27 fevereiro 2009

Recordando uma ida ao Colmeal

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Já lá vão 40 anos. Era eu uma criança e fiz um longo percurso a pé. E carregado. O Colmeal terá sido até então a maior distância a que me havia deslocado a partir do meu «reduto» natal. E para quem foi já até ao fim do mundo, não pode deixar de sentir uma certa curiosidade em recordar a sua primeira aventura, para além daquela linha de montanhas que limitava o horizonte geográfico do seu mundo de criança. Recordo, não apenas por curiosidade, mas também com aquela saudade que se liga a tudo que nos fala da juventude, o longo e penoso caminho que percorri com a minha mãe e o meu irmão, naquela «importante viagem de negócios», em que ainda se usava o processo da troca directa, sem necessidade de dinheiro. Sei que havia frio de rachar, como é sempre natural em Janeiro. Estávamos a 20, e no Colmeal era dia de festa, em honra de S. Sebastião, com distribuição do «Bodo» tradicional. À tarde, no largo da povoação, a festa animou, com um grande baile. E creio que não faltou uma cenazita de ciúmes, ou ajuste de contas – sempre tradicionais nas nossas romarias beiroas.
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Lá no meio das serras, no limite em que se tocam os concelhos de Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra, o Colmeal era uma terra distante e isolada. Não havia automóvel que lá chegasse, nem melhoramentos públicos, mesmo os essenciais à vida das nossas aldeias serranas, por lá eram conhecidos. O Colmeal, como tantas outras localidades da nossa Beira, vivia na santa paz do isolamento e da ignorância dos séculos que passavam sobre elas. E nem faltará quem afirme que eram mais felizes assim… Mas a vida não pára e o mundo não pode adormecer. As aldeias serranas, como parte integrante da Nação que se quer moderna e progressiva, têm que partilhar igualitariamente dos proventos e direitos de toda a comunidade. Mas quem as arrancou à letargia? Quem disse que têm direitos e que querem viver dignamente?
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Quando eu, ainda criança, me aventurei por terras do Colmeal, subindo pela Ribeira de Celavisa, serra fora até ao Sobral, já os colmealenses residentes em Lisboa haviam fundado uma colectividade regionalista, com o fim de unir esforços que melhor permitissem tomar uma acção conjunta de defesa, não apenas do Colmeal mas também das restantes localidades da freguesia. As possibilidades seriam poucas, mas as necessidades eram muitas. Daí, que fosse difícil levar em pouco tempo a cada aldeia um pouco do muito que elas necessitavam. Mas a bandeira ia-se agitando e o movimento ia tomando força. Outras colectividades surgiram, todas da mesma raiz e eivadas dos mesmos propósitos para fazerem da freguesia do Colmeal um exemplo muito digno no movimento regionalista da Comarca de Arganil. Força de vontade para isso não faltava. Para além do que fazem directamente, as colectividades pedem, lembram, protestam, exigem, com todo o direito que lhes assiste. Hoje, à distância de 50 anos, a obra conseguida é motivo de orgulho – de agradecimento que a nação ainda não fez, nem ao menos reconhecendo sem grandes complicações burocráticas essas colectividades como instituições de utilidade pública. Para o isolamento em que viviam, no meio da serra agreste, a estrada, o telefone, a assistência na saúde e na velhice, eram naturalmente ambições muito legítimas porque então se lutava. Hoje, ao fim de meio século, ainda nem tudo está inteiramente solucionado. Como o não estará nunca. Mas tem-se feito muito. E não se pode parar. Jovens colmealenses que se fizeram velhos e viviam a sua acção continuada por outros jovens, transmitindo de geração em geração o mesmo ideal, têm-se empenhado a fundo em dar vida e continuidade à sua União Progressiva. Que saibam continuar a transmitir aos seus sucessores essa mesma vontade e determinação, para que o movimento regionalista dos colmealenses continue a ser digno dessa generosa e respeitável plêiade de homens, naturalmente modestos e rudes, que lhes legaram tão nobres exemplos.
ANTÓNIO LOPES MACHADO (Redactor de A COMARCA DE ARGANIL)
in Boletim “O Colmeal”, Nº 175, de Julho/Agosto de 1981 Mais de um quarto de século entretanto passou sobre esta “crónica” de António Lopes Machado e como ele escrevia “ainda nem tudo está inteiramente solucionado”. A. Domingos Santos

1 comentário:

Anónimo disse...

E não há ninguém que queira recordar uma sua ida ao Colmeal?
Se calhar há...