23 fevereiro 2015

BELEZAS E RIQUEZAS DA SERRA. PÁSSAROS


Deu-me hoje para observar os pássaros que avisto da minha janela. Tudo porque me pareceu que um deles andava irrequieto e triste. Muito compreensivelmente, diga-se de passagem! Durante a noite, um qualquer bicho esperto banqueteou-se com os últimos diospiros com que ele e um apreciador humano do fruto andavam a deliciar-se.



Esgotados os diospiros e os medronhos, do que é que o passarinho vai alimentar-se até ao tempo das cerejas, próximo fruto vermelho e tenro? Não consegui perceber, depois de um dia de observação, mediada por outros afazeres. Entretanto, fui reparando, mais uma vez, nos pássaros que andam por aí. Chegam manhã cedo em revoadas contentes, e ficam até à hora do almoço no maior desassossego. Depois, acalmam ou desaparecem.


Começando pelo pisco-de-peito-ruivo, é uma ternura de ave! Parecendo um  pernalta de fraque empoleirado nas pernitas magras, chega no início do inverno, a saltitar de um lado para o outro, e a fazer vénias. Quando as pessoas cavavam a terra, acompanhava-as, comendo os bichitos que apareciam. Esporadicamente, canta em pleno inverno. Do ano passado para este, o passarito aprendeu a usar o comedouro, coisa que não fazia desde que o mesmo foi colocado na ponta de um pau, por causa dos gatos. Também me parece mais autoconfiante e destemido, já ousando bicar os outros. Estou a pensar na timidez que lhe atribuía há uns tempos (http//upfc-colmeal-gois.blogspot.com, 9 de maio de 2010 e Jornal de Arganil, de 20 de maio de 2010).



Os tentilhões continuam muito descarados e comilões. Nem se percebe como é que aves tão pequenas comem tanto. Neste tempo, fora um” pst, pst” ocasional, andam calados, o que é uma pena, pois cantam que nem Pavarotti! O apetite devorador também afeta os verdelhões (e não só!). Aos pares ou em maior número, estes pássaros esvoaçam bailados fantásticos, que tanto podem ser rituais de júbilo, como de acasalamento precoce. Mais pequenos, mas igualmente vorazes e divertidos são os chapins, uma “fofura” de passaritos. Gostam de ir comer em cima do castanheiro, de onde vão cuspindo as cascas das pevides ou outras sementes. Usam máscara como os foliões, fazendo da vida um carnaval! Hoje só vi exemplares de chapim-real, mas também costumam ver-se azúis.



O melro apareceu várias vezes. Trabalhador exímio, pode ficar horas a procurar alimento, esgaravatando e bicando as folhas para o lado. Ao contrário dos melros urbanos, que lidam bem com a presença humana, estes mantêm a atitude defensiva e a indiscrição próprias do estado selvagem. Mal veem ou pressentem alguém, voam espavoridos a gritar: “gente, gente, perigo …” Não deixam de ter razão! Certamente por causa do frio renitente, a mélroa, menos vistosa, mas igualmente diligente, não apareceu.


Sem deixar a minha janela de trabalho e recreio, ainda vi uns passaritos que me pareceram toutinegras-de-barrete ou cabeça-preta e vários dos que chamo pardais, sabendo, embora, que entre eles devem estar felosas, chamarizes e outros. Ao longe, ouvi o peto (pica-pau-malhado) trocista a rir-se e o gaio arisco a ralhar. No mato, talvez reste alguma ave de rapina, do tempo em que havia o que rapinar. Há dias, via-se uma rola e ouviam-se tordos. Dentro de algum tempo, algumas destas aves terão partido, outras, chegado. Esperamos o cuco, a poupa (http//upfc-colmeal-gois.blospot.com, 6 de julho de 2012), o rabirruivo-preto, que aqui chamavam pisco-ferreiro, o pintassilgo trapezista, a “lavandeira” ou alvéola, a andorinha-das-chaminés, a dáurica (http//upfc-colmeal-gois.blogspot.com, 17 de junho de 2011) e muitas outras avezinhas que alguém saberá identificar.











