26 fevereiro 2018

AINDA AS TELECOMUNICAÇÕES



A propósito de uma ocorrência triste verificada para os lados da Sertã, a Altice terá afirmado ter já reposto o serviço de telefone fixo, em mais de 99% do universo afetado pelos incêndios de outubro. Passados quatro meses, ainda assim duvido da afirmação, por experiência própria e pelo que me dizem. Mas, a ser verdade, resta saber em que condições. 

Em Açor e Ádela, na União de Freguesias de Cadafaz e Colmeal, apenas ontem, dia 22 de fevereiro, fomos visitados por um conjunto de brigadas da MEO. Chegaram de rompante, em vários carros, sem aviso ou simples contacto prévio, a propor aos clientes a instalação de telefone por satélite. De telefone, mas não de internet, mediante recuperação de uma solução tecnológica aparentemente em vias de extinção. O próprio equipamento – um caixotão enorme e, lá fora, uma antena gigantesca e um cabo grossíssimo, que muito desfeiam o que já não estava bonito - será uma reutilização de equipamentos substituídos, nomeadamente no Alentejo, onde serviam o povoamento disperso. Um investimento razoável, pelo menos em mão-de-obra, já que as equipas, gente muito simpática, vieram de Coimbra, mas sobretudo do sul do país. E a fibra ótica aqui tão perto, a 6 Km para o Colmeal e 10 para a Selada das Eiras!

Aceitei a proposta, mesmo sem informação sobre eventuais alterações contratuais. Tendo eu andado a reclamar da incomunicabilidade em que nos encontrávamos, inclusive para a ANACOM, não me pareceu legitimo recusar, tratando-se, embora, de uma resposta incompleta, face às minhas necessidades e ao pacote contratado. Mas com a intenção de rescisão, caso o fornecimento de internet não se verifique a curto prazo.

Serve esta narrativa simultaneamente pessoal e coletiva, para partilhar a preocupação com os indícios de agravamento das assimetrias a que estamos a assistir, contrariamente às expetativas criadas na sequência dos incêndios. Assimetrias entre cidadãos e territórios, inter e intraregionais e locais. Poderia dar vários exemplos, mas fico-me pelo aceso à internet, que é hoje um direito e um bem essencial, aliás apropriados, como agora se viu com a resistência das pessoas à aceitação do serviço de telefone sem internet. 

Quando se fala da cobertura do país com fibra ótica, mas depois há localidades que ficam a descoberto, como sem uma simples rede wifi, o que é se não promover a desigualdade de oportunidades e a discriminação de populações, a intensificação do isolamento e da descoesão social já existente? 

Por definição, as empresas são entidades que prestam serviços, visando o lucro, e contribuindo para o desenvolvimento dos países. Desde que no respeito pelas práticas e valores comummente aceitas, é o que delas se espera. Já dos poderes instituídos … Como é que fica o seu discurso sobre as medidas de discriminação positiva que é preciso tomar para revitalizar e dinamizar o interior, atrair e fixar residentes, superar o despovoamento, que sufoca os meios urbanos e provoca incêndios nos rurais? Quando não é fácil atrair e fixar empresas sustentáveis e profissionais qualificados, porque não começar por assegurar as condições infraestruturais para tanto necessárias, passando das palavras aos atos, paulatinamente, pouco a pouco acionando sinergias? 

Entre outros fatores, que aqui me dispenso de mencionar, o repovoamento e o futuro dos territórios socialmente deprimidos também passa pela possibilidade de trabalho a distância e interação global, bem como pela valorização do património material e imaterial suscetível de alavancar as diferentes formas de turismo. Sem telecomunicações aceitáveis, nomeadamente internet e redes móveis, como fazer isso? Quererá alguém vir viver para as aldeias? Sentir-se-ão os visitantes seguros e confortáveis? Continuarão os amantes da sua terra natal ou de origem a vir de férias e nos fins de semana? Quererão algum dia regressar? E os seus filhos e netos? 

Lisete de Matos 

Açor, Colmeal, 23 de fevereiro de 2018

1 comentário:

Unknown disse...

Cara Dra Lisete, quero exprimir o meu total apoio e agradecer o excelente texto que partilhou connosco neste blog. Luisa Costa