12 julho 2016

ESTRATÉGIAS


Quando a crise veio para ficar, até os melros tiveram de alterar os seus hábitos alimentares. Como dizia nessa altura (http://upfc-colmeal.gois.blogspot.pt, 12 setembro de 2009), de repente, passaram a comer trinca de arroz e outros cereais, competindo com os restantes passaritos no consumo guloso dos mimos que lhes deitava, no chão. Eles que são omnívoros, mas preferem bichitos e gostam de os procurar, esgaravatando com o bico amarelo vivo dos machos e desmaiado das fêmeas! No tempo deles, uns morangos também servem!





Entretanto, na tentativa de proteger os pássaros da voracidade astuta dos gatos, improvisei - a carpintaria não é o meu forte! - um comedouro alto, onde passei a pôr-lhes a comida. Deste modo, mitiguei a vulnerabilidade dos pardais e afins, mas reacendi a desconfiança dos melros, que deixaram de comer. Bajoujas! Como se não comessem cerejas em cima da árvore! Paradoxalmente, sendo eles que costumam ser parasitados, deram em aproveitar as migalhas que a pequenada atira ao chão, ao pousar e ao levantar voo, apressada, do comedouro exíguo. Sempre com medo de avezar de novo os gatos, deliberadamente, eu própria costumo deixar cair alguma coisa quando reabasteço o comedouro. Bastante injusto, convenhamos, considerando o tamanho dos comensais de cima e de baixo! Ou não, já que os pequenos são em muito maior número e diversidade. Como sempre!





Três anos passados, sem deixarem de preferir a terra firme, os melros perceberam hoje que, afinal, também podem usar o comedouro. Não morde, nem nada, concluíram, depois de o terem andado a observar, prevenida e atentamente, do alto do castanheiro mais próximo! Curiosamente, em época de procriação, tal como quando decidiram experimentar a trinca. O que os pais não fazem pelos filhos! 

Nas atuais circunstâncias, o recurso ao comedouro representa uma conquista para as aves, que descobriram mais uma estratégia de sobrevivência, e uma derrota para nós, que deixámos de salvaguardar o equilíbrio ambiental. 







Hoje em dia, os melros abundam nos parques e jardins tratados das vilas e cidades, onde até parecem mais sociáveis! Sem comida suficiente e, por vezes, mal-amados por esgaravatarem as hortas, não admira que também eles, imitando as pessoas, estejam em debandada das aldeias! Ainda assim, sorte a deles, que não têm de pagar impostos e usar estradas degradadas ou telecomunicações deficitárias, ir ao médico ou fazer exames auxiliares de diagnóstico a 20, 50 ou cerca de 100 km de distância, ter custos diretos e de oportunidade acrescidos, ver-se privados de saneamento básico ou água de qualidade e em quantidade, limpeza urbana, direitos …

Lisete de Matos

Açor, Colmeal, 8 de junho de 2016

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