Adriano
Pacheco acaba de publicar mais um livro. Chama-se O Moço de Esquina e, nele, o autor continua a descrever e a
tipificar os modos de vida dos migrantes internos que a partir das décadas
vinte e trinta do século passado, e mesmo antes, começaram a eleger Lisboa como
destino privilegiado. Neste caso, centra-se no moço de esquina.
Moço
de esquina foi uma das profissões a que os referidos migrantes se dedicaram,
para sobreviverem e vencerem na grande cidade onde buscavam a melhoria das
condições de vida. Digo vencerem, porque, ao tempo e de um modo geral, quem
partia eram os homens e partiam para regressar, fazendo-o logo que conseguiam amealhar
o necessário para comprar terra, e fazer casa ou melhorar a que já possuíam nas
aldeias de origem. Numa localidade tão pequena quanto aquela em que resido,
olho pela janela e vejo três casas que datam desse tempo, e foram construídas
precisamente por ex-moços de esquina. Recorrendo às memórias da minha infância,
vejo o “ti” Urbano grande e possante, mas o “ti” Artur e o meu tio-avô Manuel
Martins tão pequenos e magros, que me pergunto, depois de ter lido Adriano Pacheco , como
podem ter exercido tal profissão!
Segundo
o autor, moço de esquina é “um trabalho de fácil aprendizagem, que apenas requeria
força, alguma astúcia e bom conhecimento dos bairros da cidade”. Seria, pois, uma
profissão intelectualmente pouco exigente e de fácil acesso, assim restasse
livre alguma esquina potencialmente generosa! No entanto, embora o
analfabetismo limitasse as expetativas de muitos, a opção pela atividade de
moço de esquina também pode ter-se ficado a dever ao facto de os migrantes
beirões representarem a profissão como trabalho por conta própria, o mesmo
tendo acontecido com outras. Na realidade, com traços de personalidade não raro
contraditórios, os beirões eram muito ciosos da sua independência, como o
“Escadote” e outros personagens acabam por sugerir. As razões não vêm ao caso,
mas prendem-se com a estrutura da propriedade e do trabalho existente na região,
que fazia de muitos ao mesmo tempo patrões e empregados. Além disso, uma vez
que partiam para regressar deixando as famílias na terra, o trabalho por conta própria permitia-lhes temporadas
mais ou menos longas em casa, ajudando na agricultura de subsistência ou por
outros motivos.
No
livro, cujo enredo se passa em vai e vem entre a cidade e a aldeia, a mudança
vai acontecendo, e serve de contexto ao autor para abordar problemáticas então
emergentes e que ainda hoje permanecem atuais, como o papel da educação para o desenvolvimento
e o emprego sustentados. Simultaneamente, tipifica e regista muitas das
caraterísticas e idiossincrasias das populações (e)migrantes.
No
presente contexto social de desmaterialização significativa do trabalho e do
emprego, é muito interessante a descrição de uma profissão que tanto tinha de
físico e material! Sem esquecer, naturalmente, a matreirice e os estratagemas dos
profissionais do ramo, que o autor tão bem retrata através do protagonista
“Escadote”. Quem conheceu o cidadão que em parte inspirou Adriano Pacheco não deixa
de se admirar, quem conhece as consequências do seu gesto final também não.
Gostei
de livro. Embora repetindo-me em relação ao que já disse a propósito de outras
obras do autor, não posso deixar de expressar o meu apreço e agradecimento pelo
extraordinário labor e empenho que Adriano Pacheco tem posto no registo e na atribuição
de protagonismo literário à experiência e à história dos que a história tende a
esquecer. “Um pouco do legado que transportamos”, muito para a memória coletiva
de todos.
Lisete
de Matos
Açor,
Colmeal, 1 de Junho de 2012.
2 comentários:
Muito obrigado Drª Lisete Matos pela apreciação que deixou sobre "O Moço de Esquina". Nós apenas queremos honrar o legado que transportamos.
Adriano Pacheco
Adoro livros, e gostei do que escreveu..
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