E do pouco fizeram muito!
Nas
idas “à terra”, sempre em época de festa, a atenção concentrava-se nos primos,
nos amigos, no Largo, no rio… nunca tinha reparado nos nomes das ruas. Tudo tem
o seu tempo.
Hoje,
nos passeios sem pressa, por um Colmeal tranquilo, o olhar adulto cruzou-se com
a toponímia. “Fulano de tal, Regionalista”. Curioso… aquele ali também é
“Regionalista”. Oh… e mais este… e outro ali mais adiante!
«Mãe,
o que é um Regionalista?» não a definição que vem no dicionário, mas aquela que
ali nos espreita, em cada nome de rua, como um título académico, ou uma
profissão. Suspeitava que, ali, devia ter um significado especial, que lhe
escapava. Tudo tem o seu tempo.
Então,
como quem conta uma história, ou uma lenda, mas de gente que ficou lenda fazendo
História, contei-lhe.
Contei-lhe
que houve um tempo em que o Colmeal era uma aldeia “perdida no meio da Serra”,
sem ligação ao exterior. Estradas não havia, apenas carreiros de passagem. O isolamento
era total.
O
Colmeal era, apenas, um pequeno ator, lutando para sobreviver num cenário
sombrio, muito pouco animador: no grande palco da História, Portugal tentava
recuperar do atraso civilizacional provocado pelos atropelos sofridos, desde o
início do século XIX – 3 invasões francesas, tendo uma delas atravessado a
região de Góis e muita destruição e vítimas fez à sua passagem, saída
da corte para o Brasil e sucessivas revoltas em todo o território, que
culminaram na revolução liberal. Dois anos depois, a independência do Brasil,
deixando o reino sem esta importante fonte de receita e, no final desta
sequência de infortúnios, sete anos de guerra civil devastaram o país, de ponta
a ponta, semeando ódios dentro das próprias famílias. Sete anos! Conseguimos
imaginar?
A
acalmia, a Regeneração, como ficou conhecida, chegou com o duque de Saldanha,
através de um golpe político-militar. Neto do marquês de Pombal, herdou-lhe o
espírito iluminado: era urgente ultrapassar o atraso económico e tecnológico em
que o país se encontrava, aproximando-o das outras nações civilizadas. Com ele
no governo, Portugal terá, pela primeira vez, um ministro das obras públicas –
o engenheiro militar, António Fontes Pereira de Melo, grande adepto do
progresso.
O
atraso era tão grande, havia tanto a fazer e, sem as riquezas do Brasil, não ia
ser fácil. Mas estava lançada a semente da insatisfação pelo atraso em que se
vivia.
Para
as gentes da Beira-Serra, 1889 foi um ano de esperança – iniciou-se,
finalmente, a construção da “Estrada do Vale do Ceira” apoiada no entusiasmo da
industrialização, que prometia desenvolvimento do interior, ligando Góis a
Cebola (atual S. Jorge da Beira), passando pelo Colmeal.
No mesmo ano (1889) iniciou-se também a
construção do caminho de ferro que ligaria Coimbra a Arganil, passando por
Lousã e Góis. A empresa construtora até tinha solicitado a substituição da via
reduzida por uma via larga, com a ideia de prolongar o ramal até à Covilhã!
 |
Mapa dos Caminhos de Ferro Portugueses, publicado pela Gazeta dos Caminhos de Ferro de Portugal (1 de Janeiro de 1895) [2] |
A
maldição do isolamento seria exorcizada. As gentes não precisariam mais de ir
vender barato o seu esfoço para o Alentejo, em ranchos de “ratinhos”, ou
encher-se de males de paludismo, na monda do arroz do Ribatejo, em ranchos de
“gaibéus”. A nossa região teria
indústria e haveria trabalho para todos!
A construção da via férrea evoluía a bom ritmo, quando rebentou a crise financeira de 1890, que empurraria o reino para a bancarrota. Os trabalhos foram interrompidos e a Companhia declarou falência. Após 15 anos de interrupção, recomeçaram as obras do ramal e, finalmente, inaugurou-se o troço Coimbra-Lousã.[3] E, em 1930, a esperança renasceu, com a inauguração do troço Lousã-Serpins – o comboio estava quase a chegar a Góis!
Nem
estrada, nem comboio! Se tivessem sido concluídos, outra seria a história da
região! Mas, da estrada, apenas 500m foram construídos e o comboio ficou por
ali, por Serpins, tão perto e tão longe de Góis.
As
nossas gentes pareciam condenadas ao isolamento.
