22 setembro 2015

ALMINHAS DO COLMEAL: ADITAMENTO


Muito tempo, preocupações e almas passadas sobre as alminhas, que também ameaçam passar, enquanto por elas passamos apressados, é chegado o momento de voltar ao assunto. A promessa, feita quando da publicação de “Alminhas do Colmeal” [i], baseava-se na expectativa, por um lado de vir a receber informação adicional, por outro de ver reparadas as que o precisam, enquanto componente essencial do património cultural e construído. 

No plano da preservação, logo na altura, foram pintadas as alminhas à entrada do Carvalhal e reparadas as do Colmeal, factos a que aludimos, em comentário, no blogue da União Progressiva da Freguesia do Colmeal. Entretanto, tanto quanto nos foi dado perceber, também foram pintadas as da Foz da Cova e Malhada. Em geral, visitadas mais uma vez, as alminhas do Corredoiro, no Carvalhal, continuam comoventemente cuidadas, as mais recentes, apresentáveis e as mais antigas, em degradação acentuada. Acresce a vegetação, que esconde umas de nicho e dificulta a entrada noutras de capela. Há flores em plástico que foram substituídas, naperons e vasos que foram adicionados, o que revela devoção e interesse ativos. 

No plano da informação complementar, passo a referir os três importantes contributos que recebi e agradeço. 

De acordo com a D. Silvina Nunes, do Colmeal, existiram umas alminhas por cima da primeira curva, a seguir ao cruzamento para o Soito, Malhada, etc., em sentido ascendente. Não consegui localizar os vestígios destas alminhas, mas admito tratar-se das que são referidas no texto como estando no antigo caminho para o Carvalhal, num sítio chamado Riqueijo. 

Segundo José Brás Vitor, de Aldeia Velha, as alminhas antigas existentes na entrada da povoação, apenas foram mandadas reparar pela tal Prazeres. Já existiam e esta cidadã mandou-as rebocar e dotar com aquele telhado em cimento. Esta informação vem acrescentar antiguidade ao monumento e, consequentemente, urgência na sua preservação. Recordo que estas alminhas são as únicas, no território da ex freguesia do Colmeal, que mantêm o retábulo pintado em madeira, metaforicamente mostrando, entre outros elementos pictóricos, uma alma a levantar os braços suplicantes …

Generosamente, na sequência da informação com que então nos enriqueceu, Cecília Barata Monteiro facultou-nos fotografias do painel das alminhas que existiram na Póvoa da Lomba, no Carvalhal. Recordo que se tratava de umas alminhas de alpendre ou capela, construídas em xisto, conforme características da construção vernácula coeva. Antes de mostrar essas fotografias, por se tratar de umas alminhas que consubstanciavam muito bem o conceito, do ponto de vista arquitetónico e simbólico, recordo a sua história, nas palavras de Cecília Barata Monteiro.

“O referido painel do Carvalhal, pintado em madeira, parte restante de umas alminhas que há muitos anos existiram na Póvoa da Lomba, representa o nascimento de duas gémeas, avó e tia-avó do meu pai, Manuel Martins Barata. Guardo-o, porque estas gémeas são as que, na família, nasceram antes dos meus filhos gémeos, o Vasco e a Margarida. O homem também representado, meu trisavô e pai das miúdas, fizera a promessa de construir no Carvalhal umas “alminhas”, junto a uma das suas propriedades, se ambas se salvassem. Assim aconteceu e foi já o filho de uma delas que mandou construir um pequeno espaço de apoio às pessoas que regressavam a casa depois de um dia de trabalho no campo. Numa das paredes aplicou o painel que se mantivera na família. Aí rezavam enquanto descansavam. Desde miúda habituei-me a passar por ali, nas férias de Verão, e o meu pai contava-me o que dera origem àquela pequena construção. Muito mais tarde, nasceram os meus gémeos e, mais ou menos na mesma altura, fomos encontrar a tábua caída, no meio das pedras, pois com o tempo e com a abertura de um estradão a pequena construção desmoronara-se por completo. Há diferentes formas de preservar a nossa história, pessoal e colectiva. Limitei-me a guardar algo que pertencia à história da minha família e, assim, também preservar um exemplo da história cultural da aldeia onde o meu pai nasceu e onde eu sempre gosto de regressar. Se se criar um pequeno museu no Carvalhal cedê-lo-ei com todo o gosto.” (23 de julho de 2013 às 17:16. http://upfc-colmeal-gois.blogspot.pt/2013_07_01_archive.html.





Conforme pode ver-se, trata-se de um painel muito simples, em sintonia com a mais genuína tradição em matéria de alminhas. Mostra Cristo crucificado, tendo do Seu lado direito um berço com as gémeas e do lado esquerdo, de mãos erguidas, uma figura masculina, representando, de acordo com a Cecília, o pai das meninas, que fez a promessa. Estas figuras ocupam o lugar dos clássicos anjos auxiliares. Na base, envoltas em chamas (?), veem-se duas figuras masculinas e três femininas, também elas à direita de Cristo. Uma das figuras masculinas junta as mãos sobre o peito, a outra, de tronco nu, levanta os braços, parecendo ter alguma coisa nas mãos. Das três figuras femininas, uma esconde o rosto num grande pano, provavelmente chorando e sendo consolada por outra. Será que estas figuras também representavam pessoas concretas? Em letras maiúsculas, consta a habitual inscrição: PELAS ALMAS P.N. A.M.. As tentativas de estrela de David/cinco saimão que se veem são meras marcas de vandalismo.

Gostaria de terminar com a ternura desta história e a beleza singela destas imagens. Mas devo fazê-lo dizendo que temos mesmo de acudir às alminhas, para que elas nos acudam a nós: no presente, falando da nossa devoção ou cidadania, através da sua preservação e arranjo; no futuro, assegurando-nos a gratidão dos vindouros e a felicidade durável que merecemos.
 
Enquanto componente do património e desde que enquadradas em planos mais amplos de desenvolvimento, as alminhas configuram um fator de sustentabilidade económica relevante. Enquanto tal, imagino que a sua preservação possa ser objeto de financiamento, no âmbito dos programas que apoiam a conservação e a valorização do património rural ou as atividades de turismo. Uma parceria autarquia/comissões de melhoramentos seria, para tanto, o ideal. Como ideal será uma preservação que respeite a diversidade e a memória - da devoção, das épocas e das pessoas -, sendo de evitar situações como aquela a que em tempos aludi, a propósito de um lavadouro [ii].

Lisete de Matos

Açor, Colmeal, 27 de agosto de 2015.




[i] Varzeense, de 22 jul. a 15 nov., 2013; http://upfc-colmeal-gois.blogspot.pt, de 22 jul. e 24 set., 2013; http://goismemorias.weebly.com/alminhas1.html.

[ii] http://upfc-colmeal-gois.blogspot.com, de 4 jul., 2011; Jornal de Arganil, de 7 jul., 2011; A Comarca de Arganil, de 21 jul., 2011.

1 comentário:

Anónimo disse...

— Maravilhoso... Nunca pensei que alguém, um dia, viesse a escrever sobre este tema... Obrigado Lisete, pela tua constante preocupação em preservar o máximo do que ainda resta, do tanto já perdido relacionado com a cultura e os “usos e costumes“ da nossa região!!!

Parabéns!!!

Armando Almeida, (Açor, Colmeal)