24 setembro 2013

A ESCOLA DO PARAÍSO



Nesta obra, começa José Rodrigues Miguéis, o Autor, a traçar a evolução duma família lisboeta, parte dessa gente obscura que a capital atrai a si, para a formar, absorver, desagregar e dissolver, por fim, no anonimato original: dela guardando, acaso, um rasto de ternura, revolta e esperança – a dos que à Vida respondem com actos de vida, procurando a salvação na labuta, no sonho, e eventualmente nos ideais.

Através dos olhos atentos e pasmos duma criança, é-nos dado um ambiente e uma época – os anos que imediatamente precederam e seguiram a implantação da República. Justapõe-se na paisagem assim descrita a lenda e a verdade, a fantasia e o senso-comum, dramas da rua e folclore, alegrias e desilusões, bondade e sordidez – tudo o que constitui o aprendizado chocante e sedutor graças ao qual Gabriel, o pequeno protagonista, irá integrando a sua limitada esfera pessoal de criança no vasto mundo adulto que o rodeia, universo bizarro e muitas vezes incompreensível que, ao mesmo tempo, o fascina e amedronta.

Inventário prodigioso duma época, devassa apaixonada duma cidade e dos seus habitantes, A Escola do Paraíso – com que o Autor pretende contribuir para preencher uma lacuna na novelística lisboeta, entre o naturalismo e o neo-realismo – mostra-nos, sublimadas ao mais alto grau, as qualidades que fizeram de José Rodrigues Miguéis um dos nossos maiores escritores. Nasceu em Lisboa a 9 de Dezembro de 1901, na Rua da Saudade em pleno bairro de Alfama. Em Lisboa passou a sua infância e juventude. Forma-se em Direito em 1924. Do seu pai, imigrante galego, herda as ideias republicanas e progressistas, o que o leva a entrar em conflito com o Estado Novo e o obriga a partir em 1935 para o exílio nos Estados Unidos, onde em Nova Iorque vem a morrer em 27 de Outubro de 1980 

José Brandão, no seu trabalho “A República nos livros de ontem nos livros de hoje”, dedicou-lhe esta pequena resenha: 

“José Rodrigues Miguéis recorda a sua primeira infância num dos melhores romances portugueses. A cidade do princípio do século, os primeiros automóveis, a cidade iluminada a gás, dos teatros do Príncipe Real, do animatógrafo, a cidade que acabava na Rotunda, para lá os campos de corridas ao Campo Grande.

Os hábitos, a carbonária, a aristocracia decadente, o regicídio e a proclamação da I República. As profissões, os portugueses e galegos que chegavam à capital. Tudo contado magistralmente pelos olhos de um menino que cresceu a ver o brilho do sol das sacadas pombalinas viradas ao Tejo. Menino que reteve minuciosamente a memória das cores, dos cheiros, das gentes e de tudo quanto foi sendo, intensamente, o seu mundo.”

Fui encontrar este livro há cerca de uma semana, no meio de outros, já todos eles com as folhas amarelecidas pelo tempo. Recordo-me de quem mo ofereceu e de quando mo ofereceram. Foi há cinquenta anos, que se completarão no próximo domingo. Não me lembro de ter lido as primeiras oitenta páginas, que já estavam abertas. Tratei de abrir as restantes. Comecei a lê-lo e em dois pedaços de tempo, em menos de doze horas, devorei as 375 páginas da edição acabada de imprimir em Dezembro de 1960, pela Estudos Cor onde curiosamente, ao tempo, José Saramago era editor literário. 

E assim, página atrás de página dei com “O avô Colmeal ”, passei pelo “Vale do Braçal”, pela “Folgosa”, andei por ruas conhecidas dos meus tempos de escola, Olarias, Escolas Gerais, Castelo, Calçada do Monte, Lagares, Mouraria, e fiquei admirado quando na página 331 reparei que “Em cima do banco desdobrava-se uma Comarca de Arganil.” 

Um livro que brevemente estará disponível na Biblioteca da União no Colmeal.

A. D. Santos

1 comentário:

Anónimo disse...

Fiquei "com água na boca" ! Na próxima estadia no Colmeal, vou requisitá-lo (se estiver disponível).
Obrigada pela divulgação.
Deonilde Almeida (Colmeal)