10 julho 2009

Tradições

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Este blogue irá apresentar em cinco partes um trabalho de autoria de António Duarte, presidente da Comissão de Melhoramentos do Soito, que nos foi dado a conhecer aquando da preparação para o Dia da Freguesia do Colmeal realizado em 31 de Janeiro deste ano na Casa do Concelho de Góis, em Lisboa. Todos sabemos que a nossa memória se vai perdendo na voracidade do tempo e que nada ficará para os vindouros se não a conseguirmos transmitir. António Duarte neste seu trabalho, nesta sua recolha, traz-nos à memória "coisas do antigamente", do tempo dos nossos pais e dos nossos avós. Alguns de nós, que já vamos tendo alguns anos em cima, ainda nos lembramos de algumas destas tradições. Também participámos em descamisadas e debulhas e recordamos a "melodia" do moinho moendo, moendo sem parar. Temos ainda presente igualmente na nossa memória, o "cantar" da água correndo pela levada (ainda hoje corre em parte) e como se "desviava" a água para aqui e para ali, de modo a que a "lei da água" fosse cumprida e a todos servisse como estabelecido. António Duarte não nos pediu a publicação deste seu trabalho. Entendemos, e só a nós cabe essa responsabilidade, tomar a iniciativa da sua divulgação. Temos obrigação de transmitir conhecimento aos mais novos e a quem não conhece procedimentos de outros tempos. Faz parte da nossa missão. Estas tradições são comuns a muitas outras aldeias e poderão vir a ser complementadas com a sua colaboração, que nos vai ler, e em quem certamente despertámos um pouco do que a sua memória encerra e que poderá partilhar com todos nós. Obrigado António Duarte. E obrigado também a si, que certamente quererá partilhar um pouco da sua memória connosco. A. Domingos Santos
1. Apanha da azeitona e confecção do azeite O Soito era uma terra com muita azeitona, que era apanhada durante várias semanas, entre Novembro e Janeiro. Era armazenada nas “lojas” das habitações e nalguns casos em tulhas junto ao lagar. Já mais próximo de fazer o azeite, a azeitona era transportada às costas ou em carros de bois (na aldeia havia entre 1 e 2 juntas de bois) para o lagar da “Ponte de Ceiroco”, na Ribeira de Carrimá, que servia as aldeias do Soito, Carrimá, Boiças e Vale Pardeeiro. Cada proprietário marcava o seu dia ou dias para fazer o azeite, dependendo da quantidade de azeitona que possuía. No dia de fazer o azeite teria de fornecer lenha para a fornalha do lagar e comida para os lagareiros que, na maioria das vezes era feita na fornalha do lagar, sendo daqui originário o famoso prato de bacalhau à lagareiro, o qual, tal como as batatas “a murro”, era assado na brasa e temperado com o azeite acabado de fazer. Os lagareiros, mestre e moço, trabalhavam dia e noite de forma contínua (com alguns intervalos de descanso enquanto o moinho moía as azeitonas e a prensa ia espremendo as que tinham sido moídas anteriormente), sendo na maioria das vezes acompanhados durante a noite pelos donos da azeitona, que também ali pernoitavam. O produto que escorria da prensa incluía o azeite e o “azilabre” (uma mistura de água e dos outros resíduos da azeitona), ia parar à tarefa, que era uma espécie de pote profundo, composto por duas partes – a parte inferior para onde ia a água e a parte superior onde ficava o azeite, por ser substancialmente mais leve. Ainda hoje se diz que a verdade é como o azeite – vem sempre ao de cima. A perícia do mestre lagareiro consistia em abrir uma torneira na parte inferior da tarefa, de forma a mandar fora o azilabre e manter o azeite. Este trabalho exigia muita perícia, mexendo a tarefa com uma fina vara de madeira, para saber exactamente onde terminava o azilabre e começava o azeite. Por vezes aconteciam pequenos acidentes e lá ia uma parte do azeite para a ribeira. Para além de fornecer a comida aos lagareiros e a lenha para as caldeiras que se destinavam a aquecer a água para caldear (a fim de obter mais azeite e após uma primeira prensagem, as ceiras eram retiradas e caldeadas com água quente, sendo de novo colocadas na prensa para serem espremidas de novo), também o trabalho dos lagareiros e o pagamento ao dono do lagar eram feitos do próprio azeite obtido. Este último pagamento designava-se de “poia”. No lagar havia também uma talha para onde todos davam uma pequena quantia de azeite para o “Santíssimo”, inicialmente destinado à iluminação da igreja do Colmeal e posteriormente, com a evolução para as velas e luz eléctrica, destinado a ser vendido e a angariar fundos para a mesma igreja. Aquela talha (pequeno pote) integra hoje o espaço museológico do Soito, por doação do actual proprietário do lagar, que funcionou até há cerca de cinco anos atrás. O azeite era transportado para a aldeia em bilhas de lata ou em odres (recipientes feitos em pele de cabra), sendo então guardado em potes de barro. Para além do tempero, o azeite, a par da banha de porco e naturalmente do sal, era também usado para conservar os alimentos durante o ano inteiro (sobretudo o queijo e algumas partes do porco), uma vez que o Soito só teve luz eléctrica a partir de 1979. António Duarte – Comissão de Melhoramentos do Soito

