04 maio 2021

BELEZAS(DES) E RIQUEZAS DA SERRA. VESTIDA DE AMARELO

A serra lembra uma manta de retalhos. Nuns sítios, em virtude das intervenções florestais de que foi objeto, noutros, devido ao matizado das cores com que se veste, especialmente de amarelo. Um amarelo em geral ralo, mas com manchas compactas e berrantes de giesta, que sobressaem do fundo algo neutro e pardacento.









Neste tempo, o amarelo da paisagem é uma combinação da flor da carqueja, com as da giesta e de uma das espécies de tojo. Na sequência dos incêndios de outubro de 2017, acontece que a carqueja ainda não atingiu a pujança arbustiva que tinha, enquanto a giesta se multiplicou exponencialmente, como as acácias. A chuva dos últimos dias, que desanuviou a atmosfera e refrescou a natureza, tornou o amarelo ainda mais luminoso e ostensivo ou não fora ele a cor da luz, do calor e da abastança, no caso frugal, traduzida na memória dos milheirais maduros. E na alegria da Páscoa recentemente celebrada!


Observada de perto, porém, o amarelo continua a destacar-se, mas inserido na mescla esverdeada da enorme diversidade de herbáceas e matos que povoam as margens das estradas, por vezes invadindo-as, estreitando-as, e tornando-as mais perigosas. Referindo apenas alguma dessa flora, a caminho do Colmeal e dele para sul, avista-se o branco singelo da flor do estevão, que pareceria um sargaço vulgar não fora o porte, e o azul retinto da singular giesta-azul (polygala microphylla) ou da discreta sargacinha, uma das muitas plantas a que chamam erva-das-sete-sangrias.





Para norte, nas proximidades de Torrozelas e Folques, saúdam-nos, modestas, a esteva e a giesta branca, a primeira com as suas (cinco) chagas, nome por que também é conhecida, a segunda, numa rara abundância, já que prefere os solos graníticos e quartzíticos.



Enquanto em algumas zonas a moiteira negra já desbotou com o calor de há uns tempos e a seca do vento quase diário, noutras, floresce do vermelho avinhado, a que a luz transformadora confere tons ora intensos e inebriantes, ora discretos e sóbrios.





De cor semelhante e igualmente da família das urzes, a queiró vai desabrochando, farta e chamativa, a moiteira branca ainda viceja. Há sítios onde uma outra espécie de tojo começa a enfeitar-se também de amarelo, impregnando o ambiente de um subtil aroma melífero. Por mais que tenha espreitado os interiores recônditos dos sargaços, não vi nem uma pútega!




Quem diria que apenas três anos depois de ter sido consumida pelo fogo, a natureza se encontraria longe de recuperação, é certo, mas já tão exuberante em beleza e riqueza?! A representar vida e um património e recurso natural inestimável, pelas suas propriedades e pela fruição estética e emocional que proporciona.

Infelizmente, a “feieza” e a pobreza - literais e cívicas -, também estão presentes nas curvas e contracurvas dos caminhos da serra. Proliferam traduzidas numa grande variedade de situações, de que se aborda apenas o lixo que desfeia e envergonha o território, particularmente, as bermas das estradas e os declives dos parques e refúgios de emergência. Quando é visível, uma vez que pode estar dissimulado pelos railes, ervas e matos circundantes, nas bermas pode ver-se em andamento, nos declives, é preciso parar e olhar lá para baixo.

Os sítios e a posição em que este lixo ponta do “iceberg” se encontra remetem para práticas e grupos sociais que tanto podem ser os mesmos como distintos. Assim: há lixo que se vê ter sido atirado pela janela dos carros fora, à laia de adeus; outro que se percebe ter sido trazido e despejado ali, como numa lixeira; outro, ainda, que é evidente ter sido deixado por quem esteve no lugar a trabalhar ou simplesmente a desfrutar do espaço, mediante pausa no percurso ou convívio programado.

