Propriedades outonais materializadas, igualmente, nas flores e frutos primaveris e estivais que teimam em desabrochar, mais requintados ou desenxabidos, tanto na beleza como no aroma e sabor. Entre outros, é o caso das roseiras, da segurelha – tempero da chanfana de florinha azul minúscula -, das sécias e dálias, dos amores-perfeitos-silvestres, mais que perfeitos e encantadores! No campo das comestíveis sobressaem o fisális e os morangueiros e, no dos matos, a “magurice” (calluna vulgaris). Recém-regressada da destruição que sofreu, esta urze, também chamada ponteira, floresce tarde, avermelhada e agridoce, como o mel para que contribui, através do labor árduo das abelhas.
Finalmente, o outono, tempo maior
de maturidade, generosidade e abundância. Refletidas nas colheitas que vemos pela
janela da televisão e, por aqui, na infindável quantidade de mimos e promessa
deles que ornamentam as espécies recuperadas do incêndio de há três anos. No
campo das hortícolas destacam-se as várias aboboreiras, no das oleaginosas, os
girassóis. Estes são plantas majestosas, de flores extrovertidas que, a
determinada altura, abandonam o sol que as atraía, para se inclinarem cabisbaixas
sobre o solo. Imagina-se que o façam para proteger as sementes deliciosas dos
gulosos que as cobiçam! Debalde! Avidamente, os passaritos devoram-nas, usando
para o efeito complexas e perigosas acrobacias. Nelas são exímios o chapim-real
(o azul e o rabilongo ainda não reapareceram), o pintassilgo, o verdelhão e,
este ano, até um pica-pau-malhado ou peto. Tendendo esta última ave para ser
insetívora, sugeria um amigo que pode estar a tornar-se vegetariana, na senda
da opção de muitos, por razões de saúde e ambientais.
Enfim, uma enorme e fascinante diversidade em transformação, a natureza e a singeleza (também do texto) no seu melhor! Só falta mesmo revestir-se da sinfonia de cores que fará silêncio no inverno, para ressoar na primavera.
Não quis falar do outono da vida,
da nossa. Mas, sobre ele, dizia o poeta e cardeal José Tolentino de Mendonça
que (…) não é, portanto, o fim da
história. Se o soubermos agarrar, é sim um ponto de partida avançado, que nos
permite essa coisa urgente que é a "transfiguração" da vida, através
de um paciente e esperançoso trabalho interior (https://www.snpcultura.org/paisagens_sonata_de_outono.html).
Lisete de Matos
Açor, Colmeal, outubro de 2020.
5 comentários:
Para além da lição de botânica e de vida do campo, uma série fantástica de fotografias.Até o verdelhão, que não vejo há anos, por lá anda, junto com a felosa, o chapim, as castanhas e a segurelha, as sécias e as dálias, e o pintassilgo com girassol, ou será o inverso? Que maravilha!
Curiosa a evolução fotográfica do "tertulho" envergonhado.
Interessante e cuidada a referência às aves residentes e temporárias que se vão adaptando às condições climatéricas.
Fantástica pela diversa procura - pintassilgos, chapim-real, verdelhão e o pica-pau-malhado, trabalhando sem rede, na recolha das sementes e do que elas contêm. Com tanta procura há que aumentar a oferta no próximo ano.
As grandes alterações ambientais que se têm verificado e a frequente falta de respeito pelo meio envolvente - fogos florestais e o excesso de eucaliptos levando muito rapidamente à desertificação, obrigam estes pequenos seres, que vão regressando às nossas serras após Outubro/2017, a adaptarem os seus modos de vida e de subsistência.
Magnífica a recuperação dos castanheiros e dos ervideiros, uma riqueza nem sempre aproveitada convenientemente, pelos difíceis acessos e pelos outonos acumulados dos poucos residentes/resistentes.
Excelente o texto e as fotografias.
Muito obrigado Lisete.
É animadora, essa capacidade de regeneração da Natureza, depois da irresponsabilidade e ingratidão dos humanos!
Tantas aves... que bom sinal - é porque têm alimento e confiam estar por aí em segurança! Pois se a observadora até as distingue e lhes conhece o nome e hábitos... que mal lhes poderia acontecer?
Fico sempre fascinada com as suas crónicas que nos permitem ver, com olhos amorosos, a evolução da nossa serra ao sabor das estações do ano.
Bem-haja, Lisete!
Deonilde Almeida
"Ver com olhos amorosos". É isso que procuro e é preciso para restabelecer o equilíbrio entre o homem e a natureza que o abriga. Obrigada a todos. Tudo de bom.
Lisete de Matos
Lindíssimo! Fotografias fantásticas com comentários ainda melhores sobre botanica e fauna. So me apetece ir para aí...
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