3 comentários:

Anónimo disse...

De facto este texto, bem como os outros que o António Santos refere, não passam de pequenos contributos que então se destinavam a fornecer informação a um argumentista profissional, para que este pudesse escrever uma espécie de guião que servisse de base a uma breve representação teatral alusiva à nossa freguesia, no âmbito das comemorações dos 80 anos de regionalismo no Concelho de Góis.
Porém, e por motivos diversos, a citada representação teatral inicialmente prevista foi substituída por um poema alusivo ao regionalismo, pelo que aqueles textos não tiveram a utilidade inicialmente pensada.
Compreendo a intenção do António Santos ao iniciar a sua publicação, que terá sobretudo o efeito de trazer à memória e consequentemente passar a escrito, estas e muitas outras tradições da nossa zona que apesar de muitos recentes, ou ainda existentes em pequena escala, se perdem rapidamente devido à quase extinção das actividades agrícolas, bem como à utilização de novas tecnologias nas situações residuais em que tais actividades ainda persistem.
De qualquer das formas devo referir que, para este efeito, não fiz qualquer tipo de recolha de informação, tendo-me limitado a passar a escrito, de uma forma muito breve e sem quaisquer preocupações literárias (uma vez que nunca houve a intenção de publicar os referidos textos), aquilo que são as minhas memórias vivas, uma vez que nasci na Freguesia do Colmeal e aqui vivi até aos 15 anos de idade.
Face ao exposto apresento desde as minhas desculpas aos possíveis leitores pelo pouco cuidado evidenciado ao nível da escrita, bem como por possíveis incorrecções ou pela falta de profundidade com que os temas são abordados, sugerindo, à semelhança do que refere o António Santos, que esta publicação seja um oportunidade, para a recolha de novos contributos sobre estas e outras tradições que caracterizaram ao longo de muitos séculos os modos de vida das nossas aldeias.

António Duarte

Anónimo disse...

Para além das aldeias referidas, neste lagar fazia-se também o azeite dos casais vizinhos do Vale da Presa e da Foz de Belide, que apesar de pertencerem à freguesia de Fajão tinham grandes ligações à freguesia do Colmeal (Carrimá, Malhada e Soito).
Seria também interessante perceber porque esta ponte, junto ao lagar de chama ponde de "Ceiroco", quando a mesma atravassa a ribeira de Carrimá.
Provavelmente esta ribeira, por ser um dos mais importantes afluentes do Rio Ceira, ter-se-à chamado Ceiroco nos tempos antigos.
Ainda hoje, sobretudo de Verão, o caldal do do rio cresce cerca de 1/3 a partir da foz desta ribeira.
A água para fazer mover este lagar era captada na ribeira, ao fundo da enconsta da Malhada, percorrendo uma levada de mais de 1km, que também dava para regar algumas propriedades, sobretudo dos naturais de Carrimá.

Anónimo disse...

Ceiroco, um pequeno "ceira", tem lógica.

Esta ribeira, que agora chamamos de Carrimá, é alimentada por duas outras: a de Belide e a do Ceiroquinho (mais pequeno que o Ceiroco, as quais seriam afluentes do tal Ceiroco.