01 abril 2016

COLMEAL, VISITA PASCAL 2016


Celebrou-se a Páscoa, no domingo passado. Para os cristãos, a Páscoa festeja a ressurreição de Jesus Cristo, filho de Deus, depois de ter sido cruxificado e morto na cruz para salvação dos Homens. Celebrando a vitória da vida sobre a morte, é a principal festa da liturgia cristã e uma das mais antigas.

No âmbito da mesma, ocorreu a Visita pascal, também chamada de Boas festas e Compasso. É uma tradição cristã que consiste na deslocação do sacerdote ou de quem o represente a casa dos paroquianos, para anunciar a ressurreição de Cristo, representado pela Cruz, e abençoar as casas e famílias. Recebendo-O, estas expressam fé e aceitação do mistério e dogma da ressurreição e divindade de Jesus. 

Festivamente paramentados de vermelho, acompanham o sacerdote ou quem o substitua: um sacristão, que transporta a Cruz e a dá a beijar; dois acólitos, um que transporta a caldeirinha com a água benta e outro que vai soando uma sineta em sinal de júbilo; um mordomo, que recolhe e transporta num saco o folar que as pessoas oferecem como contributo para o funcionamento da paróquia. 

O rito é eloquente, na sua simplicidade. Depois dos fiéis, a Cruz é a primeira a entrar nas casas, dizendo o seu portador:

- Bom dia (ou boa tarde),Cristo ressuscitou, boas festas, aleluia, aleluia!

De imediato, o pároco asperge os presentes e a sala com água benta, enquanto reza, sendo acompanhado por todos nas aleluias: 

- Este é o dia que o Senhor fez. Exultemos e cantemos de alegria. Aleluia, aleluia, aleluia!

A seguir, a Cruz é dada a beijar aos presentes, começando pelos donos da casa, a quem o respetivo portador deseja de novo boas festas e o pároco ou o seu representante o vem fazer também. Seguem-se momentos de partilha e convívio informal, com os anfitriões a insistirem para que os visitantes tirem amêndoas, comam, bebam ... 

Embora possa ocorrer em meio urbano, a Visita pascal é uma tradição essencialmente rural. Consequentemente, em linha com a importância que é atribuída à família e à Páscoa, continua a verificar-se a deslocação dos que residem fora às suas aldeias de origem, onde muitos participam no evento. Uma vez que têm de regressar, as Boas festas realizam-se no próprio domingo de páscoa, não se prolongando pelos seguintes, como antigamente. Devido à extensão dos territórios e à falta de sacerdotes, esta metodologia implica o envolvimento de leigos, quem sabe se numa antecipação precoce do futuro. 

É o que acontece na paróquia do Colmeal, onde se organizam dois grupos: um que assegura as Boas festas nas localidades da margem esquerda do Ceira, (Malhada, Foz da Cova, Carrimá, Soito, Aldeia Velha, Carvalhal e alternadamente o inverso) e outro que as assegura na margem direita (Colmeal, Ádela, Açor, Sobral e Saião e Salgado, se for caso disso). Este ano, as equipas foram empossadas pelo pároco - padre Carlos Cardoso - na sequência da missa pascal. 


Entre residentes e visitantes, diria que a maior parte abre a porta da sua casa. Infelizmente, de ano para ano, também as há que ficam fechadas, por ausência ocasional ou incontornável, permanecendo presença inolvidável. Algumas famílias continuam a enfeitar a entrada com flores e ramagens, ainda em alusão à entrada de Cristo em Jerusalém e outras práticas ancestrais. 

Sobre a mesa hospitaleira, podem ver-se iguarias tão diversas como amêndoas, bolos caseiros e industriais, filhós, salgados, fruta, bebidas com e sem álcool, café. Dizem-me que nas terras onde a Visita tem lugar perto da hora do almoço, é possível encontrar a mesa posta para o mesmo, sendo os visitantes convidados a partilhá-lo. Admiro mesmo a sua disponibilidade e capacidade para a todos honrarem, servindo-se de alguma coisa! Discretamente, o mordomo recolhe e guarda o folar. 