O
início do séc. XX não foi mais animador: mudança de regime político,
instabilidade política, 1ª Guerra Mundial, graves crises financeiras… e, sem
verbas, como sabiamente diz o povo, “manta de pobre é curta – tapa a cabeça,
destapa os pés!”
Assim,
sem estradas e sem comboio, o Colmeal da década de 30 continuava longe de tudo:
“até Góis eram 4h a andar, havia uma estrada para carros de bois e, às vezes,
atalhávamos por carreiros, a corta-mato; para Arganil eram 3h, subíamos ao
Cabeço do Gato e depois descíamos para Arganil. O correio chegava a Góis e
alguém do Colmeal ia lá buscar a «mala», passava pelo Cadafaz e levava também a
deles e ia entregar a Góis as malas das duas freguesias; no regresso era
igual.”
“Desconhecia-se
o telefone, os registos, valores declarados e encomendas postais.” As
cartas eram o único meio de comunicação e, sem «registos» ou «valores
declarados», para aqueles que trabalhavam em Lisboa ou que tinham emigrado, não
havia forma segura de enviar dinheiro ou pequenas encomendas à família. O povo
não tinha conta bancária, mas também não tinha dinheiro para lá pôr.
A
comodidade de abrir uma torneira em casa, para um copo de água ou um banho, é
hoje tão banal que nem pensamos no valor do gesto, mas, naquele tempo, no
Colmeal não existia água canalizada, nem em casa, nem em parte alguma – rodilha
e cântaro faziam parte da rotina diária das mulheres e das crianças, para
garantir à família este bem essencial. A água consumida em casa era recolhida
em fontes de chafurdo, ou de mergulho, isto é,
não tinham “bica”, mas apenas “um charco de água
onde se mergulhava o cântaro ou então, com a ajuda de uma caneca ou um caneco
dos da resina, se retirava água para os cântaros de barro, comprados nas
feiras, ou para os de zinco, mais leves e que não se partiam… . Essas
«fontes», onde havia rãs a coaxar e sanguessugas, eram focos de doenças”.
Mas,
nesses tempos, quem falava de salubridade ou de problemas de higiene? «O que
não mata, engorda» ouvi dizer muitas vezes em criança.
A
agricultura pouco produzia. Ainda hoje o podemos testemunhar: escava-se um
palmo de terra e logo aparece a rocha. A terra boa era insuficiente para todas
as famílias, pois, naquele tempo, o Colmeal era muito povoado. Assim,
“a terra era o bem mais precioso, tanto do ponto de vista material como
simbólico, representando sobrevivência e rendimento, segurança e prestígio
social. Era um fator identitário tão importante, que ainda hoje se chama terra ao
local de nascimento”. Cada
palmo de terra era cuidadosamente cultivado, mas, mesmo assim, não chegava para
alimentar uma casa de família.
Depois,
há produtos que a terra não dá – vestuário, utensílios –, bem como alguns
alimentos, e que tinham de ser comprados. Fazendo jus ao nome da terra, mel não
faltava, mas o mimo do açúcar, cuidadosamente guardado para ocasiões festivas,
não se podia cultivar. Por isso, o açúcar, o arroz e o apreciado bacalhau, eram
prendas que carinhosamente se levavam de Lisboa para oferecer aos parentes e
amigos. No Colmeal, também poderiam ser comprados, mas precisavam de dinheiro,
que não tinham.
Assim,
era comum os homens migrarem, durante meses, para a ceifa no Alentejo, para a
apanha da azeitona e da uva ou para a monda do arroz, no Ribatejo. Quando
regressavam, levavam cosidas no forro do colete as notas com que pagariam as
dívidas na loja ou tentariam comprar um palmo de terra que desse mais alimento
à família. Eram longos períodos de trabalho muito duro, horas e horas curvados,
na ceifa ou na monda do arroz, debaixo de um sol impiedoso, mal pago e mal-aceite
pelas populações locais que, pejorativamente, lhes chamava “ratinhos” (Alentejo)
ou “gaibéus” (Ribatejo), acusando-os de boicotar a sua luta por melhores
salários, ao aceitarem meia dúzia de tostões por um trabalho tão violento. Podia
ser pouco, mas era dinheiro.
