A serra não para de me surpreender. Costumava vestir-se de
vermelho arroxeado e amarelo, mas, este ano, é o amarelo que releva, sobre a tela
verde-acinzentada e ondulante da paisagem. Também riscada e, por vezes nua, em
virtude do abate generalizado do arvoredo, antes que alguma praga - inseto ou
fogo - o consuma.
Nesta altura, a queiró é a planta arbustiva responsável pelo avermelhado
e, com as restantes urzes, pela cor escura e o sabor agridoce do mel da região,
um produto sobejamente conhecido e apreciado. Devido às secas que nos afligem –
a da falta de água e outras – possivelmente a queiró desabrochou e secou mais
cedo, deixando para a carqueja, a giesta e o tojo o protagonismo nas pinturas
de primavera.
Realmente, apesar de o céu nebulado, o amarelo refulge e grita
por toda a parte, a simbolizar luz e calor, a reclamar energia, prosperidade e felicidade.
Espera-se! Porque também pode representar aviso, como nos semáforos! Por
exemplo, de risco acrescido de desertificação e incêndio ou do imperativo de
novas práticas de gestão e exploração florestal.
A propósito, há zonas onde continua a fazer-se a limpeza não
da floresta sobrante, mas de uma faixa da mesma junto às estradas. A tratar-se
de uma medida eficaz, qual o critério com que é tomada tão seletivamente, uma
vez que não cobre grande parte do território?
E, falando de vias de comunicação, recentemente, a estrada
Colmeal-Ádela e o inverso foi asfaltada, uma melhoria assinalável para
residentes e visitantes. Nunca será de mais sublinhar a importância da rede
viária e das telecomunicações para a sustentabilidade das regiões. Parecendo ter
ficado mais estreita e com as margens exteriores altíssimas em algumas curvas, as
bermas foram atapetadas a saibro, esperando-se que resista à chuva necessária e
à erosão do uso!
Atualmente, a boa notícia é que a dita estrada vai ser dotada
de traço central, a julgar pelas manchitas que enfeitam o asfalto até à estrema
com o concelho de Arganil, a caminho da Selada das Eiras. As divisões
administrativas sempre a fazerem das suas, como se fossem mais importantes do que
as pessoas! Absurdo dividir ao meio uma estrada tão estreita e curvilínea?
Será, para os utilizadores ocasionais. Para os outros, o traço branco é um prestimoso
auxiliar de condução nas muitas noites de nevoeiro, embora este seja mais
frequente no troço pertencente ao concelho vizinho.
Outra boa notícia é que vi pela primeira vez um casal de cartaxos.
Parei de pasmo perante a beleza que se avistava e ali estavam eles, no topo da
serra e no meio do nada, ele a saudar-me (ou a ameaçar-me desabrido, não
percebi), ela, tímida, a manifestar-se baixinho, meio escondida nas medranças
de um pinheiro. Andavam no mesmo sítio no regresso da terra onde fui, mas não no dia seguinte.
Nesse dia, no seguinte, o que vi foram aves de rapina a
planarem felizes sob as nuvens estéreis que toldavam o céu, e um esquilo tão
pequeno, que mais parecia um ratinho do campo! Porém, trocista e curioso como
os outros, depois de escalar apressado o pinheiro mais próximo!
Ao longe, o cucar do cuco fazia-se ouvir. Apesar de o mau
carater com que a natureza o bafejou, era, antigamente, uma presença muito
desejada, por vir com o tempo das sementeiras. “Entre março e abril ou o cuco é
morto ou não quer vir”, dizia-se, quando tardava. Como não se deixa “apanhar”, mando
uma mancheia de pútegas, que são contemporâneas e parasitas como ele. Por aqui,
estão em vias de desaparecimento.
Lisete de Matos
Açor, Colmeal, abril de 2017.
5 comentários:
Lindas fotos. A Fauna e a Flora me fascinam. Obrigada
Esta serra é um paraíso! Linda de morrer. Lindas são também as palavras que tão bem descrevem esta linda região. Parabéns e obrigada!
Anabela João
Autentica poesia. Nas imagens e nas palavras
É tão refrescante, esta janelinha que a Drª Lisete nos abre regularmente sobre a serra... Faz bem aos olhos e à alma!
Bem-haja!
Deonilde Almeida
Poesia, poesia autêntica, como já anteriormente foi referido. Beleza nas palavras e nas fotos. Que nos deliciam e nos encantam. Ainda bem que há olhos que contemplam e partilham.
OBRIGADO.
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