Deu-me hoje para observar os
pássaros que avisto da minha janela. Tudo porque me pareceu que um deles andava
irrequieto e triste. Muito compreensivelmente, diga-se de passagem! Durante a
noite, um qualquer bicho esperto banqueteou-se com os últimos diospiros com que
ele e um apreciador humano do fruto andavam a deliciar-se.
Esgotados os diospiros e os
medronhos, do que é que o passarinho vai alimentar-se até ao tempo das cerejas,
próximo fruto vermelho e tenro? Não consegui perceber, depois de um dia de
observação, mediada por outros afazeres. Entretanto, fui reparando, mais uma
vez, nos pássaros que andam por aí. Chegam manhã cedo em revoadas contentes, e ficam
até à hora do almoço no maior desassossego. Depois, acalmam ou desaparecem.
Começando pelo pisco-de-peito-ruivo,
é uma ternura de ave! Parecendo um pernalta
de fraque empoleirado nas pernitas magras, chega no início do inverno, a saltitar
de um lado para o outro, e a fazer vénias. Quando as pessoas cavavam a terra,
acompanhava-as, comendo os bichitos que apareciam. Esporadicamente, canta em
pleno inverno. Do ano passado para este, o passarito aprendeu a usar o
comedouro, coisa que não fazia desde que o mesmo foi colocado na ponta de um
pau, por causa dos gatos. Também me parece mais autoconfiante e destemido, já ousando
bicar os outros. Estou a pensar na timidez que lhe atribuía há uns tempos (http//upfc-colmeal-gois.blogspot.com, 9
de maio de 2010 e Jornal de Arganil,
de 20 de maio de 2010).
Os tentilhões continuam muito
descarados e comilões. Nem se percebe como é que aves tão pequenas comem tanto.
Neste tempo, fora um” pst, pst”
ocasional, andam calados, o que é uma pena, pois cantam que nem Pavarotti! O
apetite devorador também afeta os verdelhões (e não só!). Aos pares ou em maior
número, estes pássaros esvoaçam bailados fantásticos, que tanto podem ser
rituais de júbilo, como de acasalamento precoce. Mais pequenos, mas igualmente
vorazes e divertidos são os chapins, uma “fofura” de passaritos. Gostam de ir
comer em cima do castanheiro, de onde vão cuspindo as cascas das pevides ou outras
sementes. Usam máscara como os foliões, fazendo da vida um carnaval! Hoje só vi
exemplares de chapim-real, mas também costumam ver-se azúis.
O melro apareceu várias vezes.
Trabalhador exímio, pode ficar horas a procurar alimento, esgaravatando e bicando
as folhas para o lado. Ao contrário dos melros urbanos, que lidam bem com a
presença humana, estes mantêm a atitude defensiva e a indiscrição próprias do
estado selvagem. Mal veem ou pressentem alguém, voam espavoridos a gritar: “gente,
gente, perigo …” Não deixam de ter
razão! Certamente por causa do frio renitente, a mélroa, menos vistosa, mas
igualmente diligente, não apareceu.
Sem deixar a minha janela de trabalho
e recreio, ainda vi uns passaritos que me pareceram toutinegras-de-barrete ou
cabeça-preta e vários dos que chamo pardais, sabendo, embora, que entre eles
devem estar felosas, chamarizes e outros. Ao longe, ouvi o peto
(pica-pau-malhado) trocista a rir-se e o gaio arisco a ralhar. No mato, talvez
reste alguma ave de rapina, do tempo em que havia o que rapinar. Há dias,
via-se uma rola e ouviam-se tordos. Dentro de algum tempo, algumas destas aves
terão partido, outras, chegado. Esperamos o cuco, a poupa (http//upfc-colmeal-gois.blospot.com, 6
de julho de 2012), o rabirruivo-preto, que aqui chamavam pisco-ferreiro, o
pintassilgo trapezista, a “lavandeira” ou alvéola, a andorinha-das-chaminés, a
dáurica (http//upfc-colmeal-gois.blogspot.com,
17 de junho de 2011) e muitas outras avezinhas que alguém saberá identificar.
