05 maio 2016

BELEZAS E RIQUEZAS DA SERRA. HERBÁCEAS DE CÁ (I)


Várias vezes me referi à riqueza da biodiversidade na serra. Volto a fazê-lo, falando de herbáceas.

As herbáceas são plantas com caule flexível não lenhoso ou semilenhoso, de porte tão variado que oscila entre o ínfimo e o próximo do arbustivo. Há muitas vivazes, mas, maioritariamente, são plantas efémeras, que desabrocham contentes com a primavera morna e definham tristes, com o verão sufocante e o declínio do outono. Antes, porém, previdentes, adormeceram na terra as raízes e sementes de que brotarão no ano seguinte.

As ervas são o estrato vegetal mais diverso. Com as árvores, são as grandes responsáveis pelo manto verde e matizado de cores com que a natureza se veste ao longo do tempo e conforme o tempo.

Cientificamente, as herbáceas classificam-se em várias categoriais e, dependendo das suas propriedades, dos contextos e pontos de vista, em comestíveis e tóxicas, paisagísticas, medicinais, aromáticas e cosméticas, espontâneas e cultivadas, enfim, em autóctones e invasoras, protegidas e infestantes, produtivas e daninhas. Tanta a sua incomensurável variedade e importância!

Indiferentes às classificações, em virtude do uso que os homens fazem ou não dos seus atributos e de outros fatores (des)ambientais, há plantas que se encontram em vias de extinção e outras que não param de se propagar. É o que acontece com as chamadas ervas daninhas, que são mesmo danadas! Tornaram-se invencíveis desde que os gados deixaram de as roer e as pessoas, de as ceifar e sachar. Sobretudo as gramíneas avassalam e consomem os terrenos, forrando-os de uma camada tão densa de raízes e folhas que impede a água de os fecundar, os cogumelos de despontarem, os pássaros de esgaravatarem e os próprios javalis de foçarem. É a desertificação verde instalada! Muito preocupante, considerando a nocividade ou a ineficácia dos métodos de controlo.

No que toca às restantes, porém, são um fascínio! Uma beleza e uma riqueza, considerando as suas propriedades – frequentemente várias reunidas numa mesma espécie -, a sua beleza e as atividades económicas, culturais e de lazer a que podem dar aso! Um manancial e um recurso inesgotável, desde que bem utilizado!

Dando apenas alguns exemplos de atividades de cariz económico e/ou cultural que podem desenvolver-se dentro de um determinado território: organizar expedições de identificação e levantamento fotográfico do património natural; organizar exposições, com ou sem enfoque em espécies ou caraterísticas específicas; fomentar estudos das propriedades medicinais, nutricionais ou outras, das lendas que acompanham algumas plantas, do fundamento dos respetivos nomes; fomentar concursos de gastronomia que potenciem novos usos das plantas existentes. As ortigas estão na moda, parece que a merugem dá uma excelente salada, as leitugas são inúmeras e faziam as delícias dos coelhos… E um herbário ou plantário, quem poderia fazê-lo, ilustrando as diferentes fases de desenvolvimento de uma planta e diferenciando as subespécies?

Neste registo, partilho um pequeno número das herbáceas que abundam por aí, recatadas ou provocantes, promiscuamente deitadas e abraçadas umas às outras, a suscitar contemplação estética e curiosidade intelectual, mas também preocupação. Umas dão-se bem com as pessoas, outras preferem a solidão dos montes e vales. São plantas espontâneas, algumas são endemismos, três parasitas, quase todas, medicinais, comestíveis ou outra coisa. Podem ter chegado com a mobilidade geográfica e as plantas ao molho e envasadas que compramos, mas tornaram-se de cá porque somos acolhedores e hospitaleiros! Enriquecem a biodiversidade, umas tantas ameaçando-a!

As plantas dão por muitos nomes e há nomes que são atribuídos a centenas de plantas diferentes na família, género, espécie e subespécie. É o caso da designação “erva-das-sete-sangrias”, entre outros. Dado o nosso amadorismo na matéria, evitamos descer à subespécie, e é bem possível que algumas ervas se encontrem mal identificadas. Os nomes foram retirados de bibliografia da especialidade, figurando o local em segundo lugar, quando conhecido. A propósito, agradeço muito sensibilizada a oferta da obra Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian. Flora, de Raimundo Quintal (Lisboa, F.C.G., 2014).


(…) Em toda a parte vi flores
romperem do pó do chão,
universais, como as dores do mundo,
que em toda a parte se dão. (…)

(António Gedeão, “Lírio roxo”, in Teatro do Mundo, 1958).









































Lisete de Matos

Açor, Colmeal, 30 de abril de 2016.

6 comentários:

Maria Lucília disse...

Não tenho palavras. É uma bela reportagem, uma maravilha, aliás como é hábito.
Obrigada por nos presentear com coisas tão belas e da maior diversidade.

António Santos disse...

Sempre muito atenta ao que nos rodeia e com uma sensibilidade muito própria que parece escassear no ser humano, Lisete de Matos neste trabalho, neste seu excelente trabalho, alerta-nos para uma situação preocupante, o caso de plantas que se encontram em vias de extinção e outras que são autênticas pragas e não param de se propagar.
E Lisete de Matos repara em tudo isto. E fala-nos do que vê, fala-nos do que sente. E partilha. E as pessoas lêem, algumas pelo menos, mas na generalidade ficam numa completa indiferença e alheias ao que as rodeia.
Certamente não se darão conta que “as chamadas ervas daninhas, que são mesmo danadas” foram sem alarido e aos poucos tomando conta dos lameiros, dos cômbaros, das encostas, dos baixios e das testadas, à medida que os resistentes de muitas invernias iam “deixando” as nossas aldeias e “os gados deixaram de as roer e as pessoas, de as ceifar e sachar”. Porque já não há gados, porque cada vez há menos pessoas, porque qualquer dia não há mesmo pessoas.
Como mais à frente alerta num grito preocupante que parece não ecoar “É a desertificação verde instalada!” É a desertificação humana! O abandono total! O silêncio! Um silêncio ensurdecedor.

António da Anunciação Duarte disse...

O nosso agradecimento à Drª. Lisete Matos (Açor / Colmeal), pelo excelente texto e imagens das herbáceas existentes na nossa zona (serras do Açor e da Lousã).
De facto todos os que conhecem a vegetação desta zona reconhecerão, por memória visual, muitas das herbáceas identificadas nas fotos aqui publicadas, mas a maioria de nós, incluindo os nascidos na zona, como é o meu caso, desconhecíamos os nomes da maioria delas.
Trata-se de uma investigação e divulgação importante que a todos enriquece, estando de parabéns a autora e também a UPFC pela divulgação no seu Blog.
AD

GraçaBrito disse...

:) obrigada

Unknown disse...

Obrigado Lisete de matos por partilhar o seu singular conhecimento.

bem haja,

Sérgio de Moreno

Anónimo disse...

Muito interessante! Desconhecia o nome da maioria, embora apreciasse o delicado colorido com que enfeitam os caminhos.
Bem-haja, Drª Lisete, por mais este excelente artigo.

Deonilde Almeida