15 abril 2012

Revitalizar os tecidos sociais do interior: Uma necessidade e um imperativo



Conclui-se, através da análise dos níveis de expectativa e confiança dos Portugueses, que são muitos os desiludidos da política e dos políticos. Mas como a esperança é a última a morrer e estamos em época de formulação de votos positivos, agora que as formações partidárias se encontram a elaborar os seus programas eleitorais, valerá a pena voltar à questão da necessidade da tomada de medidas que, de modo sustentado e consistente, evitem a desertificação do interior.

A revitalização dos tecidos sociais do interior tem, como é sabido, o interesse e a dupla vantagem de manter o território humanizado e, ao mesmo tempo, de aliviar os meios urbanos da pressão que sobre eles é exercida pela concentração populacional e pelos problemas sociais que a acompanham. Trata-se, pois, de uma questão de fundo e de um imperativo nacional que o poder central não pode continuar a ignorar, remetendo para as autarquias, para os indivíduos e para as organizações da sociedade civil a responsabilidade pela fixação e pela atracção de populações. Em luta desigual, diga-se de passagem, uma vez que é o investimento privilegiado nos grandes, médios e pequenos centros que continuam a prender e a atrair as pessoas, seduzindo-as com as oportunidades que faltam nos restantes meios. Mesmo que essas oportunidades possam ser bem ilusórias, como o demonstram a pobreza e o desemprego urbanos.

Apesar do esforço de desenvolvimento e da melhoria evidente verificada em vários domínios, continuam a ser muitas e diversificadas as disparidades que separam, como se de um fosso se tratasse, o interior do litoral, o rural do urbano, as aldeias das vilas e as vilas das cidades. Viver no interior tem, assim, muitas virtualidades, mas também muitos inconvenientes.

Entre outros exemplos possíveis, viver no interior significa ver o direito à saúde e o poder de escolha nesse campo afectados pela insuficiência ou pela qualidade da oferta, pelo efeito dissuasor das distâncias e do custo dos transportes, ainda que possam existir apoios para os mais carenciados. Significa, para as crianças que residem em lugares mais afastados, um esforço adicional para aprender, depois da madrugada obrigatória e dos vários quilómetros percorridos, por caminhos que são o que são e em viaturas que nem sempre são as mais confortáveis. No regresso, o mesmo.

Quando a utilização do telemóvel se vai sobrepondo à do telefone fixo, na era da informação, a agravar o isolamento, dificultando o trabalho a distância dos residentes e impedindo a permanência prolongada de visitantes, viver na aldeia pode significar privação da rede de uma das operadoras mais usada e ter acesso deficitário às restantes; significa, ainda, ausência de cobertura de ADSL e impossibilidade de acesso, em condições minimamente aceitáveis, aos quatro canais clássicos de televisão, pagando serviços que outros cidadãos não pagam, à via satélite.

Viver no interior e, especialmente numa aldeia, pode significar trabalho a distâncias que poderão ser iguais às que se fazem em meio urbano, mas que se tornam efectivamente muito distintas, devido às características e ao estado de algumas estradas, que desgastam as pessoas, as viaturas e o tempo útil de trabalho ou lazer. Pode significar, ainda, na falta de saneamento básico, conviver com o cheiro das fossas que nem assépticas são.

Quando o consumo sem consumismo se transformou num direito, viver no interior e especialmente numa aldeia significa, sobretudo para os mais idosos, ausência de poder de escolha e dependência em relação à oferta que chega através da venda ambulante a cujos agentes, aliás, deverá ser rendida homenagem pelo utilíssimo serviço que prestam às populações. Para não continuarmos, significa ter outros problemas e permanecer com eles, apesar dos serviços pagos ou da possibilidade de os pagar.

Nestas condições de desigualdade infra-estrutural e de recursos disponíveis, sendo a mobilidade geográfica e profissional um direito e uma imposição do mercado de trabalho, não admira que os mais jovens continuem a ansiar partir para realizar as suas aspirações e que os que um dia partiram se recusem a regressar, como dizemos num outro contexto, “em parte, pelas mesmas razões pelas quais partiram, substituídas as antigas carências económicas pelas actuais limitações no acesso a bens e serviços que passaram a ser considerados essenciais” (Lisete de Matos, Gente da Serra: Modos de Vida entre a Cidade e a Aldeia. Dissertação de Mestrado, 2000). Perante esta realidade, o envelhecimento da população e a progressiva redução das taxas de natalidade, só resta ao interior, para evitar a desertificação humana que o ameaça e a transformação das aldeias em espaços transitórios de reencontro, lazer e férias, recorrer à atracção de novas populações. Desde que, para tanto, se reúnam as condições.

