2. A colheita e o acondicionamento do milho
Como em todas as aldeias da nossa zona, o milho era o cereal predominante sendo semeado entre Março e Maio e colhido entre a Setembro e Outubro, sendo que estas datas estavam associadas à natureza das terras, em que as de sequeiro eram, naturalmente, aquelas em que as sementeiras e as colheitas ocorriam mais cedo (que produziam o milho temporão), ao passo que os lameiros eram aquelas em que as sementeiras e colheitas corriam mais tarde (que produziam o milho mais serôdio).
Após a colheita, era feita a “escapelada”, que consistia na retirada das “capas” que cobrem as espigas, o que em boa parte das zonas do país se designa de “desfolhada”, trabalho este que era feito quase sempre de forma colectiva, à semelhança do que ocorria com a “debulha”. Num dia “escapelava-se” ou “debulhava-se” o milho de um vizinho, noutro dia o do outro e por aí fora.
Na ausência de máquinas (só mais tarde alguns agricultores mais abastados possuíam pequenas debulhadoras), a debulha tinha duas partes distintas: na primeira o milho era colocado num monte e “malhado” com paus duros de azinho e outras madeiras da zona, a fim de que por essa forma fossem extraídos a maior parte dos grãos. Este trabalho era sobretudo feito por homens. Após esta fase era necessário passar espiga a espiga a fim de retirar os grãos que não tinham sido extraídos com a “malhada”, tarefa esta que era feita directamente com as mãos ou com a ajuda do que restava de uma espiga já sem grãos (casulo).
O trabalho colectivo custava menos e era mais animado, juntando novos e velhos, havia cantorias, contavam-se anedotas às vezes petiscos e histórias de namoriscos, ou o desvendar de alguns segredos, por vezes inconvenientes.
Nas aldeias escondidas na serra, sem luz eléctrica e actividades de divertimento, estes momentos seriam sem dúvida dos mais desejados pelos mais jovens, para alguns encontros tolerados, uns cruzar de pernas ou mesmo uns beijos no escuro quando, por qualquer motivo, muitas vezes voluntário, se apagavam as ténues luzes de azeite ou petróleo, então utilizadas.
O aparecimento de espigas de milho de cor rara, entre o azul e o roxo, que na zona designamos de “xi-coração”, mas que noutras zonas é também designado de “milho-rei”, era também uma oportunidade para brincadeiras entre os participantes nas debulhas, muitas das vezes aproveitada para proporcionar a troca de beijos e outras carícias entre rapazes e raparigas.
Debulhado o milho, era necessário levantá-lo ao vento a fim de eliminar as impurezas, sendo posteriormente estendido, ao sol, durante vários dias, em mantas de farrapos e “toldos”, a fim de obter uma secagem adequada à conservação e à aquisição da dureza própria para o processo de moagem.
Após a secagem o milho era guardado em arcas de madeira até à colheita seguinte, de onde ia sendo retirado à medida das necessidades para o fabrico de farinha ou para a alimentação dos animais.
Para além do fabrico da broa e da sua utilização para a alimentação animal, o milho tinha também vários usos culinários, de que se destacam os carolos, as papas de milho, os nabos com farinha, etc.
António Duarte – Comissão de Melhoramentos do Soito
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