Serve esta referência à minha
observação caseira de pássaros para lembrar a sua importância intrínseca e como
recurso, no âmbito do desenvolvimento local e regional. Desde logo, enquanto
criaturas e parte integrante dos ecossistemas, os pássaros consubstanciam, como
qualquer outro ser vivo, um valor que é independente de os benefícios que
possam ter para o homem. Neste sentido, são pelo menos tão importantes quanto outros
componentes da biodiversidade e da cultura, na sua aceção mais ampla.
De qualquer modo, por inerência
da sua condição, esses benefícios existem, sendo sabido que os pássaros contribuem
de modo decisivo para o equilíbrio ambiental e o bem-estar das pessoas. Combatem
pragas, reflorestam, enriquecem a biodiversidade e a beleza da natureza, a sua
atratividade e capacidade de relaxamento. O potencial de fruição estética que
representam para o homem justifica bem o lugar de relevo que ocupam no
folclore, na mitologia, na literatura e na cultura, em geral.
É verdade que também causam
alguns prejuízos, pelos quais frequentemente pagam muito caro. São prejuízos
que tendem a agravar-se sempre que a produção agrícola deixa de ser suficiente
para desempenhar o papel do criador. “Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem
ajuntam em celeiros, e vosso Pai celestial as alimenta (…)” (Mateus 6:26)
Acrescem àqueles benefícios as atividades
de turismo de natureza e cultural, que várias entidades públicas e privadas organizam,
constituindo exemplos: a observação de aves, a sua identificação e o estudo das
suas caraterísticas e distribuição; a identificação através do canto, na época
apropriada; a realização de concursos de fotografia, generalistas ou temáticos;
a sensibilização para a preservação; a plantação de árvores e arbustos adequados
à sua alimentação e nidificação; a limpeza de terrenos com o mesmo objetivo. Estas
atividades são vantajosas tanto para a avifauna, como para os territórios e organizadores.
No contexto da necessária solidariedade local e regional, costumam interagir e
alavancar o alojamento turístico, a restauração e outras iniciativas socioeconómicas.
Tantas mais-valias, a pedirem reciprocidade!
Recurso importante e não negligenciável,
os pássaros são uma das muitas belezas e riquezas da serra.
Lisete de Matos
Açor, Colmeal, 16 de fevereiro de
2015.
6 comentários:
Aves muito bonitas.
Parabéns pelo trabalho de observação.
Lisete de Matos já não nos surpreende com a qualidade dos seus trabalhos, a que nos habituámos pela sua excelência, mas surpreende-nos pela facilidade e pela capacidade com que aborda qualquer tema. Desta vez e voltando a um assunto que lhe é muito querido e já abordado neste espaço, ofereceu-nos um trabalho de muito interesse, de muita observação e de muito amor e carinho pelos pequenos pássaros e outras aves que ainda vão convivendo connosco.
Estamos todos de parabéns pelo privilégio de termos a Dr.ª Lisete de Matos como nossa amiga e por connosco partilhar estes belos textos.
Bem haja!
Obrigada. Também a todos quantos têm comentado estas minhas partilhas despretensiosas, comungando das preocupações a que explicita ou implicitamente se referem.
Abraço.
Lisete de Matos
Açor, Colmeal.
Depois das palavras elogiosas e merecidas do "Sr. Presidente",resta-me também agradecer à Lisete pela sua disponibilidade,pela sua sensibilidade artística
mas,sobretudo, pelo seu amor ao nosso cantinho beirâo.
Maria Paula Ramos
gosto tanto de te ler :)
É, de facto, um enorme privilégio ter a Lizete, sempre atenta ao rolar da vida nos recantos da nossa serra, dando-nos imagens lindas, envoltas em textos de grande beleza.
Aquece-nos o coração!
Obrigada
Deonilde Almeida (Colmeal)
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