22 junho 2012

O MOÇO DE ESQUINA




Adriano Pacheco acaba de publicar mais um livro. Chama-se O Moço de Esquina e, nele, o autor continua a descrever e a tipificar os modos de vida dos migrantes internos que a partir das décadas vinte e trinta do século passado, e mesmo antes, começaram a eleger Lisboa como destino privilegiado. Neste caso, centra-se no moço de esquina.

Moço de esquina foi uma das profissões a que os referidos migrantes se dedicaram, para sobreviverem e vencerem na grande cidade onde buscavam a melhoria das condições de vida. Digo vencerem, porque, ao tempo e de um modo geral, quem partia eram os homens e partiam para regressar, fazendo-o logo que conseguiam amealhar o necessário para comprar terra, e fazer casa ou melhorar a que já possuíam nas aldeias de origem. Numa localidade tão pequena quanto aquela em que resido, olho pela janela e vejo três casas que datam desse tempo, e foram construídas precisamente por ex-moços de esquina. Recorrendo às memórias da minha infância, vejo o “ti” Urbano grande e possante, mas o “ti” Artur e o meu tio-avô Manuel Martins tão pequenos e magros, que me pergunto, depois de ter lido Adriano Pacheco, como podem ter exercido tal profissão!

Segundo o autor, moço de esquina é “um trabalho de fácil aprendizagem, que apenas requeria força, alguma astúcia e bom conhecimento dos bairros da cidade”. Seria, pois, uma profissão intelectualmente pouco exigente e de fácil acesso, assim restasse livre alguma esquina potencialmente generosa! No entanto, embora o analfabetismo limitasse as expetativas de muitos, a opção pela atividade de moço de esquina também pode ter-se ficado a dever ao facto de os migrantes beirões representarem a profissão como trabalho por conta própria, o mesmo tendo acontecido com outras. Na realidade, com traços de personalidade não raro contraditórios, os beirões eram muito ciosos da sua independência, como o “Escadote” e outros personagens acabam por sugerir. As razões não vêm ao caso, mas prendem-se com a estrutura da propriedade e do trabalho existente na região, que fazia de muitos ao mesmo tempo patrões e empregados. Além disso, uma vez que partiam para regressar deixando as famílias na terra, o trabalho por conta própria permitia-lhes temporadas mais ou menos longas em casa, ajudando na agricultura de subsistência ou por outros motivos.

No livro, cujo enredo se passa em vai e vem entre a cidade e a aldeia, a mudança vai acontecendo, e serve de contexto ao autor para abordar problemáticas então emergentes e que ainda hoje permanecem atuais, como o papel da educação para o desenvolvimento e o emprego sustentados. Simultaneamente, tipifica e regista muitas das caraterísticas e idiossincrasias das populações (e)migrantes.




No presente contexto social de desmaterialização significativa do trabalho e do emprego, é muito interessante a descrição de uma profissão que tanto tinha de físico e material! Sem esquecer, naturalmente, a matreirice e os estratagemas dos profissionais do ramo, que o autor tão bem retrata através do protagonista “Escadote”. Quem conheceu o cidadão que em parte inspirou Adriano Pacheco não deixa de se admirar, quem conhece as consequências do seu gesto final também não.

Gostei de livro. Embora repetindo-me em relação ao que já disse a propósito de outras obras do autor, não posso deixar de expressar o meu apreço e agradecimento pelo extraordinário labor e empenho que Adriano Pacheco tem posto no registo e na atribuição de protagonismo literário à experiência e à história dos que a história tende a esquecer. “Um pouco do legado que transportamos”, muito para a memória coletiva de todos.

Lisete de Matos

Açor, Colmeal, 1 de Junho de 2012.

2 comentários:

adriano pacheco disse...

Muito obrigado Drª Lisete Matos pela apreciação que deixou sobre "O Moço de Esquina". Nós apenas queremos honrar o legado que transportamos.

Adriano Pacheco

Anónimo disse...

Adoro livros, e gostei do que escreveu..