07 janeiro 2010

Vale do Ceira – AQUI COLMEAL

JOSEFA MARTINHA, um nome, uma legenda da Serra! «Aquele não é um rolo, é um Rolão» – Autor desconhecido Gerar filhos, efectuar a lide da casa, amanhar a terra para produzir pão, eram, entre outros, os deveres da mulher da Serra. Josefa Martinha, com dezoito risonhas primaveras, ao casar em 1910 com José Maria Ramos, conhecido por Joaquim Ramos, não alterou a regra: trabalhar no duro, de sol a sol e gerar filhos. A ambição legítima de José Maria Ramos, que não conhecia uma letra, era possuir de seu um palmo de terra e casa modesta para o casal habitar, com os filhos que porventura viessem a gerar. Como a produção da terra, proveniente das leiras de cultivo, nem sempre era excedentária, havia que migrar periodicamente para concretizar o sonho, mantendo-se a mulher na Serra a amanhar os «coiceiros». Depois de várias idas periódicas para a capital, privações da mais variada ordem e amealhados que foram uns reis (para os quais contribuiu Josefa Martinha ao vender anualmente algum do milho que recolhia), José Maria Ramos adquiriu as «cavadas» da Selada do Riado e junto à estrada construiu aos poucos a casa, o lar do casal, então já com dois filhos. Pela sua situação, a Selada do Riado era obrigatoriamente local de passagem dos caminheiros da Serra. Assim, mais tarde, José Maria Ramos, homem rude mas de visão, montou ali, por baixo da habitação, um negócio de bebidas, sal (utilizado abundantemente para conservar a carne de suíno) e carvão. Nos seus princípios de comerciante, José Maria Ramos, filho do «Rolo» do Carvoeiro, teve um desaguisado com conterrâneos, já um tanto ébrios, aos quais virou costas para evitar uma mais acalorada discussão. Um dos presentes, conhecedor da alcunha do pai, alto e sonante, em jeito de provocação: «Aquele não é um rolo, é um Rolão!». Em tal hora foi feita a afirmação que o epíteto propagou-se por toda a Serra. O nome de Selada do Riado foi enviado às ortigas, e por «Rolão» passou a denominar-se o local desbravado por José Maria Ramos, falecido bastante jovem. Viúva aos 34 anos, mãe de 6 filhos, de ambos os sexos, cujas idades variavam entre os 18 meses e 14 anos, a «senhora Martinha do Rolão», como respeitosamente era tratada na região, não era somente comerciante, era uma mulher de «armas», mas simultaneamente de uma humanidade a toda a prova. «A senhora Martinha do Rolão» estava sempre pronta a ajudar o próximo, servir aos caminheiros da Serra um prato de sopa e conduto, emprestar agasalho no Inverno enquanto ao calor da lareira secavam as roupas encharcadas pela água da chuva, ceder uma cama para passar a noite, emprestar dinheiro sem juros, socorrer uma aflição ou fiar o que necessário, sem perguntar quando viriam a pagar. O nome da bondosa Josefa Martinha, nascida no Braçal (Pessegueiro) a 13 de Junho de 1892 e falecida em Lisboa em 26 de Abril de 1982, é uma legenda da região. Por isso, mas fundamentalmente porque os conterrâneos, sejam eles das Serras ou Vales, de freguesias situadas ou não nos concelhos de Góis e Pampilhosa da Serra, não são ingratos, têm vindo a público, através da imprensa, alvitrando a realização de uma homenagem póstuma a essa figura de mulher da Serra. Pelo seu humanismo e qualidade de MULHER, com letra maiúscula, apoiamos a nobre intenção de se perpetuar o nome de Josefa Martinha. Mas, por favor, não alterem o nome do local, situado na estrada da Pampilhosa da Serra, onde entroncam as vias de Colmeal e Fajão. Rolão, derivado do epíteto de que a falecida e seus descendentes sempre se orgulharam, eternamente continuará «ROLÃO» na voz do povo.
FERNANDO COSTA
in “A Comarca de Arganil”, de 1 de Junho de 1985 Do espólio de Fernando Costa

3 comentários:

Anónimo disse...

Ao passarmos pelo Rolão e olharmos as ruinas daquela casa por onde nós passámos quando éramos pequeno sentimos que também ali está um pouco de nós.
Era ali que a camioneta nos deixava e as pessoas do Colmeal nos iam esperar. Ali se comia um pouco do farnel que se levara para a viagem.
Era outra vez ali, que no fim da nossa estada na aldeia, nos voltávamos a encontrar e a despedir dos que nos acompanhavam. Com um "até para o ano".
É pena ver a casa assim, ou o pouco que dela resta.

deonilde disse...

Bem-hajam por mais este belíssimo artigo do saudoso Fernando Costa. Não conhecia a história. Apenas guardo a terna lembrança (de mais de 40 anos) da "Senhora Martinha do Rolão". Memórias da velha "camioneta da carreira" que nos levava, do convívio dos mais velhos, naquele lugar quase mítico, da camioneta de caixa aberta do "Ti Arménio" que depois nos conduzia até à ponte do Colmeal, depois o resto era a pé... A "Ti Martinha", como também ouvi chamá-la, acolhia os rapazes do correio (lembro-me dos filhos do "Ti Germano"), que todos os dias subiam a serra, para trazer a "mala do correio", que ligava o Colmeal aos familiares espalhados por toda a parte. Em criança, eu passava as férias escolares no Colmeal, com os meus avós (o "Ti moleiro" e sua mulher, a "Maria Moleira", em casa dos "primos da Eira", Hermínia e Carlos, que tinham um coração maior que a casa). Era um tempo de pessoas humildes e generosas e a casa da "Ti Martinha do Rolão" era um porto de abrigo para os viajantes. Não me lembro das feições da senhora, mas, sabendo agora que esteve em Lisboa até 1982, lamento ter perdido a oportunidade de a visitar, apenas para lhe dizer que há memórias que nos marcam e moldam o carácter e, naquela casa em ruinas, eu guardo memórias de imensa ternura. Quando lá passo, passam diante de mim esses rostos engelhados e doces da minha infância, que ajudaram a moldar quem sou, fazendo de mim uma pessoa melhor. Bem-hajam!

Anónimo disse...

Foi com muita emoção que li esta página dedicada à Ti Martinha do Rolão, não fosse eu seu neto, filho da sua filha mais nova Belmira da Conceição, também já falecida. Sempre conheci a sua história de vida e a sua generosidade perante os outros. Viveu durante alguns anos na minha casa em Lisboa e aí faleceu.
Foi uma grande Mulher.
Muitas Saudades.
O Neto
Fernando Martins