Outros,
partiam para Lisboa, onde se dedicavam por períodos mais prolongados a
atividades diversas (guardas noturnos, moços de fretes, ou de mercados
abastecedores, engraxadores, varredores de rua – os «Almeidas»). Lisete de
Matos recolheu um relato pungente da mulher de um desses homens que, ainda
menino de doze anos “foi para Lisboa sem lá ter ninguém, coitadinho. Pediu a um
senhor (…) para o levar para Lisboa, porque queria ir ganhar dinheiro para
ajudar a mãe e as irmãs. Como ele não tinha dinheiro para a passagem, o senhor
disse-lhe: «Olha, Lisboa é muito grande e tu ainda lá cabes. Eu empresto-te o
dinheiro e, um dia, quando o ganhares, pagas-me»”
No
Colmeal (sede da freguesia) havia duas escolas, masculina e feminina, mas a
escolaridade obrigatória (4 anos para rapazes; 3 anos para raparigas) era
frequentemente contornada, porque todas as bocas comiam e todos os braços
faziam falta para garantir o sustento. Diz-se que “trabalho de menino é pouco,
mas quem o perde é louco”. Alguns, atreviam-se a querer ir mais longe: «Quando
tinha 14 ou 15 anos, decidi que queria ir para Lisboa, trabalhar na Companhia
dos Telefones, depois da tropa, mas precisava fazer a 4ª classe. Desafiei o
Manuel “da Eira”, que já era casado e tinha um filho ou dois, e fomos falar com
a professora Irene – rica professora! – que nos incentivou e ajudou a estudar
para nos preparar para o exame da 4ª classe “de adultos”. Ao Manuel custou mais
porque, como já era chefe de família, trabalhava muito e estava muito cansado,
quando nos juntávamos com a professora para estudar. Quando estávamos
preparados e fomos a Góis, ele fez a 4ª classe mas, a mim, não me deixaram
fazer a oral porque ainda não tinha idade para fazer o exame “de adulto”. No
ano seguinte tive de ir a Bordeiro, à Direção Escolar, tratar da documentação
para fazer a oral. Depois, na véspera do exame, fui com o meu pai até ao Rolão
(ainda não havia estrada) e, depois, fomos de camioneta até Coimbra; ficámos numa
pensão, para fazer a prova oral na manhã seguinte e regressar ao Colmeal ainda
nesse dia.»
Assim, salvo felizes exceções, o
analfabetismo imperava e refletia-se nas cantigas à desgarrada:
Amor
não me escrevas cartas
Bem sabes que eu não sei ler.
A eletricidade não tinha passado da sede do
concelho. Por isso, a circulação de noite, nas ruas, era iluminada por
lanternas de azeite e, “como iluminação caseira, utilizava-se a candeia
alimentada a borras de azeite ou petróleo”
Enquanto crianças, essa ausência de luz alimentava a imaginação e tornava muito
credíveis as personagens das histórias dos avós, sobretudo a Dama Pé-de-Cabra
que atormentava o Sr. Padre André, nas suas deslocações pela serra, para levar
consolo a moribundos.
Museu
particular de Artur da Fonte (Colmeal)
Quando alguém adoecia, com doença séria, enviava-se
um mensageiro a pé, chamar o médico, a Góis, Arganil ou Pampilhosa, que se
deslocaria à aldeia, a pé ou a cavalo. Se precisasse de remédios da farmácia,
um mensageiro teria de repetir o percurso. Uma perna partida e lá teria de se
transportar o acidentado em padiola, levada por 2 homens, pelo menos, até Góis.
Se fosse criança, iria às cavalitas: «devia ter 4 anos quando parti a perna.
O primo Carlos “da Eira” e o Zé Brás é que me levaram às cavalitas até ao Rolão
e, depois, de camioneta até Góis. No inverno de 1954/55, houve um surto de
sarampo e tosse convulsa. A tua tia e a tua irmã, pequenitas, foram internadas
em Góis. A tua tia, lá morreu. Tu tinhas 6 meses e, como o estado se agravava,
a avó levou-te à cabeça numa cesta, aquela cesta funda que levava quando ia
regar, para depois trazer couves, ou o que precisasse – fez-te uma caminha lá
dentro. Eu era pequenito, mas ela levou-me para
não ir sozinha, porque havia muita neve e o caminho ficava perigoso e solitário.
atravessava-se o rio para a Candosa, depois passava-se do lado de baixo do
Cadafaz e mais adiante atravessava-se para a Sandinha; num local chamado
“trouxas da Sandinha”, escorregaram-lhe as tamancas e a cesta voou em direção à
ribanceira que descia para o rio. Foi travada por uma pedra.»
Foi um “acidente de ambulância” e a
ambulância era a minha avó. Agora, à distância de muitos anos, parece uma piada
de mau gosto…
Sim…
de facto, este Colmeal parece o cenário de um filme sobre a Idade Média. Mas ainda
era assim, o Colmeal da minha infância!