Serve esta referência à minha observação caseira de pássaros para lembrar a sua importância intrínseca e como recurso, no âmbito do desenvolvimento local e regional. Desde logo, enquanto criaturas e parte integrante dos ecossistemas, os pássaros consubstanciam, como qualquer outro ser vivo, um valor que é independente de os benefícios que possam ter para o homem. Neste sentido, são pelo menos tão importantes quanto outros componentes da biodiversidade e da cultura, na sua aceção mais ampla.

De qualquer modo, por inerência da sua condição, esses benefícios existem, sendo sabido que os pássaros contribuem de modo decisivo para o equilíbrio ambiental e o bem-estar das pessoas. Combatem pragas, reflorestam, enriquecem a biodiversidade e a beleza da natureza, a sua atratividade e capacidade de relaxamento. O potencial de fruição estética que representam para o homem justifica bem o lugar de relevo que ocupam no folclore, na mitologia, na literatura e na cultura, em geral.

É verdade que também causam alguns prejuízos, pelos quais frequentemente pagam muito caro. São prejuízos que tendem a agravar-se sempre que a produção agrícola deixa de ser suficiente para desempenhar o papel do criador. “Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros, e vosso Pai celestial as alimenta (…)” (Mateus 6:26)

Acrescem àqueles benefícios as atividades de turismo de natureza e cultural, que várias entidades públicas e privadas organizam, constituindo exemplos: a observação de aves, a sua identificação e o estudo das suas caraterísticas e distribuição; a identificação através do canto, na época apropriada; a realização de concursos de fotografia, generalistas ou temáticos; a sensibilização para a preservação; a plantação de árvores e arbustos adequados à sua alimentação e nidificação; a limpeza de terrenos com o mesmo objetivo. Estas atividades são vantajosas tanto para a avifauna, como para os territórios e organizadores. No contexto da necessária solidariedade local e regional, costumam interagir e alavancar o alojamento turístico, a restauração e outras iniciativas socioeconómicas. Tantas mais-valias, a pedirem reciprocidade!

Recurso importante e não negligenciável, os pássaros são uma das muitas belezas e riquezas da serra.

Lisete de Matos

Açor, Colmeal, 16 de fevereiro de 2015.

6 comentários:

M. Lemos disse...

Aves muito bonitas.
Parabéns pelo trabalho de observação.

António Santos disse...

Lisete de Matos já não nos surpreende com a qualidade dos seus trabalhos, a que nos habituámos pela sua excelência, mas surpreende-nos pela facilidade e pela capacidade com que aborda qualquer tema. Desta vez e voltando a um assunto que lhe é muito querido e já abordado neste espaço, ofereceu-nos um trabalho de muito interesse, de muita observação e de muito amor e carinho pelos pequenos pássaros e outras aves que ainda vão convivendo connosco.
Estamos todos de parabéns pelo privilégio de termos a Dr.ª Lisete de Matos como nossa amiga e por connosco partilhar estes belos textos.
Bem haja!

Anónimo disse...

Obrigada. Também a todos quantos têm comentado estas minhas partilhas despretensiosas, comungando das preocupações a que explicita ou implicitamente se referem.
Abraço.

Lisete de Matos
Açor, Colmeal.

maria paula ramos disse...

Depois das palavras elogiosas e merecidas do "Sr. Presidente",resta-me também agradecer à Lisete pela sua disponibilidade,pela sua sensibilidade artística
mas,sobretudo, pelo seu amor ao nosso cantinho beirâo.

Maria Paula Ramos


GraçaBrito disse...

gosto tanto de te ler :)

Anónimo disse...

É, de facto, um enorme privilégio ter a Lizete, sempre atenta ao rolar da vida nos recantos da nossa serra, dando-nos imagens lindas, envoltas em textos de grande beleza.
Aquece-nos o coração!
Obrigada

Deonilde Almeida (Colmeal)