06 abril 2020

BELEZAS E RIQUEZAS DA SERRA. SINAIS: AÇÃO HUMANA E ESPÉCIES DA FAUNA


Aproximava-se a primavera e, com ela, o tempo das caminhadas e passeios a pé. Caminhadas e passeios cujo sentido depende de quem caminha e de os objetivos com que o faz. Caminhar por gosto ou desgosto, evasão ou reencontro, razões de saúde ou convívio. Caminhar na natureza e por amor à natureza, desfrutando da beleza sempre diferente, da presença e ausência, do visível e invisível que ela nos proporciona. Ausente e invisível visíveis em sinais, marcas eloquentes não raro efémeras de realidades conhecidas ou desconhecidas!

São alguns desses sinais que tinha a intenção de partilhar. Depois, a normalidade desvaneceu-se, a devastação e a aflição instalaram-se, a ideia perdeu-se. Até pensar que, no contexto individual e coletivo de sofrimento, risco e vida suspensa em que nos encontramos, caminhar apenas virtualmente é um mal menor. É mesmo um privilégio que as tecnologias nos permitem. Acresce que rever os sítios onde enraizamos poderá ser uma forma de mitigar a saudade que temos deles e uns dos outros. E assim retomei os ditos sinais, também como contributo para estarmos juntos e virmos a casa ficando em casa. Na esperança inerente ao slogan “haverá tempo para voltar a desfrutar”. Entretanto, a primavera desabrocha colorida e melodiosa, os caminhos aguardam passos leves que os despertem, o espírito dos lugares permanece inspirador!

Como habitualmente, os sinais e vestígios a que aludo resultam da minha própria observação e alguns nem os sei interpretar. Mas alguém saberá e quererá partilhar esse saber, porque amar e preservar implicam conhecer.

Trata-se de observações não exaustivas sobre dois campos: um relativo às transformações que o homem – o atual e os nossos antepassados – impôs à natureza para dela sobreviver, na interdependência nem sempre harmoniosa da existência partilhada; outro relacionado com algumas espécies da nossa fauna.

As primeiras são transformações que continuam a humanizar a paisagem e a imbuir os sítios de memória, testemunhando o engenho e a tenacidade das pessoas, a sua história e os seus modos de vida. Juntamente com as atividades e práticas - usando ferramentas simples no passado e sofisticadas no presente -, estas estruturas integram todo um notável sistema de subsistência trabalhosa. Através delas, podemos sentir a presença dos que ao longo do tempo povoaram os lugares por onde passamos.

Quanto à fauna, o que procuro é mostrar alguns indícios da passagem recente ou da presença invisível de animais que dificilmente deixam ver-se. Só por descuido o fazem e apressam-se a desaparecer! São poucas as situações, mas quem dá o que tem …!

A maior parte das observações foi feita antes de o incêndio de 15 e 16 de outubro de 2017. Do património construído que ardeu restam as ruinas, para já, a natureza e a biodiversidade ainda não recuperaram totalmente. Nestas circunstâncias, falar delas no presente através dos registos, é um modo de exorcizar a ocorrência e de convocar o futuro. É acreditar e agir em conformidade com a renovação sustentável da vida na serra. Agora, com a necessária e rápida renovação da vida no país e no mundo. É exigir que a profecia (Robert K. Merton) se cumpra por si própria, como costuma acontecer nos planos social e económico. Solidários, somos um só, o homem, os homens, as mulheres e a natureza, na multiplicidade das suas valências. E, se semear é uma opção, colher o que se semeou (ou não) é incontornável.





























Santa Páscoa, votos de muita saúde.

Lisete de Matos

Açor, Colmeal, 4 de abril de 2020

2 comentários:

António Santos disse...

“A primavera desabrocha colorida e melodiosa, os caminhos aguardam passos leves que os despertem” assim se refere a autora. A caminhada anual da União prevista para 2 de Maio teve que ser cancelada pelos motivos óbvios que a todos condicionam. “Caminhar na natureza e por amor à natureza”, perceber que há o antes e o depois de 15 e 16 de Outubro de 2017, apreciar as serras moldando a paisagem que guarda vestígios da acção do homem, do regionalismo, as veredas rasgadas muitas das vezes pelos pés descalços e calejados, as estradas, os estradões que tanto a desfeiam, as eólicas quais Dons Quixotes girando à procura das suas Dulcineias, os cômbaros, os currais e os palheiros ou o que deles ainda resta. Colmeias, que nos permitem recordar o antigo, tão estranho para os mais novos, habituados já às novas construções geométricas e práticas do estilo nórdico. Os poços (alguns perigosos por não terem qualquer protecção), as mós encostadas já sem préstimo mas que recordam o seu trabalho, rodando na sua melodia de uma nota só, transformando o grão em farinha, as pontes que encurtaram distâncias, as escadas feitas com as engenharias de quem delas precisava, os pontões de pedra ou de madeira, trabalhos hercúleos feitos por mãos duras e inconformadas. “Proibido vazar lixo”, um aviso de difícil compreensão pelo que de contrário se verifica. Os nossos avós, sem avisos e sem instrução eram mais respeitadores do ambiente e da natureza. As alminhas, os marcos, a caça furtiva. Muito curiosa a parte do texto dedicada à fauna que os fogos quase dizimaram e que muito lenta e dificilmente vai dando ténues sinais de retorno. Cara Lisete de Matos um OBRIGADO GRANDE nunca chegará para lhe agradecer.

Anónimo disse...

Diz algures, no seu texto, que "só se ama o que se conhece".
O seu conhecimento dos lugares, dos caminhos, das pedras, das plantas, dos animais, das práticas, das crenças e temores antigos... tanto saber que aqui tem divulgado, partilhando connosco todo esse património temperado de afectos, vai-nos permitindo conhecer melhor esse chão que alimentou os nossos antepassados e isso faz-nos tão bem à alma!
Bem-haja, Lisete!

Deonilde Almeida