15 abril 2012

A broa da minha vizinha é melhor do que a minha



A broa há muito que deixou de constituir a base da alimentação.
Vários factores contribuíram para isso: a falta de posses para cultivar a terra ou ir ao moinho, a disponibilidade económica resultante das pequenas reformas ou do aumento dos salários, a adesão a novos valores e formas de alimentação, o facto de se vender pão na aldeia uma vez por semana.
Apenas duas pessoas cozem, de vez em quando.
Bem esfalhocada, a broa tem, hoje, o sabor a novidade e a luxo que tinha antigamente a fatia de pão que se comia, gulosamente, nas quintas-feiras em que se tinha ido às compras a Arganil.
A broa cozia-se mais ou menos de oito em oito dias. Nos fornos pequenos cozia apenas uma pessoa, nos grandes, a cozedura era colectiva, chegando a juntar-se três ou mais pessoas. Quando a broa acabava e não havia tempo para a cozer, pedia-se uma emprestada.
Para fazer a broa, fazia-se o crescente no dia anterior, misturando no malgão, as sobras da última cozedura, também chamadas crescente, com uns dois quilos de farinha e água morna.
Para confeccionar aí umas oito broas, misturavam-se, na gamela de madeira, meio alqueire de farinha previamente peneirada, com o crescente, água morna, sal e uns punhados de farinha triga ou centeia que constituíam a mistura. Só com farinha de milho a broa ficava muito arroladiça. Mas havia quem não lhe misturasse nada, ou porque não podia ou precisamente para se comer menos e fundir mais. Guarda que comer, não guardes que fazer.


Amassava-se muito bem, com as mãos. Uma vez amassada, limpavam-se as bordas da gamela, espalhava-se farinha por cima e fazia-se uma cruz, rezando: Deus te acrescente e Deus te abençoe.
Tapada com um pano branco e limpo, a broa ficava a fintar à fogueira. O tempo de fermentação dependia do crescente, mas andaria por volta de uma hora.
Quando acabava de se amassar, ia-se aquecer o forno, sendo a lenha mexida com o mexilhão. Logo que estivesse quente, em princípio, a massa também estava finta. Se, por acaso, a massa ficasse finta antes do forno estar quente, tinha de se amassar de novo e de lhe juntar mais um bocadinho de farinha para não azedar. Se a massa não estivesse finta, tinha de se esperar que fintasse e ir metendo mais uns braçados de lenha no forno para não perder a temperatura.
Massa finta e forno quente, varria-se primeiro com o barredoiro, para retirar as brasas e, depois, com o vassoiro, para retirar a cinza. O barredoiro era uma espécie de rodo, o vassoiro, um braçado de mato verde, em geral moiteira, que se enfiava no mexilhão.
Tendia-se, então, a massa com o malgão enfarinhado. Tinha de se saber dar-lhe bem os balanços, se não atirava-se com a massa para o chão. Uma a uma, com a pá, iam-se botando as broas no forno. Idealmente deveriam ser duas pessoas, uma para tender e outra para botar.
Cozer a broa era tarefa especialmente das mulheres.
Por vezes, deixava-se alguma massa para fazer umas broas mais pequenas. Misturando-lhe cebola e azeite chamava-se broa de cebola, misturando-lhe bocadinhos de presunto ou chouriço broa de ciscos. Para o pastor faziam-se merendeiras com uma sardinha lá dentro, quando a havia. Sete merendeiras para os sete dias da semana e ficava feita parte do seu farnel.
Finalmente, limpavam-se as paredes da gamela com farinha e fazia-se uma bola que se guardava no malgão, como crescente para a próxima cozedura.
A broa cozia-se em três quartos de hora, desde que o forno estivesse bem quente, mas não em excesso, se não a broa saía a parecer que não pagou as bulas.
Depois de cozida, guardava-se na loja, o lugar mais fresco, sobre uma tábua suspensa do tecto, para que os ratos a não roessem.


A maioria das pessoas tinha forno próprio, umas vezes um forno para uma só família, outras para diversas. As pessoas que o não tinham recorriam ao de um vizinho. Levavam a lenha para aquecer o forno e deixavam a borralha em paga.

in “Gente da Serra - Do seu Quotidiano e Costumes”, pg. 53-55
Lisete P. Almeida de Matos, 1990
Fotos de “Dos Objectos para as Pessoas”, Lisete de Matos, Junho de 2007

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