Presentemente, quando muitos permanecemos poucos, há terras onde toda a gente se desloca em comitiva, beijando o Senhor em todas as casas onde entra, mal lembrando a multidão que acompanhava as Visitas pascais de antigamente. Ao tempo, as aldeias pululavam de gente, as deslocações faziam-se a pé pelas veredas sinuosas da serra, o Natal contava pouco e uma das promessas devotas que as pessoas mais faziam era a de andar a alumiar o Senhor, de lanterna de azeite acesa, em todas as Visitas da freguesia ou apenas em algumas. Enfim, tudo concorrendo para tornar as Boas festas - como o próprio nome indica – uma oportunidade maior de expressão religiosa, interação social e convívio. Recentemente, alguém me dizia que só foi ao Carvalhal quando teria os seus catorze anos, e andava a alumiar o Senhor. Quinze dias antes, já as mulheres andavam de sabão amarelo e escova em punho, a “escafonar” o soalho! 

Imagine-se a extensão, o colorido e o simbolismo daquele cordão andante pela serra, em alegria sacrificada, cantando hinos de ressurreição! E os mais novos divertindo-se ao mesmo tempo! Nas aldeias, parte dos acompanhantes ficava às portas, pois era costume entrar apenas nas casas de familiares e amigos. Mas havia sempre quem tirasse umas amêndoas, nomeadamente os párocos, para os que estavam lá fora. Um gesto inesquecível para os que então eram crianças, como se viu no trabalho sobre o Padre André de Almeida Freire!

Na pessoa de os elementos que promoveram a Visita pascal deste ano, agradeço aos próprios e a todos os que, ao longo do tempo, têm mantido a tradição viva, em prol da religiosidade e da cultura, património imaterial, que nos identifica e une. 

-Margem esquerda: José Álvaro Domingos, em representação do padre Carlos Cardoso; Carlos da Conceição Jesus, com a Cruz; Tiago Domingos, com a sineta; Artur Domingos Fonte, com a caldeirinha; Miguel Iria, com o saco.

-Margem direita: João Freire, em representação do padre Carlos Cardoso; Leonel Henriques, com a Cruz; Américo Jesus com a cadeirinha e a sineta; José Braz Vitor, com o saco.

Obrigada pela generosidade e dedicação.

A fotografia do grupo foi tirada pela Catarina Domingos, que já tem integrado as equipas.


Lisete de Matos

Açor, Colmeal, 31 de março de 2016

4 comentários:

Catarina disse...

Dra. Lisete, é sempre um prazer ler os seus textos maravilhosos...desde a descrição do que é a época pascal a como esta é vivida na nossa zona, não há palavras!
Bem haja a todas as pessoas que contribuem para manter vivas as tradições!
Mais uma vez, obrigada Dra. Lisete pelo seu texto.

António Santos disse...

É sempre bom haver alguém que nos registe estes costumes, estas tradições. Memórias que a não serem registadas se perdem na berma dos caminhos. Os mais antigos são repositórios de lembranças que se vão esfumando se não forem transmitidas. Felizmente que há pessoas interessadas e interessantes que partilham o que de melhor nos podem oferecer. Obrigado pela sua constante generosidade. Obrigado também a todos os que se empenharam na manutenção desta tradição.

Anónimo disse...

Obrigado, de novo, pelas suas palavras, que nos congregam à volta do nosso património, de que as práticas religiosas, como a visita pascal, são manifestação evidente.

Rui Ferreira

Unknown disse...

Um retrato muito expressivo da dimensão religiosa, cultural e histórica do evento. Mais um magnífico texto com que a autora nos brindou que dá gosto ler e reler. Obrigado Lisete.

António Santos Almeida