O
que eu não sabia, nessa época, era que alguém lutava já, para mudar o estado
das coisas.
Lembro-me
dos piqueniques que fazíamos na Serra de Monsanto, com “as pessoas lá da
terra”. Havia muitas crianças como eu e era uma festa! Outras vezes, íamos
todos de excursão, conhecer os arredores de Lisboa, até bem longe, por terras
que, de outro modo, naquele tempo, não teríamos oportunidade de conhecer. Nazaré, Areia Branca, Peniche, Ericeira,
Palmela… são memórias a preto e branco, no álbum dessa época. Eram algumas das
iniciativas da “União” – proporcionando momentos de convívio, uniam-se “as
pessoas lá da terra”, consolidava-se um sentimento de pertença, angariavam-se
fundos, que permitiriam concretizar sonhos… estradas que pusessem termo ao
isolamento do Colmeal e das suas aldeias, água canalizada em chafarizes, luz
elétrica, ruas pavimentadas, muros de segurança… tantos sonhos!
Tudo
tinha começado, havia mais de 20 anos, com um sonho – o sonho, não de um
político ou de um autarca, mas de um humilde guarda-noturno, Abel Joaquim de
Oliveira que, em 1931, percebeu que a via para o desenvolvimento do Colmeal
teria de passar pela união das suas gentes. Mobilizados para um objetivo comum,
haviam de conseguir! “Inspirado no exemplo das atividades de outras agremiações
regionalistas, que os jornais de Arganil publicavam semanalmente.
Interessou-lhe aquela doutrina e, para conhecer bem o assunto, prontificou-se a
fazer parte da direção do Grémio da Comarca de Arganil”. Naquela
época era assim que se aprendia – não havia “cursos de formação”.
Abel
Joaquim de Oliveira e José Antunes André
Fonte de imagem:
António Santos
Agora,
já sabia “como fazer” e, partilhando-o com o seu conterrâneo José Antunes
André, ambos se lançaram na cruzada de mobilizar os colmealenses para a
constituição da União Progressiva da Freguesia do Colmeal, que seria
fundada nesse mesmo ano (20/09/1931), propondo-se lutar pelo desenvolvimento
social e cultural de toda a freguesia.
Tal
como o próprio nome indica – União – o desenvolvimento pretendido
ficaria dependente da solidariedade e do apoio moral e material de todos,
independentemente da aldeia onde nasceram, «pois unidos
e organizados muito mais e melhor podem fazer com menos esforço».
O
lema incluído no primeiro brasão é muito curioso: Progresso e Instrução,
apresentados como dois objetivos distintos – atacar em duas frentes! Como se a
instrução perdesse força, se incluída no “Progresso”, ao nível das estradas,
canalizações, eletricidade, pavimentação… Revela o valor dado à instrução, ao
combate ao analfabetismo, na esperança de um futuro melhor para os filhos.
Quando
falamos de “Regionalistas”, é destes homens que falamos. São os nossos heróis,
eles e os que se lhes juntaram ao longo de décadas, e deram força à União,
permitindo concretizar os sonhos que se julgavam impossíveis.
A
eles devemos, como primeira conquista, logo em 1932, a extensão do serviço de
valores declarados à estação de correios do Colmeal e, ainda nesse mesmo ano,
foi construída a ponte sobre o ribeiro do Soito «totalmente a expensas da União
Progressiva, tendo custado elevada importância, para as magras possibilidades
existentes. Mas valeu a pena tanto sacrifício, porque além de resultar em obra
útil, foi a primeira da coletividade e é um marco inesquecível no seu vasto
historial».
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Largo da Fonte, Colmeal, 1937 Fonte de imagem: António Santos |
Em 1937,
nova conquista: o tão desejado abastecimento de água potável, chegava, através de
chafariz, ao Largo da Fonte e à Cruz da Rua.
No
ano seguinte, tendo desistido de esperar pela “Estrada do Vale do Ceira”,
consideraram que o mais acertado seria ligar o Colmeal à Estrada da Pampilhosa,
derivando desta na Selada do Braçal e anunciavam que, em Junho desse ano (1938)
se iniciaria a marcação do terreno e até mesmo, possivelmente, dos trabalhos de
construção. Porém, «por imponderáveis estranhos à colectividade» o local
de saída da estrada, inicialmente previsto, foi desviado umas dezenas de
metros, para junto de um estabelecimento comercial ali existente, conhecido
pela “Ti Martinha do Rolão” «ocasionando a abertura de enorme e
desnecessária trincheira, autêntico aborto, e que absorveu, na sua abertura,
todo o capital que a agremiação tinha e não tinha”.
