarem-se para celebrar o nosso 94.º aniversário, no dia 20 de setembro, pelas 12h30, na Casa da Cultura de Góis.

Queremos partilhar este momento especial com todos os que fazem parte da história e da vida da U.P.F.C., num almoço de convívio que promete boa comida, reencontros e muitas memórias felizes.


🍽 Menu – servido pelo restaurante A Saborosa

Entradas: Pastéis de bacalhau, croquetes de carne, rissóis de peixe, bolinhas de carne, rissóis de camarão, chamuças, favas à portuguesa, salada de polvo, salada de orelha.

Pratos: Sopa de peixe ou canja de galinha; lombo de porco recheado com linguiça, acompanhado de arroz de legumes e feijão-verde salteado.

Sobremesas: Salada de fruta, tigelada.

Bebidas: Vinho tinto e branco, águas, sumos, cerveja e café.

> Caso tenha alguma restrição alimentar, agradecemos que nos informe antecipadamente.


💰 Preços:

Sócios: 22 €

Não sócios: 25 €

Crianças (6 a 10 anos): 12 €

Crianças até 5 anos: grátis

Antes do encerramento, vamos cantar os parabéns e brindar à U.P.F.C., para que todos regressem a casa com um sorriso no rosto.


📅 Confirmação de presença

Pedimos que confirme a sua participação até 12 de setembro, através dos seguintes contactos:

📧 E-mail: upfcolmeal@gmail.com

📞 No Colmeal: Tiago Domingos – 965 344 190 | Catarina Domingos – 933 344 904 | Álvaro Domingos – 967 549 505

📞 Em Lisboa: Sofia Ramos – 966 472 434 | Jorge Fonte – 933 408 428


🙏 Homenagem aos sócios falecidos

No dia 21 de setembro, será celebrada Missa por alma dos sócios já falecidos, às 15h00, na Igreja do Colmeal.


A Direção despede-se com amizade e com o desejo de reencontrar todos para celebrar mais um marco na história da nossa União. 

Sofia Ramos

UPFC


09 agosto 2025

Aqui na Roça, o dia a dia.

Introdução

"Mas porquê?" -  Relata questões que vão surgindo durante as várias etapas da vida. Geralmente a etapa seguinte clarifica dúvidas  da anterior, mas há outras não esclarecidas e  nos acompanham ao longo da vida. É objectivo do autor revelar uma dúvida guardada na memória visual e ainda não esclarecida à data.

Mas porquê?

 

Capítulo 1

 

Naquela manhã de Outubro de 1966, no  bairro da Eira, a manhã era quente e triste. O  ar  carregado de energia,  atrai nuvens negras e ameaçadoras vindas do lado dos Cepos e para surpresa geral, do lado do Carvalhal do Sapo, a situação se repete.

Vamos ter trovoada a sério! Exclama alguém na sua janela. - É verdade Ti Costa, este mês  vai muito quente, tem dado jeito para a secagem do milho e do feijão, mas estou muito preocupada com a situação, porque ainda me falta fazer o recolhimento dos meus lodeiros da Ribeira e ainda não me esqueci do ano passado. A trovoada inundou todo o terreno, salvei o milho, porque o mê Manel  se meteu na água até às vergonhas, apanhando as espigas de milho e mandando para a margem, onde eu as recolhia, para dentro dos sacos todos encharcados. - Até logo!  Vou até ao Coiço do Chão, não vá o rio subir e por lá ficar todo o feijão a grelar. - Vá com Deus, Ti Maria!

A Eira caminhava para a hora de ponta.  Os gritos da pequenada local , ficam abafados em face da imensa algazarra que se aproxima vinda pela estrada do Porto Azinheira. Lá vem os garotos do Soito para a escola. - Só fazem asneiras!  Anda lá um que se o apanho a jeito vai levar um grande puxão de orelhas. -Sabe Ti Maria! Ontem, depois de sair da escola, foi à minha  capoeira e soltou as galinhas. A minha sorte foi a raposa não ter dado com elas e não ter passado por aqui a Guarda. De uma multa não me livrava, ainda na semana passada a Ti Deolinda, foi multada. -Teve sorte Ti Leocádia! - Olhe lá vem a Sra. Professora! -Que acha dela? -Parece ser muito boa pessoa, para a semana a ver se lá mando o mê Tonho com uns ovos. -  Coitada tão novinha e aqui tão isolada. -Um dia irá para uma grande cidade, Ti Leocádia! - Sabe que a profissão de professora é muito importante e reconhecida, assim como ser marido da Sra. professora. Há muitos que a única profissão que tem é ser marido da Sra. Professora, de resto não fazem mais nada. Não fale assim Ti Maria que é pecado.

Surge um relâmpago e de seguida um grande trovão, sinal de que a trovoada estava perto. Começam a cair  de imediato umas gotas grossas e gélidas, dando por findas todas as questões  e previsões entabuladas na via pública. 

Arrumo cuidadosamente as minhas velhas pilhas, meus únicos brinquedos de eleição, na ausência de outros e regresso a casa para pegar na minha ardósia e empreender o caminho para a escola. No caminho a mente atormenta, interroga.  -Mas porquê?   - Quando for grande quero ser marido da Sra. Professora.

Segue no próximo episódio.

Um bom fim de semana para todos.

 

Domingos Nunes

 

Colmeal, 08 de Agosto de 2025.

 

Fotos:


Foto n-º 1 - Via principal da Eira

Foto n-º 2 - Via de acesso à Igreja matriz e cemitério, assim como ao Edifício da União das Freguesias de Cadafaz e Colmeal.

Foto n-º 3 - Edifício da união de freguesias. Este edifício foi construído posteriormente, no local onde funcionava a antiga escola.

 


05 agosto 2025

Aqui na Roça, o dia a dia


Caros amigos! 

Fui questionado por vários simpatizantes e entusiastas da Roça, sobre a ausência destas simpáticas  e alegres brincadeiras campesinas.

Antes de mais, o meu muito obrigado a todos, por se manifestarem e apoiarem estas iniciativas.

Como alguns devem saber, sou um contabilista reformado. Reformado do emprego, mas não dos meus clientes, os quais me  acompanham ao longo dos anos e na confiança depositada, não me posso dissociar deles. A campanha do Irs acabou e o tempo livre convida a novas publicações.

Voltando à Roça, devo salientar que o ano não está a ser fácil. Não houve primavera e as nossas plantinhas se  queixam desta ausência, através de um menor desenvolvimento e fraca produção.

Como na Roça, manifestamos a nossa humildade, estamos contentes e satisfeitos com a mãe natureza, pelo que vos damos conhecimento através destas fotos do que na verdade temos.

Viver na terra onde se nasce, vive-se uma utopia mágica.  Na meninice tudo é novo e novidade. - Tudo é um exemplo a seguir. Vai-se a meninice, mas ficam as histórias. Mas porquê? E é isso!. - "Mas porquê".  Uma historia que tenho para partilhar convosco  e a publicar em breve.

Baseada no quotidiano da aldeia, vamos reviver o nosso velho pontão de madeira, uma galinha falecida pomo da discórdia a as sete voltas à capela de S. Nicolau.

Um bom e merecido fim de semana para todos.

Aos que estão de férias, votos de uns excelentes e divertidos dias de descanso.
















Domingos Nunes

01.08.2025