Esteve lua cheia no Natal. Do sítio de onde a observava ao
anoitecer, parecia-me emergir de Fajão, onde teria andado de rua em rua, a
saborear o convívio das pessoas e o encanto do casario renovado. Áh, e a deleitar-se
com a arte de Monsenhor Nunes Pereira e a ironia de “Os Contos de Fajão”! Por
isso vinha tão bojuda, radiosa e radiante!
Apesar das tentativas em dias com e sem nuvens, por defeito
da máquina ou meu, não consegui captar esse contentamento. Tão pouco o homem
carregado de silvas, que foi lá parar como castigo por andar a roçá-las ao
Domingo! As coisas que se viam na nossa cultura rural, de medo, culpa e
castigo! Noutra qualquer, as montanhas e crateras da lua lembrariam cenas felizes,
como a Natividade, o que seria bem mais adequado à época natalícia que se vivia.
Independentemente destas visões, o facto é que a lua passava
todos os dias, de oriente para ocidente, mágica e calorosa, a desejar Boas
Festas. Como lhe compete nessa fase de luminosidade e feitiço. Todavia, sem
bruxas, lobisomens e afins!
Reencontrei-a um dia de manhã, quando eu própria me deslocava
para poente e do interior para o litoral. Acompanhava-me, desafiante, sempre
uns quilómetros à frente, qual estrela de Belém adiante dos Reis Magos. Continuava
sedutora, mas agora algo triste e apagada.
Não, não era por temer a perda de protagonismo, consequência
da luz do dia e da fase minguante prenúncio de morte, que se avizinhavam. Ao
contrário de alguns, lidava bem com essa inevitabilidade! Era por causa do que
vira pelo caminho, deixando o luar indiscreto penetrar curioso na intimidade
dos lugares e dos lares, das pessoas e dos corações.
Falar do global que avistava, circulando devagar à volta da terra
e com ela à volta do sol? Nem pensar! Seria demasiado extenso e penoso. Falaria
apenas do local mais próximo e com grande parcimónia. Regiões desenvolvidas e à
espera de desenvolvimento. Populações com e sem as necessidades básicas resolvidas.
Territórios e paisagens, uns tratados e fruídos, outros deprimidos e
desaproveitados. Florestas ora pujantes, ora ardidas e desordenadas. Terrenos pobres
cultivados e ricos incultos. Estradas novas vazias e velhas em uso. Terras, umas preservadas e buliçosas de vida, outras em ruínas e despovoadas. Comunidades,
famílias e casais avindos e desavindos. Presépios simples ao frio e árvores de
Natal triunfantes à lareira. Presépios animados e desanimados, pais natais a
trepar pelas janelas. Cantadores de janeiras solícitos, pessoas ausentes para ouvi-las.
Crianças e idosos protegidos e acarinhados, crianças e idosos desprotegidos e
destratados. Pessoas compassivas, solidárias e generosas, tantas pessoas carentes
de compaixão, solidariedade e generosidade. Pessoas tão sós ainda que
acompanhadas. Gente feliz e infeliz; com tudo e sem nada; autónoma e
dependente; livre e cativa.
Deixei de a ver amortecida, ainda a magicar sisuda sobre as
desigualdades que separam as regiões, as terras
e as pessoas.
Lisete de Matos
Açor, Colmeal, 4 de janeiro de 2015
2 comentários:
Obrigado por partilhar imagens tão bonitas e palavras simultaneamente tão realistas e tão poéticas.
Bom Ano!
Rui Ferreira
Recordei os meus tempos de menino de calções. Quando via a Lua começar a trepar pelos penedos do Vidual, lá nas lonjuras de Fajão. A sua enorme bola branca nos meses de Agosto. Enorme. Bela. E o que a minha avó me falava sobre as sombras que eu tentava decifrar de uma velha com um molho de silvas às costas.
O texto está admirável e revela-nos aquilo de que nem sempre nos damos conta. E que não passa despercebido à Lua. As desigualdades. Porque andamos apressados? Ou apenas distraídos?
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