28 outubro 2013

DA ARTESA E DA ARTE DO ARTUR


De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa (Porto Editora, 6ª ed., s/d, 1ª ed. de 1952), “artesa” é uma espécie de caixa que serve para amassar, figurando como sinónimos “masseira” e “amassadeira para pão”. 

Por aqui, a artesa, na sua versão em madeira, que realmente também dava pelo nome de masseira, nem parecia uma caixa, nem servia para amassar. Feita por escavação, a enxó, do tronco de uma árvore, era um recipiente para o comprido, que servia como bebedouro para os animais. Dado que também havia artesas em granito, em geral, usavam-se as de madeira para as cabras, as ovelhas e as galinhas e as de granito – retangulares ou redondas –, para os porcos, que tinham a mania de as roer. 


As artesas caíram em desuso com o desuso das atividades que serviam ou com o recurso por parte delas a utensílios modernos mais leves e práticos. Para esse desuso também contribuíram o desaparecimento da autoprodução artesanal e a banalização da compra dos utensílios no mercado. 

A última artesa em madeira que vi a ser utilizada foi na Mata (Fajão), em 2003. Sendo a madeira perecível, as artesas neste material têm vindo a perder-se, mas as de granito continuam a ver-se a servir de banheira aos pássaros ou simplesmente a descansar, encostadas a uma qualquer parede. Claro, veem-se as que sobraram da procura pouco escrupulosa que se verificou há uns anos, com a consequente venda delas ao desbarato




Percebe-se, assim, que num dicionário mais recente igualmente de tipo escolar, concretamente o Dicionário Verbo da Língua Portuguesa (2ª ed., 2008), o termo artesa já não conste. Os dicionários comuns incorporam o vocabulário essencial de uma determinada língua, sendo a seleção das entradas feita através do estudo da frequência da utilização, oral e escrita, dos milhares de palavras que formam os corpus de referência. Como em muitas outras circunstâncias, também nos dicionários as velhas palavras vão dando lugar às novas, não raro quando ainda são úteis, como é o caso da palavra artesa que aqui nos ocupa.

Pois, não faz o objeto parte do espólio de inúmeros museus, pátios e jardins? E não continua a ser produzido, ainda que pontualmente, como o belo exemplar em madeira, que o Artur da Fonte (Colmeal) acaba de fazer, com a arte e o enlevo que todos lhe reconhecemos, a partir da lembrança das que fazia, na infância, para as galinhas das vizinhas? 




Chegaram, inesperados e bem-vindos, o Artur e a Luísa, sua mulher, trazendo a artesa nos braços e a generosidade no coração. E eu, de tão contente e surpreendida, nem terei agradecido devidamente! Faço-o agora, enaltecendo o labor e o talento do Artur, artesão da memória e da cultura do nosso passado, artífice das raízes e valores que fundam a nossa identidade e o nosso futuro.

Li uma vez, escrito por especialistas na matéria, que a sustentabilidade do artesanato tradicional passa por “fazer muito bem o novo, com a qualidade individualizada do antigo e toda a originalidade de invenção do futuro” ou por “fazer muito bem o antigo claramente identificado como tal”. É o caso do Artur, um exemplo a seguir por todos os que escolhem o artesanato como atividade. 

Nota: A “masseira”, sinónimo de “gamela”, a tal caixa que serve para amassar, mantém-se em uso. Pode encontrar-se nos espaços que vendem artesanato em madeira, e ver-se, praticamente todos os dias, num dos muitos programas televisivos, que falam da gastronomia tradicional como cultura e recurso da economia local.

Lisete de Matos

Açor, Colmeal, 08/10/2013

1 comentário:

Anónimo disse...

Que bem que nos fazem estes trabalhos de recolha do património!
É como alimentar as nossas raízes... e quando estão envolvidos os nossos artistas, a nossa autoestima cultural só pode subir!

Fico à espera de mais!

Deonilde Almeida (Colmeal)