14 abril 2021

N’ O COLMEAL, TERRAS EM POESIA

Volto hoje ao boletim paroquial O Colmeal. O boletim foi fundado em fevereiro de 1960 e publicou-se até agosto de 1982. Para além da então freguesia do Colmeal, referia-se também à de Cepos, por o pároco ser o mesmo.

Conforme assinalava oportunamente (“O Colmeal e a História do Colmeal”, 9, 16 e 23 jan., 2021), nos primeiros tempos, o boletim publicava regularmente poesia, prática que ia ao encontro do gosto pelas rimas, versos e romances da literatura popular. Subordinada à mensagem, em geral, a mesma fazia parte integrante da estrutura informativo-formativa. Predominava a poesia de cariz religioso e edificante, mas havia secular, nomeadamente alusiva às diferentes aldeias. São estas “quadras”, na designação do boletim (fotos 3 e 5), que venho recordar.

As “quadras” foram reproduzidos a partir do jornal, razão que justifica a diferente apresentação. Algumas foram objeto de montagem para facilitar a leitura, constando em todas o autor e o número de O Colmeal onde podem ser encontradas. Inserem-se por ordem alfabética das terras a que respeitam, e por data, sempre que são duas ou mais.

Com esta coletânea de preciosidades telúricas, pretende-se, por um lado, enaltecer o boletim e o mérito dos seus colaboradores, por outro, contribuir para a coesão e a proximidade das localidades, que ele promovia. Lembro que este trabalho decorre da leitura dos primeiros cem números, pelo que, salvo duas exceção, não integra eventuais produções posteriores.

A poesia surge logo no primeiro número e na primeira página de O Colmeal, a anunciá-lo como expressão e presença da terra natal, numa época em que o apego às origens persistia indelével para muitos, apesar da mobilidade e das distâncias. “A nossa terra é sempre a nossa terra! Por isso, nós temo-la no coração e ela tem-nos no coração dela”! Muito bonito e significativo!

 


As “quadras” alusivas às aldeias surgem por iniciativa de autores e, só mais tarde, por estímulo e desafio do pároco, como digo no artigo supramencionado. Apontam neste sentido as situações anteriores à chegada do Pe. António Diniz, em finais de 1965 (apresenta-se no nº 63, nov., 1965 e despede-se no nº 86, outº., 1967).

A refletir a dupla inserção geográfica e social das comunidades, e a intensidade da relação entre ambas, os autores são residentes e ausentes, a maioria naturais das terras. Em linha com as dinâmicas migratórias e a realidade demográfica delas resultante, os residentes tendem para ser mulheres, os ausentes, homens. Alguns usam iniciais, outros assinam com a denominação dos naturais das localidades, pelo que nem sempre se conhece a sua identidade. A poderem-no fazer, seria interessante partilharem agora connosco essa sua experiência de criatividade, quem sabe, se escrever de novo?

Num contexto inclusivo da poesia, em que relevam autores como Clarisse Barata Sanches e A. Jesus Ramos, as aldeias aparecem com o número 50, onde um “Adelense” exprime, com grande sentimento e muito comoventemente, o chamamento da terra e a profundidade dos laços que a ela o prendem. Na altura, ainda o regresso era indissociável da partida, embora, na sua geração e por razões supervenientes, já poucos o tenham concretizado! Ádela é, de resto, a povoação mais cantada, sendo-o por ausentes, residentes e um oriundo, na autoidentificação do próprio. Aldeia Velha e Malhada também surgem duas vezes. Sem que seja por falta de poetas, há povoações omissas.

As “quadras” são eloquentes a falar da geografia e da paisagem, dos modos de vida e do destino migratório (“ …se um dia me for embora …”), da interação entre os que partiam e os que ficavam, do enlevo com que as terras eram vistas e sentidas ... Um caso, pelo menos, já revela a atual apropriação urbana das aldeias como reserva ambiental e espaço aprazível de lazer e transitoriedade. De qualquer modo, na expressão de A. Correia de Oliveira, igualmente retirada de O Colmeal, “… as saudades são olhos/ E fazem de longe perto …”.



Independentemente da estética, este labor lírico funcionou, certamente, como fator de autoestima e reforço da pertença a cada lugar, ao mesmo tempo que promovia a afirmação do conjunto que o boletim representava, agregando e aproximando. Podendo parecer contraditório, o facto é que, apesar de cada povoação se poder erigir internamente como “micropátria” [1], para fora e em contextos mais alargados, não deixava de referenciar-se à freguesia e ao concelho, se não à então chamada, e mais conhecida, região de Arganil.


Resta-me acrescentar a menção já feita no artigo anterior de que o desafio das “quadras” contribuiu, igualmente, para o desenvolvimento da participação, da criatividade e da escrita, dimensões que devem ser sublinhadas, pela importância de que se revestiam. E revestem.

É a segunda vez que me refiro a conterrâneos poetas. Na primeira (http://upfc-colmeal-gois.blogspot.pt/, 14 de dez. 2016), falava de Manuel Alves Caetano Júnior, Felisbela de Almeida Fontes, José Fernandes de Almeida e Josefina Almeida. Entretanto, estando ainda de parabéns, Josefina Almeida e José Fernandes de Almeida publicaram, respetivamente, os livros “Marcas da Vida” (LXª, 2018) e “Memórias de Poesia e de Prosa” (Lxª, 2020), enquanto Armando Jacinto de Almeida comentava no próprio blogue:


(…) A poesia é uma arte muito dotada,

Eu a escrevo, com uma alta limitação...

Mas se eu pudesse pintar, pintava,

As nossas aldeias, em forma de coração...

(…)

A terminar, encontrei um poema de Maria Antonieta F. Almeida, que me permito incluir nesta homenagem. Chama-se “Mensagem” e não alude a uma terra em particular, mas ao dever da felicidade na terra de todos nós.















 

Lisete de Matos

Açor, Colmeal, fevereiro 2021.



[1] No conceito da investigadora Maria Beatriz Rocha-Trindade: “As micropátrias do Interior português”, Análise Social, nº 98, Univ. de Lisboa/ISCTE, 1987, pp. 721-732.


1 comentário:

Anónimo disse...

Um trabalho muito interessante de pesquisa!
Esta sistematização e a análise que propõe, permitindo diversas leituras, é um recurso muito útil para compreender o sentir dos colmealenses (sentido lato) daqueles tempos tão conturbados.
A "Mensagem" da nossa Antonieta, decerto do final da sua adolescência, é especialmente comovente - reflete o seu espírito doce e generoso.
Obrigada, Drª Lisete!