Para não me repetir em
relação ao que disse em anos anteriores, recordo apenas que o Bodo é uma
celebração em louvor do mártir S. Sebastião, santo protetor da fome, da peste e
da guerra. Data de tempos idos, quando as populações prometeram todos os anos
dar um bodo aos pobres se o santo as protegesse e livrasse da peste, que as
dizimava. Concretizado o milagre, a celebração realiza-se em várias localidades
do país, envolvendo rituais e a partilha de géneros distintos, o que aponta
para a transversalidade da epidemia.
Tratando-se de um
evento que evoluiu de religioso para profano-religioso, as duas vertentes
decorreram de modo muito harmonioso e consistente. Mais cheia do que
habitualmente, a i(I)greja refulgia de contentamento e os cânticos soavam mais densos
e cativantes. Já na procissão, descendo e subindo pela rua central, era a
fantástica tessitura vocal da D. Ilda que sobressaia.
A elevada participação
de residentes e naturais ou oriundos de diferentes localidades reflete o apego de
muitos à tradição, por nostalgia ou apreço pelas funções de afirmação e convívio
que foi adquirindo. A propósito, devido à importância de que se reveste,
nomeadamente com vista à continuidade da tradição, é de assinalar a presença das
coletividades, representadas por membros dos seus órgãos sociais. Igualmente de
assinalar, é a presença no convívio do padre Carlos Cardoso, uma honra e um
sinal de disponibilidade interessante, por parte de um pároco tão sobre
ocupado.
Do alto do seu andor, S.
Sebastião presidia à festa, regozijando-se com a abundância de hoje, e
observando, compreensivo, a atração que a mesa farta exercia sobre os convivas.
Pudera! Àquela hora e com aquele frio! As filhós estavam ótimas, tudo o resto também,
dizem-me.
Entretanto, na escada
de onde assistia, valia ao Santo a companhia das crianças e jovens para quem,
felizmente, o Bodo configurará um estranho gosto e imperativo dos mais velhos.
Para alegria dos apreciadores
do seu gesto, a D. Silvina lá estava a distribuir simpatia, café quente e
bolos, alvos de grande adesão e merecido agrado. Um encanto, agora ajudada pela
Maria Cecília, sua filha! Que o possam fazer por muitos, muitos anos!
O Bodo corporiza e
reflete muitos dos traços que distinguem a Beira Serra, na dualidade da sua
formação por populações residentes mas essencialmente móveis, na existência
dividida das gerações mais velhas entre a cidade e a aldeia, o presente e o
passado, modos de vida e realidades sociais diferentes. É, assim, uma tradição
cuja evolução importa acompanhar.
Uma vez que no Colmeal o
Bodo é rotativamente oferecido pelas diferentes localidades, individualmente ou
por grupos (Colmeal, Sobral, Saião e Salgado; Ádela e Açor; Soito; Malhada e
Carrimá; Aldeia Velha; Carvalhal) no próximo ano, o mesmo será organizado por Ádela
e Açor. Até lá, repetindo-me, que S. Sebastião nos guarde das novas e
mortíferas formas de peste e guerra, das fomes de pão e de todas as outras.
Para mais informação
sobre o Bodo no Colmeal poder-se-ão reler os artigos de 2012 e 2015 em: http://upfc-colmeal-gois.blogspot. com,
11 de fevereiro de 2012; A Comarca de
Arganil, 23 de Fevereiro de 2012; http://goismemorias.weebly.com/o-bodo.html; http://upfc-colmeal-gois.blogspot.pt/2015/01/o-bodo-no-colmeal-2015.html, 24 de janeiro de 2015; O Varzeense, 30 de janeiro de 2015.
Lisete de Matos
Açor, Colmeal, 25 de janeiro de 2017
1 comentário:
Bem-haja aos que, com a sua devoção e o seu trabalho, fizeram com que a tradição se mantivesse. Que assim continue por muitos anos. E que haja quem registe, com tanta mestria, como mais uma vez aqui foi feito neste espaço, o cumprimento de uma promessa.
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