No primeiro caso, encontram-se as mais diversas embalagens, nomeadamente de bebidas, entre as quais iogurte líquido, uma conquista do consumo, que o seu inventor jamais terá perspetivado tão poluente. Num determinado quilómetro de estrada, contei nove destes projéteis, admitindo que mais se encontrem escondidos nas ervas. Tratando-se de um troço com bastante movimento, presumo que o facto de ser plano facilite as tarefas de conduzir e beber ao mesmo tempo! Mas há de tudo: maços de tabaco, sacos e pedaços de plástico, sacos de ração e outros produtos, lenços e guardanapos de papel, máscaras… Num sítio, três faziam companhia umas às outras, uma de cada lado da via e outra acabadinha de aterrar sobre o traço contínuo! Já vi fraldas, mas não desta vez!


No caso da natureza usada como lixeira, há sacos com garrafas, muitos artigos indefinidos e material relacionado com setores concretos de atividade.


Por último, no campo do lixo deixado por utentes do lugar, avultam uma vez mais as embalagens e, por vezes, restos de consumíveis, como sejam os fios das roçadoiras. Neste domínio, foi particularmente chocante ver um espaço aprazível de lazer, que até tem contentor do lixo, poluído com latas, garrafas e descartáveis de plástico, inclusive dispostos, como se de um adorno se tratasse, na estrutura das alminhas existentes no local! Mas vi umas outras que penduravam elas próprias o saco para recolher os restos das velas ardidas!



Ainda que do mesmo não se espere grande inteligência ou cidadania, não se percebe como é que o lixo não consegue sair pelos mesmos meios com que chegou. Carro ou mochila que trás também leva! Hoje em dia há ecopontos em várias terras e contentores do lixo em todas. Quando basta um esforço mínimo, e as pessoas até pagam uma taxa para o encaminhamento e tratamento do lixo que produzem, não se entende a razão para tanto desrespeito pela natureza e pelos outros. A própria recolha dos lixos mais volumosos pode ser solicitada às Câmaras ou às empresas municipais para tanto vocacionadas.

Perante estas situações e a visão dos micro plásticos e outros produtos a infiltrarem-se no solo e a escorrerem para o oceano, contaminando-os, não consigo deixar de imaginar a serra e o planeta, em geral, atarefados e já nauseados, a digerir todos estes resíduos e impróprios para consumo, enquanto deveriam estar focados na vida e na criação das condições de beleza, bem-estar e riqueza de que todos carecemos!

Embora já não me compita fazer sugestões, sempre digo que a escola tem de continuar a insistir na formação cívica e ambiental das novas gerações, e estas na dos seus pais e avós. Como as autarquias, na formação dos agentes públicos e privados que operam no terreno, na sensibilização da população e na dotação dos espaços com recipientes apropriados. Revisitar e reativar a chamada política dos 3r’s (reduzir, reutilizar e reciclar) nunca será de mais e hoje, Dia da Terra, seria um bom pretexto para começar.

Nota. A observação relativa ao último assunto foi feita nas estradas Açor- Góis e Açor-Arganil, respetivamente, nos dias 2 e 5 de abril. Por serem tão inestéticas, das fotografias tiradas incluem-se apenas quatro.


Lisete de Matos

Açor, Colmeal, 22 de abril de 2021.

3 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado, Lisete, pelas bonitas fotografias e pela prosa, tão agradável mas também interpeladora, pois o respeito pela natureza é um dever cívico e nunca será de mais alertar para os crimes ambientais, por pequenos que sejam, que vão acontecendo na nossa serra.

Rui Ferreira

Anónimo disse...

As suas palavras, Lisete, e as imagens lindíssimas da evolução da serra ao longo do ano, tal como em artigos anteriores, fazem-nos sentir lá. Muito obrigada pela partilha.
Pela força da beleza natural aqui revelada, talvez se consiga mudar atitudes e sensibilizar os "distraidos" para uma educação ambiental que obviamente não receberam.

Maria C. Costa disse...

Obrigada pelas lindas fotos que nos revelam a força da natureza que nos dá alento para seguirmos a caminhada na esperança de melhores dias. Também espero e desejo que seja possível descobrir a forma de educar os "distraídos" para respeitarem o próximo, a fauna e a flora.