Em matéria de desenvolvimento, como noutras, as pessoas e os lugares são indissociáveis. Começando por elas, que são o factor determinante para a concretização do infra-estrutural e do socioeconómico, a existência de incentivos fiscais à fixação e residência não constituiria a medida mais estratégica e estrutural, a prever nas agendas políticas, em nome do bem-estar individual e colectivo e da coesão social finalmente materializada? Face à necessidade extrema de receitas, a proposta poderá parecer descabida, mas a relação custo-benefício seria assinalável. Além disso, descabida, socialmente injusta e repulsiva da fixação é a situação actual, de tributação em função do rendimento, sem serem tidos em consideração, consoante o local de residência, a desigualdade das condições de vida e os diferentes custos envolvidos na produção desse rendimento.

Lisete de Matos, AÇOR (Colmeal)
in Jornal de Arganil, 27 de Janeiro de 2005

4 comentários:

Soito aldeia preservada disse...

Excelente texto da Drª. Lisete Matos, residente no Açor (Colmeal/Góis), publicado no Jornal de Arganil em 2005 e agora divulgado no Blog da União Progressiva da Freguesia do Colmeal e que infelizmente para a nossa zona, mas em geral para todo o interior, se mantém plenamente atual.
Parabéns à autora.
Partilhado no Facebook da CM do Soito

Anónimo disse...

Desculparão que me comente a mim própria. É só para dizer que, infelizmente, mantenho hoje o que disse em 2005,com exceção para o acesso à internete. Na localidade onde resido, este tornou-se, entretanto, possível via telefone fixo – que não por outros meios -, mas a uma velocidade tão lenta que é dissuasora. Ainda assim – pasme-se! - só para alguns, porque a infraestrutura mais que gasta só comporta dois acessos!

Passados seis anos, poderia era ser muito mais incisiva e abrangente. Se …

Abraço, excelente Domingo.

Lisete de Matos

Açor, Colmeal

Soito aldeia preservada disse...

Para além do acesso à Internet, em que de facto se verificou uma evolução positiva, mas insuficiente, sendo que o acesso através da rede móvel já hoje é uma realidade em algumas aldeias (embora lenta), do ponto de vista da tributação, é justo referir que, tanto quanto julgamos saber, o Município de Góis tomou 2 medidas no sentido da redução referida pela Drª. Lisete Matos:

 A redução de dois pontos percentuais (2%) na taxa de tributação de IRS, que já se aplicou em 2011 (Segundo a Lei da Finanças Locais os Municípios têm direito a 5% das receitas do IRS pago pelos residentes, podendo abdicar de parte ou da totalidade delas para reduzir as respetivas taxas de Tributação);
 A redução da taxa de tributação do IMI (de 0,004% para 0,0375), para os prédios já avaliados nos termos do Código do Imposto sobre Imóveis, para os prédios avaliados posteriormente a 2004 (os que têm valores patrimoniais mais elevados).

É óbvio que, sobretudo ao nível do imposto sobre o rendimento, uma redução mais significativa só poderia ser decidida pelo Governo da República, mas infelizmente, no Orçamento de 2012, verificou-se mesmo uma tendência de sinal contrário, com o fim dos benefícios fiscais à interioridade, tendo a taxa de IRC para as empresas do interior passado de 15% em 2011, para 25% (taxa normal), em 2012.

António Duarte

Anónimo disse...

É isso. As autarquias, e concretamente as nossas, fazem o que podem. Infelizmente, aparentemente insuficiente para atrair e fixar de modo significativo novas populações. Quanto às lógicas do poder central, começa a ser claro para mim que o que pretende é, precisamente, ter uma multidão de pessoas em dificuldade nos meios urbanos, para ter oportunidade de tomar medidas sociais de apoio, e por elas se ver devidamente louvado e agradecido!

Lisete de Matos

Açor, Colmeal