Não
desmoralizaram e, «alguns desses grandes obreiros da nossa freguesia,
chegaram a ficar “como principais fiadores e pagadores dos empréstimos
contraídos” pela União, visto colocarem os interesses comuns acima dos
particulares e pessoais».
Aos
poucos, com o lucro de festas regionalistas, piqueniques, subscrições públicas,
quotas dos sócios e dádivas, as obras iam avançando e a estrada aproximava-se
do Carvalhal. Mas, por dez longos anos, as obras pararam. Dizia-se mesmo que «a
estrada não sai do Carvalhal».
Pelo
caminho, obras urgentes iam avançando… Aldeia Velha teve também o seu chafariz
com depósito, incansáveis diligências para fazer chegar o telefone e uma
Estação de Correios, calcetar as ruas, instalar um Posto Médico no Colmeal, e tantas outras obras com que nos cruzamos, em
pequenas placas de memória “UPFC”, como o muro de proteção no Estreitinho
(Colmeal). Hoje, passamos por ela, despreocupadamente, sem pensarmos na
segurança que este muro terá dado a quem por ali circulava diariamente –
adultos, crianças, rebanhos – sem o perigo de cair de grande altura para as
terras cultivadas que ficam lá em baixo.
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Secção do muro construído pela UPFC, Estreitinho, Colmeal
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Toda a energia e boa vontade da União não eram suficientes para atacar em tantas frentes,
tal era o atraso! Todas as ajudas eram bem-vindas e, gestos como o do então Presidente da Câmara, Acácio Mendes da Veiga, além de bem acolhidos, muito dignificam e honram quem os pratica – entregou à União o valor de 1900$00, que lhe eram distribuídos para despesas de representação, mas de que abdicou em favor da construção da estrada.
A
esperança renasceu em 1953 e 1954, com duas comparticipações do Ministério das
Obras Públicas, que permitiram retomar as obras em grande velocidade, chegando
rapidamente ao Roçaio.
Depois,
ainda foi necessário remodelar a antiga ponte e construir o troço final, até à
entrada do Colmeal (Lombo das Vinhas).
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Antiga ponte
Fonte de imagem: António Santos |
Em
Julho de 1967, o Boletim “O Colmeal” dava a «Grande notícia!... Foi
comparticipada a abertura e prolongamento da estrada do Lombo das Vinhas até ao
Largo, com a quantia de 134 contos».
A estrada iria, finalmente, chegar ao Largo da Fonte – concluía-se, em 1969, um
sonho iniciado havia mais de 30 anos!
Quanto
à tal estrada “do Vale do Ceira”, que ligaria Góis a Cebola (S. Jorge da Beira)
foi recomeçada em 1952 e levou ainda mais vinte anos a chegar ao Colmeal. No
total, foram 83 anos!
No
início de 1972, ainda se apelava à sua conclusão, em notícia que contém uma
reflexão curiosa pela sua atualidade, ao considerar que o futuro da região «bem
poderá ser o turístico, dadas as frondosas florestas aqui existentes, o
magnifico ar e a saborosa truta do rio Ceira”.
Lamentavelmente, depois de 2017, das “frondosas florestas” restam as cinzas…
Porém, como disse um homem muito sensato, «a questão não é o que nos acontece,
mas o que fazemos com o que nos acontece».
Conseguiremos
ser dignos do legado daqueles homens que do nada conseguiram fazer tanto?
É que, “se não fossem as ditas pequenas
coletividades, algumas localidades do concelho estariam hoje em vias de
extinção”
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Fontes de imagens: António Santos |
Mais
do que uma placa com nome de rua, merecem a nossa homenagem, continuando o seu
trabalho com o mesmo altruísmo, com a mesma generosidade, com o mesmo
empenho.
Deonilde Almeida
Julho.2019
In poema
“Carta”, Cantares da Beira Serra, Maria da Conceição de Oliveira Dajan
(coord.), Ed. Valceira-Associação de Desenvolvimento Rural e Proteção Ambiental
do Vale do Ceira, Fajão, 1998, p.57
Alves
Caetano, in «Gazeta das Serras», 25-10-1938, citado in Boletim
“O Colmeal”, Nº 162, Maio de 1980, Arquivos da União
Costa, Fernando, citado por A. Domingos
Santos, Fernando Costa, Regionalista e jornalista serrano, in
Arganília (Revista cultural da beira serra), série III, 2016, nº29, p. 174-175