30 outubro 2018

BELEZAS E RIQUEZAS DA SERRA (LEMBRADAS E ESPERADAS). INSETOS


Com os incêndios de junho e outubro passados, perderam-se vidas. Muitas vidas, de modo trágico, incompreensível e inaceitável. Delas restam a lembrança, a saudade dos seus próximos e a responsabilidade de muitos. Perderam-se casas, muitas casas, boas e más, de primeira e segunda habitação. Perderam-se empresas e empregos, meios de subsistência, infraestruturas públicas e privadas, investimento, recursos. Perderam-se árvores e arbustos, de pequeno e grande porte, de jardim e fruto, herbáceas, fungos e líquenes, biodiversidade vegetal. Perderam-se animais domésticos e selvagens, mamíferos e aves, muitas aves, insetos e outros indivíduos nocivos e benéficos, como milhões e milhões de abelhas, joaninhas, biodiversidade animal. Perdeu-se património construído de valor inestimável e irrecuperável, por consubstanciar modos de vida entretanto substituídos. Perderam-se memórias e símbolos, beleza e encanto, atratividade …

Passado um ano, diz-se que a recuperação foi assinalável. É possível. No entanto, a vida está difícil para muitos dos que ousaram sobreviver ou querem renascer, pessoas, animais e plantas. Há casas reabilitadas, mas há pessoas que continuam a viver de favor, em espaços improvisados ou em lares. A eletricidade foi imediatamente reposta, o telefone e a internet foram-no sendo, mas há localidades que continuam desprovidas desses meios essenciais, situação de Ádela e Açor, onde as redes móveis também mal funcionam. Devido à erosão subsequente, há estradas, levadas e poços que persistem degradados ou obstruídos e, por falta de intervenção preventiva, as águas pluviais continuam a destruir ou a inundar de cascalho e lodo as vias, terrenos e curso de água a jusante. O abastecimento da água que faltou ainda não foi reforçado e as bocas-de-incêndio mantêm-se inexistentes. Há cães à procura do dono e, por falta de alimento, animais selvagens a passarem pela humilhação de pedir alimento aos humanos.

Como se dizia há meses, apenas o luto de que a serra se vestiu vai sendo substituído pelo verde vivo ou acinzentado e, agora, já amarelado, da vegetação que ressurgiu. E alguma até nem precisava de o fazer, caso dos eucaliptos, que rebentaram mais exuberantes do que nunca e estão a nascer por toda a parte como se de alfobres se tratasse. Outras formas de biodiversidade em aparente recuperação são as avezitas mais comuns, género pardal-dos-telhados. Vistosos e felpudos, os zângãos abundam, mas as abelhas escasseiam e só começaram a ver-se em agosto.

Ao mesmo tempo, há grupos que permanecem invisíveis ou muito vulneráveis, por redução dos efetivos e falta de alimento. É o caso dos insetos, nomeadamente das borboletas (com exceção para a borboleta-da-couve), dos mamíferos, anfíbios e répteis. Por isso lembro hoje alguns destes espécimes, a partir de registos anteriores aos incêndios [1]. Faço-o na esperança de que o ecossistema recupere rapidamente e os possamos encontrar de novo por aí, a relacionarem-se entre si e com o meio ambiente, conferindo-lhe mais vida, cor, beleza e estranheza. Também para que nos orgulhemos da riqueza da biodiversidade que tínhamos e esperamos voltar a ter.

Começo pelos insetos, mostrando exemplares de várias ordens e espécies. Ressalvando, no entanto, tratar-se de uma pequena amostra dos universos local e nacional, este estimado em 10 500 espécies pertencentes a 25 ordens, em que avultam os escaravelhos, seguidos das borboletas (diurnas e noturnas), moscas, abelhas, vespas e formigas. A diversidade biológica dos insetos é tão grande que, a nível mundial, encontram-se descritas mais de um milhão de espécies, havendo muitas outras por descrever.

Os insetos são seres muitas vezes diminutos, bichinhos (in)significantes e efémeros, cujas estratégias de vida e funções ecológicas nem sempre são evidentes, mas que nos podem surpreender pela garridice e bizarria das formas que ostentam. Há-os tão bonitos que lembram a arte, as joias e a bijuteria que inspiram. Quando nos incomodam nas hortas, onde a sua presença reflete equilíbrio e boas práticas agrícolas, tem de se lhes perdoar o mal pelo bem que muitos fazem em termos ambientais. Para evitar os pesticidas, há muito que os insetos caçadores são utilizados para combater pragas de outros insetos.

Falando do seu caráter, uns apresentam-se irreverentes e desassossegados, outros mal se mechem para não se cansarem. É assim que uma pessoa irrequieta era chamada de “barata tonta” e uma molengona de “mosca morta”. Depois, há os que cantam e encantam, como o grilo e a cigarra, que tem fama de estouvada e preguiçosa, enquanto outros a têm de trabalhadores esforçados, organizados e dotados de espírito de equipa. As abelhas e as formigas serão o expoente máximo destes atributos, sem prejuízo de também se destacarem pelo mau feitio, quando incomodadas. De qualquer modo, diz o ditado que “picam os indiscretos mais do que os insetos”. Muitos, porém, são bonacheirões e pacíficos, gostando de andar de flor em flor, leves e gentis, a namorar e a beijá-las suavemente. Enfim, muito parecidos com as pessoas! Tão parecidos que, na nossa infância, a joaninha também tinha o pai ausente e a louva-a-deus era obrigada a rezar.

“Joaninha avoa, avoa que o teu pai está em Lisboa”.
“Louva-a-deus, louva-a-deus, ergue as mãos para Deus e os cornos para o diabo”. E ela podia erguer, sentindo-se ameaçada, pela mão que se agitava à sua frente.

Das espécies observadas e de que se guarda registo, o critério de inclusão nesta mostra foi a legibilidade mínima da fotografia. A do bicho-pau foi retirada da internet, por termos perdido a nossa e ser tão inusitado. Omitem-se os nomes, mas, quando conhecidos, poderão ser disponibilizados.



[1] Registos efetuados no âmbito do Biodiversity4all (https://www.biodiversity4all.org), um projeto internacional que visa a identificação e o conhecimento da biodiversidade com a participação de cidadãos comuns. Iniciou-se em 2010 e continua, agora integrado na plataforma iNaturalist.org.








































































Lisete de Matos

Açor, Colmeal, 16 de outubro de 2018.

3 comentários:

Maria C. Costa disse...

Belo texto sobre as maravilhas da Serra. Fiquei a conhecer alguns insectos que não pairam nas zonas urbanas. Obrigada!

Anónimo disse...

Mas que maravilha! Não só por toda a informação contida neste registo mas também pela sensibilidade e interesse constantes na sua apreciação e posterior partilha sempre tão apreciada por todos nós. Muitos parabéns pelos belos textos que sempre nos oferece e, acima de tudo, muito. muito obrigada. Beijinho Maria Lucília

Unknown disse...

Palavras e imagens bonitas e enriquecedoras, que nos transportam até às terras de que tanto gostamos. Obrigado pela partilha!
Rui Ferreira